Pedro Galvão (2020). A Última Vida de Sir David. Lisboa: Imaginauta.
Se fantasia não está nas minhas leituras favoritas, depressa me vi enredado pela excelente construção de mundos deste livro. De forma progressiva, somos mergulhados num mundo fantástico de humanos em eterna discórida, dragões menos perigosos do que as lendas os retratam, ordens religiosas que ocultam a sede de poder por detrás da sua aparente bonomia, duendes excêntricos e inventivos, fieís criaturas que não estão vivas, e toda uma horde de criaturas do fantástico.
O cenário, que tem o seu quê de inspiração no vale do Tejo, enche-nos de vistas de cidades fantásticas, com aquela evocação neomedievalsta da fantasia. Quanto à referência, se Alamkar não vos deixa desconfiados, poderia desfiar mais nomes de cidades fantástica suspeitosamente reminiscentes de localidades que todos conhecemos, e isso, é um curioso aceno de bom humor aos leitores.
A história é um clássico romance-périplo, onde acompanhamos as aventuras de um jovem personagem arrastado para uma demanda perigosa. Aventura que é também um rito de crescimento, com o jovem a amadurecer, tornando-se mais corajoso à medida que enfrenta os obstáculos. A vontade de rever o pai desaparecido, rei da cidade, e salvar uma amiga que pela sua espécie sofre de tremenda discriminação, levará o jovem herdeiro do trono a enfrentar inimigos que já o eram do seu pai, conspiradores que querem tomar o poder na cidade, e escolhas que poderão levar a cataclismas.
Mas desenganem-se, David não é o herói (ou, no fundo, talvez o seja), mas sim um gato, fiel companheiro do rapaz, ao mesmo tempo cronista e protetor. Em tudo isto, confesso, as invenções maravilhosas do inventor Otto e a sua ilha de Nepente, onde revive para sempre o seu dia quase perfeito, são os elementos mais encantadores de um romance cheio de detalhes de encanto.
A Última Vida de Sir David é um romance surpreendente. Parte dos pressupostos estéticos da fantasia, dos quais não se desvia, para nos contar um tipo de história que é o típico do género. Mas fá-lo com eficácia, dando ao leitor o prazer de criar as imagens mentais de mundos fantásticos. E, enquanto nos diverte com as aventuras, fala-nos de crescimento e maturação, das necessidades de escolhas, de dualismos, das ramificações fractais de decisões que levam a ações, ou do não determinismo do nosso destino.