quinta-feira, 3 de novembro de 2022

El Capitán Alatriste


Arturo Pérez-Reverte (2013). El Capitán Alatriste. Barcelona: Editorial Debolsillo.

Um interessante regresso a um género esquecido. Esta obra de Pérez-Reverte ressuscita um tipo de narrativas populares caídas em esquecimento, o romance de capa e espada. Este era um dos géneros de literatura popular de aventuras dos tempos em que ler era uma forma de entretenimento pop, e contava histórias sobre as tropelias e lutas de espadachins, tendo como ambiente a europa do século XVII. Apesar de mais complexo e ambíguo do que as aventuras de capa e espada clássicas (tenho algumas na biblioteca, editadas por cá pela Romano Torres), as aventuras de Alatriste trazem esse género de volta aos leitores, cruzado com umas pitadas de romance histórico.

Hoje, já não aceitamos ler histórias que apenas contem histórias, ou melhor, pretendemos leituras mais profundas. Alatriste nisso não desilude, por detrás de uma história de aventura bem ritmada e cheia de peripécias está uma leitura critica da história espanhola (e, por extensão, europeia). Começa pelo próprio personagem, veterano das guerras na Flandres que agora se resigna a ganhar a vida nas ruas de Madrid como espadachim a contrato. Por entre as peripécias, Pérez-Reverte vai também falando desse passado espanhol seiscentista, quando a nação rica com o ouro e prata sul-americano parecia quase dominar a Europa, tentando criar um império na Holanda e sul de Itália, com o rival ibérico anexado por questões dinásticas, o que lhe concedia um domínio colonial sobre territórios africanos, asiáticos e americanos. Mas, também, uma nação dominada pela religiosidade, cujos cidadãos apostavam no enriquecimento e aventureirismo, corruptos e vistosos. Um país de ambição desmedida, a querer ser império, mas na verdade na viragem para a sua decadência.

É nesse ambiente que Alatriste se move. Pragmático, sabe que a sua vida e ganha-pão dependem da perícia com a espada. Aceita todos os serviços, um trabalho necessário numa cidade violenta, onde os despeitos políticos ou amorosos se resolvem na ponta do aço toledano. Mas Alatriste não é um mercenário sem escrúpulos, parte do seu encanto está no seu carisma e visão moral, o que não são as características mais eficazes para alguém que pode ser contratado para matar. 

São esses escrúpulos que dão o mote a esta aventura. Contratado para assaltar e matar dois estrangeiros numa viela, apercebe-se de algo anormal quando uma das vítimas pede misericórdia para o seu companheiro. Aí, renega o contrato, acabando por descobrir que os dois estrangeiros não eram os infelizes portadores de mensagens diplomáticas que julgava ser. Pelo contrário, estamos a falar de dois altos nobres ingleses, vindos à sorrelfa a Madrid para acelerar procedimentos para o casamento da infanta espanhola. O contrato para a sua morte vem dos mais altos escalões do reino espanhol, com envolvimento da inquisição, e Alatriste vê-se metido num bicudo sarilho, do qual se salvará com algumas espadeiradas épicas, alguma sorte, e cair nas boas graças dos inimigos dos inimigos que fez entre as altas cúpulas do reino.

Aventura pura, num ritmo imparável, com  uma visão mais profunda da época. É compreensível o sucesso deste personagem e da sua série literária, que nos transporta à Espanha seiscentista.