Werner Herzog (2022). The Twilight World. Londres: Penguin Press.
Este é exatamente o tipo de livro que podemos esperar de Herzog. Se surpreende o realizador escrever um romance, há que notar que ele é antes tudo, um contador de histórias. E um contador peculiar, para quem as histórias oscilam entre o panorama geral e pequenos detalhes que se acumulam em retratos psicológicos intensos. Herzog sempre se focou nas obsessões de personalidade, explorando e ampliando pequenos traços que explicam o foco idiosincrático daqueles por quem se interessa. Algo patente quer na sua cinematografia de ficção, quer no seu documentarismo.
The Twilight World lê-se como um roteiro para um documentário nunca realizado. A linguagem de Herzog é profundamente visual, como seria de esperar. Mesmo quando aborda estados de alma, usa linguagem precisa e descritiva, usando o exógeno para caracterizar o estado interior do ser.
O livro mergulha-nos nas selvas de uma ilhota filipina, palco de uma longa campanha de guerrilha levada a cabo por um soldado japonês, que cumpre tão escrupulosamente as suas ordens que se mantém em combate décadas após o final da II Guerra. É interessante que Herzog não caracteriza este comportamento como de fanatismo cego, apenas um misto de isolamento com espírito marcial de quem cumpre ordens.
A história é real, e Herzog construi-a a partir de entrevistas com o próprio Hiroo Onoda. O livro detalha um pouco as suas campanhas de guerrilha, após receber uma ordem superior para se manter na ilha após a evacuação japonesa. Reúne alguns soldados perdidos numa pequena força de combate, adaptando-se à selva, sobrevivendo e mantendo uma campanha militar. Em paralelo, há um mergulho profundo num mundo irreal, onde um pequeno grupo de homens está isolado do mundo, passa-lhe ao lado toda a evolução e modernidade, e continua a imaginar uma ordem global de acordo com a imagem do imperialismo japonês. Quaisquer tentativas de contacto são rejeitadas, as provas de que o mundo mudou são consideradas pelo soldado como propaganda e estratégias de engano. Uma história que só termina quando um viajante, também japonês, encontra forma de levar um antigo oficial superior à selva filipina, e com isso à rendição do soldado. E, embora Herzog não detalhe essa parte, ao transplante do isolamento da selva para um mundo moderno profundamente transformado.
Tema pesado, mas de leitura leve. Herzog é misericordioso com o leitor, faz aquela coisa rara que é escrever um livro pequeno e sucinto, embora profundo e bem recheado. Revê uma história da história do século XX, atrevendo-se a ir além do parágrafo de historiador e a mostrar-nos a perspetiva de quem a viveu.