Inês Montenegro (ed.) (2022). Rua Bruxedo. Lisboa: Imaginauta.
Uma sólida antologia, que nos dá a conhecer o trabalho promissor de algumas potenciais novas vozes do fantástico português, reunindo também alguns nomes mais sólidos. O tema da antologia é um fantástico de raiz portuguesa, e os contos inspiram-se na nossa história, tradições, cultura. É notável que nenhum dos contos segue o caminho óbvio de recuperar antigos mitos ou lendas tradicionais, seguem um caminho muito mais moderno na abordagem à portugalidade através do terror.
O conto O Emissário, de João Rogaciano, é uma belíssima fábula sobre o prazer da música, onde as musas desempenham um estranho papel através de homens que ultrapassam os limites do tempo, escrita com a solidez a que este autor já nos habituou. Fertilidade, de Liliana Pereira, pega nas angústias da maternidade e cruza-as com as lendas da ponte de Misarela, numa história invocadora de crianças demoníacas. Sintra com Nevoeiro, de Maria Fuente, cruza o ambiente místico das neblinas sobre a serra com a invocação das memórias pessoais, num estilo muito tocante. Em O Lamúrio, de Patrícia Lírio, o retrato da vida dura dos homens do mar cruza-se com o mito das sereias, ao mesmo tempo em tom de sensualidade e de violência assassina. Pedro Martins tem-se mostrado um dos mais promissores autores recentes de literatura de terror, e o conto Os Ossos que Esperam sublinha isso, um cruzamento de maldições vampíricas-zombie que quase aniquila a vila de Campo Maior nos tempos da Inquisição escrito num estilo duro, imparável e muito gráfico. Em Lisboa Sumida, Pedro Santos imagina com imenso humor o que aconteceria se Lisboa desaparecesse, visto através da fauna que frequenta uma tasca. Em Três Segredos, Simão Cortês tece uma história complexa de vingança, que salta entre os dias quentes do 25 de abril e as invasões francesas. A antologia encerra com o surreal Missão de Salvamento de Susana Geadas, onde a ficção científica se cruza com os heterónimos de Pessoa, numa história onde a protagonista é invadida por alienígenas bons, para os ajudar a libertar os seus companheiros encerrados na estátua do poeta (eu dizia, conto surreal).
Diria que o objetivo deste livro está cumprido, apresenta-nos um bom leque de contos em variados estilos, dando espaço de publicação a vozes literárias, algumas novas, outras em ascendência, outras conhecidas. Por cá, no nosso exíguo meio editorial, este tipo de edição é um dos mais importantes marcos de sobrevivência do fantástico, ao trazer o imaginário de autores portugueses que, por necessidade, são amadores, aos fãs do género.