quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Assim Nasceu Portugal - Por amor a uma mulher


Domingos Amaral (2015). Assim Nasceu Portugal - Por amor a uma mulher. Alfragide: Casa das Letras.

Um olhar para os primórdios de Portugal, sob a perspetiva do romance histórico. Neste livro, somos mergulhados no mundo de intrigas do mundo portucalense, galego, leonês e castelhano, nas lutas entre nobres que viriam a originar a independência do condado que deu origem a Portugal. O grande foco do livro são as tropelias e intrigas levadas a cabo por D. Teresa, mãe de Afonso Henriques, na sua ambiciosa tentativa de, aliada a famílias nobres galegas, criar um reino da Galiza que unisse territórios galegos e portucalenses.

É, também, a história de um jovem Afonso Henriques, filho desprezado, de vontade férrea, que se afirma no meio das intrigas e começa a desenhar a ideia de ser monarca de um território independente, enquanto se perde de amores por uma jovem nobre galega que é entregue para casamento a outro nobre. As complexidades da diplomacia nobiliárquica medieval, com a sua intricada teia de relações familiares onde o casamento é uma arma, forma o corpus principal deste romance ambicioso. Mas, para manter o interesse do leitor, Domingos Amaral junta dois outros ingredientes - a história desafortunada de três mulheres mouras, e um misterioso segredo ligado a relíquias da cristandade. Este elemento soa a colado a cuspo, vai surgindo nalguns capítulos sem que nunca seja deslindado ou passe de alguns indícios, percebe-se que eventualmente poderá ter algo a desempenhar na história, mas neste volume não se percebe bem o que é que está lá a fazer, para lá de colar este romance ao género de mistérios medievalistas. O livro inicia uma trilogia, por isso, resta ler os restantes para perceber se esta linha narrativa se tornou interessante.

A história das desventuras das mouras acaba por ser o ponto mais interessante do romance, permite-lhe ir mais longe do que o relato ficcionado de acontecimentos históricos. Este elemento é totalmente ficcional, mas permite ao livro entrar na cultura árabe e moçárabe da Península, bem como criar algumas situações mais aventurosas, ou escaldantes (digamos que na visão deste romance, os tempos medievais eram muito libertinos). Não por acaso, as três personagens ficcionais - uma mulher duplamente viúva, descendente do último califa de Córdova, e por isso perseguida pelos seus rivais árabes, e as suas duas filhas, são as mais complexas e psicologicamente ricas. Já o retrato das personalidades históricas lê-se como algo de superficial, pouco aprofundado, como figuras de cartão a representar o seu papel histórico. 

O livro é sólido, com uma forte base histórica reveladora de aturada investigação. No entanto, falha um pouco no aspeto histórico, talvez pelo peso do respeito pelos acontecimentos. O romance abre-se mais nos seus aspetos ficcionais, onde é curiosamente mais bem sucedido a despertar o leitor para a complexidade da vida na Ibéria medieval, nas tensões constantes entre a cultura árabe e a cristã.