Irving Finkel (2021). The First Ghosts. Londres: Hodder & Stoughton.
Um mergulho profundo na longevidade das tradições ligadas à morte, que nos leva aos tempos por demasiado tempo esquecidos da Suméria e Assíria. A descoberta, a partir do século XIX, dos vestígios escritos por entre as ruínas que polvilham os países que hoje ficam nos territórios do antigo crescente fértil, revelou-nos civilizações, mas mais do que isso, um profundo humanismo. Os milhares de tabuinhas de barro com inscrições em cuneiforme são na larga maioria dos casos meros documentos administrativos, mas só isso já nos dá uma profunda apreciação daqueles seres humanos que, há milénios, viveram e reclamaram contra clientes e fornecedores.
Saber que um dos textos mais fascinantes da humanidade, o Épico de Gilgamesh, esteve perdido durante milénios (embora tenha deixado algumas marcas na mitologia bíblica), e que está continuamente a ser reconstituído através dos fragmentos cuneiformes que vão sendo descobertos e decifrados, é assombroso. Especialmente ao perceber que os vestígios desse texto - e, como o livro nos mostra, de outras lendas, mitos e histórias, nos chegaram através de auxiliares didáticos. Numa sociedade onde só uns poucos liam e escreviam, a literatura servia para suavizar o ato de aprender a ler e escrever.
Finkel, um dos maiores especialistas nas línguas e cultura assíria e suméria (entre outras vertentes, é especialista nos jogos que divertiam estes nossos muito longínquos antepassados), leva-nos numa viagem de descoberta das tradições e mitos sobre os espíritos. É um mergulho no passado profundo. As visões antigas sobre a morte, o espírito, o destino após a morte são dissecadas em várias vertentes. Se o mito, recordado pelos textos literários ou mitos de divindades, é um dos pilares, o outro pilar são os registos e lista de hábitos e costumes, especialmente das artes divinatórias e exorcistas.
A crença em fantasmas e espíritos atravessa milénios e culturas, como Finkel bem demonstra. Mesmo que as concepções de vida e de pós-morte sejam profundamente diferentes. Os sumérios não tinham o conceito de infernos, essa delirante invenção da mitologia judaico-cristã para assustar as mentes incautas, mas a vida defunta nos seus submundos dependia muito do respeito dos vivos, da forma como estes honravam a memória dos seus mortos. Algo que é tão profundamente humano que nos liga à mais remota antiguidade e os grupos de hominídeos que nos antecederam. E sim, os antigos sumérios e assírios também tinham de lidar com fantasmagorias e aparições, embora não os temessem, os vissem mais como irritações no dia a dia.
A partir do fascínio pela ideia dos espíritos e fantasmas, Irving Finkel traz-nos a sua imensa erudição sobre a vida de culturas há muito extintas, quase esquecidas, soterradas pela poeira dos desertos do médio oriente.