terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Avieiros


Alves Redol (2011). Avieiros. Lisboa: Caminho.

O olhar é etnográfico e intensamente humano. O romance documenta a vida dura dos Avieiros, membros das comunidades piscatórias que viviam à beira-Tejo. Aldeias que hoje são memória histórica, algumas preservadas na museologia tipicista que nos recorda os espaços, de uma forma limpa que mal dá para intuir a gritante dureza da vida de outras pessoas, de outros tempos. Há memória viva destas comunidades, os seus netos ainda vivem nos bairros mais difíceis das vilas e cidades da margem do Tejo, da Azambuja a Alverca. Fugidos da vida dura das pescas nos mares da Vieira de Leiria, estas comunidades fixaram-se nas águas ricas em peixe do Tejo, primeiro de forma sazonal, depois definitiva. Comunidades isoladas, que viviam em pobreza extrema, de integração difícil no tecido social ribatejano, apesar de serem elementos essenciais do ecossistema cultural.

Este clássico do romance neorealista português coloca rostos na história, mostra vidas pulsantes, pessoas que apesar da vida dura e das suas regras e convenções sociais, são humanos que vivem, se apaixonam, lutam e sobrevivem à dureza da vida. Acompanhamos o destino de Olinda, nascida num barco em pleno rio, como era habitual nesta comunidade. Uma mulher que parece escapar-se ao destino da vida no rio, por ser apadrinhada por um casal sem filhos que lhe dá acesso a uma vida diferente. Mas a paixão por um jovem avieiro leva-a a trocar a casa de tijolos da madrinha pela vida nos barcos. Uma vida difícil, feita de dureza, pesca, noites dormidas nas barcaças, filhos perdidos para doenças, a violência exercida sobre membros de uma comunidade marginalizada. Agruras que a jovem irá sempre superar, revelando uma tremenda força interior.

Redol escrevia com conhecimento da comunidade dos avieiros, tendo sido aceite entre estes reservados homens do rio. Apesar do seu visível lado de manifesto contra a pobreza endémica, em parte o intenso realismo do romance serviu para os seus contemporâneos serem forçados a encarar a extrema pobreza e o atraso social português, o que sobressai é o respeito do escritor para com a comunidade que retrata, numa visão de intenso humanismo que documenta vidas, das quais ainda temos memória recente.