quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Shards of Earth


Adrian Tchaikovsky (2021). Shards of Earth. Londres: Orbit.

Há uma terrível irritação neste livro: o ser o início de uma trilogia. É de um desolar profundo chegar ao final desta empolgante aventura com as perguntas que mais nos intrigaram por responder, e saber que se terá de esperar pelo próximo romance da série. Adrian Tchaikovsky brinda-nos com space opera barroca, num universo ficcional vasto, entre o que nos é explicado e o que nos deixa intuir. Um universo onde coexistem diferentes civilizações, que têm um ponto em comum - estão sobre ameaça de uma força desconhecida, que se dedica a refazer planetas habitados em artefactos artísticos.

No universo Final Architecture, a Terra foi destruída por uma destas insondáveis entidades, deixando os humanos numa diáspora contínua numa sucessão de planetas colonizados, alguns melhor, outros pior ajustados à vida. A humanidade vive numa paz inquieta, após um estado de guerra contra as entidades denominadas de arquitetos. Uma guerra em que as mais poderosas armas eram inúteis e apenas conseguiam ganhar algum tempo para evacuação dos sobreviventes. Uma guerra apenas suspensa com a intervenção das capacidades dos pilotos humanos capazes de navegar no sub-espaço que permite viajar fora dos limites relativísticos, cuja consciência desperta a atenção de entidades que reagem perante civilizações com a mesma indiferença que temos com as formigas.

No período de paz que se segue, a humanidade e diferentes civilizações alienígenas coexistem, exercem os seus jogos de poder. Algumas das civilizações são uma ramificação da humana, como as máquinas inteligentes que evoluíram a partir das inteligências artificiais desenvolvidas pelos humanos, ou uma civilização de amazonas do espaço, que se reproduzem por clonagem artificial, e formam uma sociedade de super-soldados exclusivamente feminina. Junte-se a esse caldeirão as diferentes espécies alienígenas, que se relacionam entre si, até mesmo a mais imperialista, uma hegemonia protecionista controlada por alienígenas que são, enfim, profundamente alienígenas.

O aparente reaparecimento das entidades destruidoras vai lançar estas sociedades complexas de equilíbrio frágil num frenesi de medos e jogos políticos. E, no seu centro, vai-se encontrar a tripulação de uma nave decrépita, que se dedica a trabalhos no limiar da legalidade. Tudo graças ao seu piloto, um relutante veterano que foi dos poucos cuja mente conseguiu tocar numa das entidades, e despertar a sua atenção. Estará nas suas mãos, novamente, o destino da humanidade. Mas também terá, junto com os companheiros, de sobreviver a uma sucessão imparável de intrigas e jogos de poder, porque todos os grandes poderes querem controlar o homem que é capaz de travar a destruição. E que, também, acabará por perceber que a propensão das entidades para esculpir mundos habitados em elaboradas obras estéticas (há laivos de Galactus nesta ideia) é em si uma missão, que lhes é imposta por poderes ainda mais tremendos.

O palco é vasto, as possibilidades enormes. Tchaikovsky não as desperdiça, entretecendo uma história complexa que se revela de forma progressiva. Tão complexa que, nos primeiros capítulos, a sensação de sobrecarga é tremenda, pela quantidade de ideias e imagens a que somos submetidos. Tchaikovsky não faz concessões, é dos poucos autores contemporâneos de FC que não teme alienar o leitor com textos de acesso difícil, mas que se entranham graças ao fascínio que a complexidade das suas ideias exerce. Há ainda a notar que este escritor é dos poucos que consegue invocar alienígenas profundamente alienígenas, em que apesar das interrelações, a incapacidade de compreensão mútua profunda entre civilizações é uma constante. Este é um livro divertido, humano na forma como estrutura as relações de amizade e camaradarismo entre as principais personagens, vasto no seu mundo ficcional, e intrigante por tudo o que nos deixa intuir mas não revela. Space opera, a mostrar o melhor que este género consegue.