Paulo Moura (2021). Cidades do Sol. Lisboa: Objectiva.
Cruzei-me com este livro através das sugestões de leitura do Rogério Ribeiro no painel das leituras do ano. Fiquei seduzido pelo lado de busca de utopias, mas também por algo que foi observado pela forma perceptiva como o livro nos mergulha nas sociedades que visita. É literatura de viagens, mas não daquela que elenca locais pitorescos e instagramáveis, ou se foca nos roteiros e percursos. Paulo Moura partiu em viagem pela ásia em busca de uma questão profundamente humanista. Numa zona do planeta que associamos a futurismo instantâneo, entre o exotismo das suas raízes tradicionais, os focos de desenvolvimento tecnológico de ponta, e o crescimento urbano em arquitetura ultra-moderna, quais serão as aspirações da classe média, uma imensa massa humana que, pela primeira vez na história, está a ter acesso a um estilo de vida que nós, no ocidente, consideramos o normal e desejável.
As respostas constroem-se a partir de um mosaico de percepções. Em parte, das observações da vida nas ruas, onde o autor mergulha com gosto, dos fragmentos de conversa com as pessoas comuns. Outras, advém de entrevistas com intelectuais, artistas ou ativistas. O tom leve do livro oculta um enorme trabalho de pesquisa e busca das pessoas com quem falar. O seu périplo, que nos leva quer aos becos imundos de Jakarta ou Manila, aos deprimentes urbanismos chineses, às ruas perfeitas de Seoul ou ao melting pot de Hong Kong, não é um divagar geográfico mas uma busca metódica por pessoas específicas, cujos pensamentos e intuições lhe permitam responder à questão que o lançou na estrada.
Há uma resposta, mas é desmoralizadora. A visão da realidade, as notas das inúmeras conversas, apontam para que as novas e influentes classes médias não partilhem do interesse pela elevação cultural e pessoal que nós, no ocidente, consideramos o desejável. As massas, e, pelas descrições do autor, percebemos que são realmente massas humanas, têm o materialismo como interesse essencial. No fundo, algo expectável, são pessoas que descenderam da extrema pobreza, que vivem em países onde muitos ainda ficam presos a formas de vida milenares. Para estes, os deprimentes espaços urbanos das cidades são locais de sonho; os empregos mal pagos e com condições de trabalho inaceitáveis pelos padrões humanistas são desejáveis, porque lhes dão o dinheiro para aceder aos símbolos da sociedade de consumo, aos telemóveis, roupas e automóveis. A utopia não é um sonho de perfeição e transcendência, mas sim trabalhar horas infindas para ter bens. E cultura não significa a tradição literária global, mas sim o imediatismo da internet.
Talvez esta visão não seja assim tão surpreendente, e nós, habitantes de um país periférico da Europa cujas massas (bem mais pequenas que as moles humanas asiáticas) saíram muito recentemente das espirais de pobreza endémica para o mundo modernos, talvez não sejamos muito diferentes daqueles que, por lá, estão agora a aceder aos adereços da modernidade. Esta visão algo deprimente, de uma utopia que não se coaduna com a nossa visão dos futuros desejáveis, levanta questões. Sociais, políticas, e ambientais - há um custo tremendo para o planeta para os estilos de vida consumista que representam o sonho de milhares de milhões de pessoas.
Para lá do fio condutor, da busca de resposta aos conceitos de utopia na zona do planeta que associamos à hipermodernidade contemporânea, há as visões e perceções de um viajante experimentado, que nos dão vislumbres sobre a realidade da vida no extremo oriente. Pelas palavras de um livro, daqueles que são de leitura compulsiva, sentimos o pulsar das gentes e das ruas das metrópoles, as contradições entre tradição e modernidade, a sensação da geografia.