Jorge Borbinha, et al (2021). Na Imensidão do Universo. Barcarena: Editorial Divergência.
Por vezes, apenas precisamos de uma boa história. De um toque de espanto e sentimento de aventura. Nem sempre a Ficção Científica tem de nos provocar e desafiar. Ainda bem que o faz, mas também é bom regressar às suas raízes. Estes nove contos levam-nos, sem nostalgias, com sentido crítico, aventura e algum humor, ao lado mais elementar da FC. Reunindo autores que mostram a diversidade nacional e europeia das novas vozes do género, mergulham-nos na essência tecnológica dos universo do fantástico. Recordam-nos que na fronteira final, a ficção científica sempre se atreveu a ir até onde mais ninguém foi, anteriormente.
Espaço Negro, Jorge Borbinha: no espaço profundo, a tripulação de uma nave que acode a um pedido de socorro depara-se com um horror mortífero, numa nave deserta. O tom crescente de terror, sem redenção, dá uma dimensão interessante a esta história que parte da space opera clássica para explorar narrativas mais tenebrosas. É o clássico conto monstro no espaço, mas bem contado.
Criadores, Tomáš Petrásek: A humanidade espalha-se pelo espaço graças a uma rede de buracos-verme que são atalhos na imensidão do universo. Mas qual será a origem destas impossibilidades físicas? Natural, ou criados por civilizações avançadas, extintas ou que transcenderam? Um físico embarca numa nave, em busca de resposta a estas questões.
Finanças Cósmicas, AMP Rodriguez: Fiquei com a sensação que a autora não é grande fã do deslumbre contemporâneo com as supostas capacidades milagrosas da inteligência artificial. I can relate. O conto em si tem o seu quê de wine punk, no sentido em que imagina um hipotético império luso no sistema solar, mas não nos melhores sítios. A história em si, contada pelo olhar de um contabilista, fala-nos da busca da humanidade por máquinas inteligentes, que transcendem a condição robótica incorporando elementos biológicos.
O Último Voo de Artemis, João Nobre: Às vezes, o que queremos da Ficção Científica é isto. Uma boa e divertida história, com um sólido world building, que não pretende ser mais do que uma aventura no espaço. Nem toda a FC tem de ser especulação erudita, e este conto com um toque old school toca na simplicidade do sentido de aventura. Mas é mais do que uma simples história, o mundo ficcional está muito bem construído e a prosa torna-o tangível à mente do leitor.
Da Máquina Humana, Pedro Lucas Martins: Uma premissa fascinante. E se a humanidade fosse uma criação artificial, gerada por civilizações superiores como elemento de produção de algo valioso? Num universo sem ideias, é a constante criatividade humana um filão lucrativo. Um conto com toques de Shikasta, algo prejudicado por uma certa tendência para o discurso do juízo de valor.
O Pavilhão de Gemini, Lucie Lukacovicova: Personalidades que se dividem em corpos duplicados artificiais, num conto que nos chega da República Checa.
Fim do Mundo, João Oliveira: Apesar de bem conseguida, senti que esta história era um pouco longa demais, tendo em conta que logo nos primeiros parágrafos se percebe o seu tema e por onde vai. O mergulho no tema das naves geracionais é profundo, e se a abordagem do autor não é nova, com o seu foco numa sociedade isolada que acredita que o mundo restrito onde vive é único, porque foi o que sempre conheceu, e degenerou socialmente, não deixa de ser interessante. A história guia-nos por um presente de inspiração medievalista onde quem questiona os dogmas sociais arrisca a morte, e um passado apocalíptico onde a nave geracional é a esperança de sobrevivência da humanidade num planeta à beira da guerra terminal. Apesar de longo, um conto interessante.
Tornar-se, Julie Novakova: Outro conceito interessante. E se fosse possível transferir a consciência e personalidade de uma pessoa paralisada para um sistema artificial? E se esse sistema fosse toda uma estação espacial? Nesta história, uma jovem é arrancada ao seu corpo artificial, toda uma estação orbital, com as diferentes perceções sensoriais que isso acarreta, para ser devolvida a um corpo humano por médicos benevolentes, mas que não compreendem que estão a encerrar a jovem numa prisão de carne. No entanto, quando uma presença alienígena se manifesta no sistema solar, e nenhuma tentativa de contacto por humanos ou inteligências artificiais é bem sucedida, resta uma experiência fora da caixa: devolver a consciência da jovem ao cérebro de uma nave espacial, esperando que as suas perceções diferenciadas consigam decifrar o puzzle da presença alienígena.
Tellus Uma História de Liberdade, Sara Athouguia: Há um quê de fantasia adolescente neste conto que encerra a antologia. A narrativa não é das mais elaboradas, e a premissa bastante elementar e binária. Com a Terra sob égide de um governo totalitário, aqueles raros que ainda ousam pensar diferente são exilados para prisões no espaço. Mas estas são antigas naves de combate inativas, e um grupo de prisioneiros que mantém viva a esperança de liberdade tenta o impossível. Há muito de juvenilia ingénua neste conto, mas a mostrar uma voz literária com espaço para crescer.