quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Burn-In


P.W. Singer, August Cole (2020). Burn-In. Nova Iorque: Houghton Mifflin Harcourt.

Os livros de especulação futurista de curto prazo em que P.W. Singer se envolve são construídos com propósitos didáticos, uma forma de falar dos impactos das tecnologias de forma não académica, especulando e mostrando prováveis consequências futuras de tendências que hoje se começam a formar. Ghost Fleet centrava-se em cenários de guerra futura, especificamente nas capacidades trazidas pelo digital, que podem tornar possível a derrota de uma potência militar mais forte por inimigos mais fracos através da inutilização e comprometimento dos meios informáticos de que dependem os armamentos avançados. Nunca a derrota total, porque estes livros são escritos por americanos e, como bons patriotas que são, a américa ameaçada acaba sempre por dar a volta por cima nestas histórias. 

Burn In olha para as tendências em robótica, automação e inteligência artificial. Imagina um futuro próximo muito plausível (se se confirmarem as tendências dos analistas), onde robots e algoritmos fazem parte do dia a dia, são elementos nos diversos níveis da economia, tudo sustentado por uma interligação pervasiva em redes de alta capacidade. Um futuro que deixa muitos para trás, com a economia a automatizar-se, os empregos para humanos estão ameaçados. É aqui que reside o cerne o livro, a tensão entre automação e empregabilidade, entre a tecnologia e o social. 

O livro foca-se numa conspiração, levada a cabo aparentemente por ludditas e descontentes, que geram uma série de atentados terroristas não da maneira tradicional, fazendo-se explodir em locais públicos, mas comprometendo sistemas infraestruturais. Desligando sistemas de controlo de caudais em rios, ou intencionalente enganando sistemas de controle ferroviário para provocar acidentes com comboios automáticos que transportam químicos perigosos. Singer olha para a ciber-guerra, mas também para os nacionalismos de extrema direita, os instrumentos que nascidos do descontentamento social com uma modernidade que deixa muitos para trás, e cuja violência pode ser instrumentalizada por políticos com sede de poder (ou, no caso do livro, estes próprios instrumentalizados por bilionários tecnológicos que querem mudar o mundo para aceitar as mudanças trazidas pela tecnologia que desenvolvem, empurrando-o na direção oposta).

Estas últimas frases quase parecem uma descrição da política atual, não parecem? Notem que o livro é de especulação de curto prazo. Cai dentro da ficção científica como categorização, mas o seu propósito é diferente, a narrativa serve pressupostos meramente didáticos. P.W. Singer é o analista que constrói a sequência de ideias, August Cole o escritor encarregue de, digamos, encher o chouriço literário. 

Acompanhamos uma agente do FBI a quem é distribuída uma tarefa pouco invejável: testar no terreno um protótipo de robot autónomo avançado, bípede e capaz de se movimentar com fluidez nos espaços reais. A sua tarefa é a de analisar as capacidades dos robots, bem como de treinar o seu algoritmo nas interações com humanos. Isto, enquanto gere a sua vida pessoal cada vez mais tensa  na relação com o marido que, apesar de doutorado, se encontra desempregado por ter sido substituído por inteligências artificiais e ganha a vida imerso em realidade virtual. Mas o que parece uma história de polícia relutante a treinar o seu futuro substituto robótico depressa evolui para uma aventura conspirativa, onde a parceria humano-robot se vai revelar decisiva para travar as ameaças. 

Como história, Burn-In é pouco mais do que policial procedimental, cheio dos seus estereótipos, cruzando com ficção especulativa sobre robótica. Onde é interessante, e rico, é na especulação informada sobre futuras capacidades e impactos sociais das tecnologias que hoje estamos a começar a ver sair dos centros de investigação e a chegar à economia e sociedade.