Joaquim Fernandes (2021). Apocalipses: Os Vários Fins do Mundo da História de Portugal. Lisboa: Contraponto.
Joaquim Fernandes é um historiador algo atípico, dado o seu interesse por pormenores pícaros, curiosos, ou ocultos da história. Ocultos não no sentido de teorias da conspiração ou patacoadas similares, mas da sua relação com imaginários míticos ou fantásticos. É nesta vertente que este livro se insere, como coleção de histórias da história portuguesa que lidam com o imaginário do nefasto.
Portugal e o mundo têm-se revelado bastante resilientes aos fins do mundo anunciados. Fernandes colige neste livro alguns momentos apocalípticos: os medos trazidos pela passagem de cometas, geralmente precedidos de visões funestas de iminente catástrofe; raros fenómenos atmosféricos que atemorizaram, seguidos de (é um padrão) inúmeras vidências catastrofistas; cultos messiânicos (quem diria que por cá, mulheres a apregoar que o seu parto tinha sido virgem, os seus bebés claramente novos messias, e fundar aí cultos e seitas, foi uma espécie de moda cíclica nos séculos passados); medos trazidos por tumultos políticos e sociais; ou, mais recentemente, medos mediáticos - o episódio da histeria provocada pela transmissão da Guerra dos Mundos por Matos Maia é muito bem detalhado neste livro.
O livro em si é algo desconexo, não se percebe se o historiador agregou as suas divertidas histórias de medos de forma cronológica ou temática, vai saltitando entre épocas e temas. Fica-se com a sensação de ser uma coleção de notas, agregadas por um tema comum. Mas não deixa de ser uma intrigante leitura, que nos mostra a capacidade humana para efabular face ao desconhecido, e a sua propensão para gerar pesadelos imaginários, que tanto podem ser medos legítimos como exploração de medo e sentimentos por pessoas com menos escrúpulos.
No livro, há um pormenor especialmente delicioso, o de uma fábrica de sapatos que anuncia o fim da I guerra para 1917, baseado num suposto disparo de vendas por parte de pessoas que iam fazer turismo para os escombros do Front ocidental. É destas pequenas histórias que a tese da obra se constrói. O livro em si é menos apocalíptico do que anuncia, as suas histórias são mais de medos, alguns aproveitamentos, e visões angustiantes perante a natureza ou os acontecimentos do mundo, do que reais apregoares de fins do mundo.