terça-feira, 20 de abril de 2021

Pessoa, Profundo.

 Ceifeira

Mas não, é abstracta, é uma ave

De som volteando no ar do ar,

E a alma canta sem entrave

Pois que o canto é que faz cantar.

E se... pensei. Ultimamente, tenho andado fascinado com o potencial do Deep Daze, uma implementação que simplifica o acesso a um algoritmo que cruza as valências do CLIP e SIREN. Sem querer entrar em muitos detalhes, porque ainda não os compreendo o suficiente, podemos dar ao algoritmo texto, que irá interpretar como imagem. Parte do fascínio é descobrir como, ao fim de alguns ciclos de reforço, o algoritmo começa a gerar imagens apelativas e surreais (outras vezes, nem por isso), bem como o desafio de congeminar frases-chave intrigantes, não muito longas, há um limite de carateres. 

Daí o e se. Nada como mergulhar na poesia para encontrar frases intrigantes e desafiantes, que geram resultados surpreendentes. E porque não, dar ao algoritmo poemas para interpretar? E porque não, usar um poema de Fernando Pessoa? Veio daqui esta brincadeira. Escolhi um poema muito curto, para acelerar a experiência - este tipo de processamento com inteligência artificial pode demorar horas, um poema longo demoraria dias até finalizar a experiência. Talvez o faça, num destes dias. E já traduzido para inglês - estes algoritmos não foram treinados com dados linguísticos em português (mas, já que penso nisso, terei de experimentar). Depois, foi deixar correr e apreciar os resultados. Ao fim de cerca de 200 ciclos de reforço, parei e guardei a última imagem gerada para cada verso.

Que, confesso, me surpreenderam mais do que esperava, especialmente o do terceiro verso. A ironia é que não sendo particularmente fã de poesia, talvez o experimentá-la como faísca para inteligência artificial me leve a apreciar mais o género?

Tl;dr: só porque sim, usei versos de Pessoa como indicador para uma ferramenta de inteligência artificial gerar imagens. Podem experimentar aqui, na sua forma simplificada: Google Colab: Deep Daze.

(Implicações algo arrepiantes para o futuro do emprego na era da inteligência artificial - mesmo o emprego criativo, daquelas áreas que julgamos imunes aos algoritmos e robots: se um mero professorzito de meninos do ensino básico se apercebe que este tipo de ferramentas dá para gerar ilustrações interessantes, suspeito que alguém com mais faro para o dinheiro se aperceba que esta é uma excelente maneira de cortar custos. Imaginem um jornal ou revista, a perceber que já não precisa de contratar ilustradores, porque pode usar ferramentas deste género para automatizar a geração de ilustrações para os seus artigos.)