Irene Vallejo (2019). El infinito en un junco. Madrid: Siruela.
Um longo ensaio sobre a história do alfabeto, que é em si uma declaração de amor à literatura. Vallejo leva-nos às origens da leitura e escrita, focando-se em dois grandes polos - Grécia e Roma. Não que ignore as civilizações que as antecederam. O livro debruça-se também sobre o Egito, a Mesopotâmia e, inevitavelmente, a Fenícia. Mas se da Mesopotâmia herdámos os primeiros sistemas de escrita, do Egito o papiro, e da Fenícia a simplificação das linguagens ideogramáticas para a simbologia fonética, não herdámos deles muito que nos apaixone, em termos literários. Tabuinhas de barro com contabilidade e papiros administrativos dizem-nos algo sobre esses antigos povos, mas pouco sobre os homens e mulheres que eram. Restam poucos textos literários, a maioria eram utilitários, a escrita era uma ferramenta. Talvez as exceções sejam os mitos egípcios, o Épico de Gilgamesh ou as orações gravadas nas tumbas ou em tabuinhas de barro. Mas falta, nestes longos primórdios, duas das vertentes que sustentam o nosso uso das letras: a busca pelo conhecimento, e a transmissão do sentimento individual.
Não é por acaso que Irene Vallejo começa o livro em Alexandria, esse sonho da Antiguidade Clássica de guardar uma cópia de todo o conhecimento. Mostra-nos que se as letras podem ser utilitárias, se tornam verdadeiramente úteis quando nos ajudam a aprofundar e a desbravar as fronteiras do saber. Alexandria e a sua biblioteca de fim lendariamente triste é o símbolo máximo disso, mas não o único. É aqui que somos levados a conhecer uma das maiores dádivas da Grécia Antiga ao mundo. Não, não falamos da democracia, mas do contar histórias, e especialmente de a fixar em linguagem escrita. Se ainda hoje os mitos gregos nos fascinam, os textos milenares nos apaixonam e as peças clássicas nos tocam, isso deveu-se a um povo que transpôs as tradições orais para a escrita. Perdeu-se a diversidade e a teatralidade da oralidade, mas ganhou-se a intemporalidade.
Através das histórias que nos contam, conhecemos os contadores. É esta, de acordo com a autora, outra grande dádiva grega: o abrir ao mundo do interior do indivíduo. Com a leitura e escrita, os pensamentos, sensações e opiniões ficam registados. Milénios depois, ainda nos comovemos com os fragmentos que nos chegaram das palavras, escritas por homens e mulheres de um passado distante, mas com os quais conseguimos sentir empatia. A palavra escrita é um laço que une os milénios.
Dos romanos, temos outras dádivas. Algumas muito práticas, como a criação de formatos de leitura mais eficazes do que os rolos de papiro. Uma língua unificadora, e vibrantes panoramas culturais (embora maioritariamente masculinos). O gosto pelo ler, pelo aprender e transmitir conhecimento. Mas, essencialmente, a preservação da cultura grega. Um dos raros casos em que os conquistados dominaram os conquistadores, embora a autora demonstre que Roma evoluiu para uma voz própria, apesar da enorme reverência à tradição grega.
Este é também um livro muito pessoal, a autora vai polvilhando as suas análises históricas com elementos da sua própria experiência de vida, das suas desventuras nas biblioteca de Cambridge à memória da avó que lhe contava histórias. Porque afinal ler é mesmo isso, é participar numa discussão intemporal em que as palavras transmitem ideias ao longo dos tempos. Mais do que ideias, transmitem sensações, preservam para as pessoas do futuro um pouco da personalidade daqueles que escrevem.