Há que agradecer ao Ricardo Lourenço, mentor do fundamental projeto Adamastor, ter encontrado e partilhado esta pérola. Que não consigo perceber se é relato jornalístico fantasiado, ou pura literatura de cordel à portuguesa. A história é simples, e recorda-nos o profundo obscurantismo em que o Portugal dos princípios do século XX vivia. Quando a esposa de um agricultor começa a ser acometida por pesadelos e visões do demónio, teme-se a possessão. E quando a intervenção da amiga sabida nas rezas e mezinhas não resolve o problema, a família recorre a um bruxo. Cujas recitações do Livro de S. Cipriano, acompanhadas de fumos e rezas exorcizantes, não surtem nenhum efeito. Despeitado, o bruxo convence-se que só a morte da amiga da mulher demente resolverá a possessão. E com isso, uma turba de aldeões mata-a e queima-a na praça da vila, acreditando piamente que iria renascer das cinzas. Apenas a voz do padre da aldeia, que recomenda visitas ao médico e não aos charlatães da feitiçaria, é a de bom senso. Histórias tétrica e obscurantista, na colisão entre as tradições arreigadas e uma modernidade que tardou a chegar, contada num estilo narrativo a puxar à emoção e sensação. Estará talvez no cruzamento entre narrativa sensacionalista, apontamento jornalístico, e conto de horror. Como o sempre erudito Paulo Morgado apontou, foi este crime que inspirou a obra O Crime de Aldeia Velha de Bernardo Santareno. Disponível na página da Biblioteca Nacional: A »mulher queimada viva pelos feiticeiros de Soalhães : «o »mais horrivel crime do século XX, sucedido no Concelho de Marco de Canavezes / Travassos Hipolito.