quarta-feira, 8 de julho de 2020

Um Gosto a Céu no Lago do Breu


Tenho uma certa tentação de classificar este conto de João Barreiros como algo atípico. Não contém destruições da cidade de Lisboa, bombas neuróticas ou extermínios com extremo prejuízo. Não é um conto puro de Ficção Científica. Mas também não teria do ser, e bastam os primeiros parágrafos para perceber que é puro Barreiros. Está lá a sua linguagem escatológica, cheia de imagens revoltantes, que se compraz em chocar sensibilidades. Está lá o absurdismo do desespero, sem redenções nem finais felizes.

Ler um conto de Barreiros sobre uma descida aos infernos parece atípico. Mesmo que essa descida tenha laivos de Moby Dick em cruzamento obsceno com o Auto da Barca. Mesmo que inclua potestades demoníacas que usam a carne de leviatãs para purificar a carne dos anjos e, devorando-os, consigam um vislumbre da pureza celestial, como a demanda abjeta pelos instantes de felicidade trazidos pelo consumo de uma droga. Apesar do autor nos dar logo uma pista autobiográfica na figura de um professor de filosofia que após morte súbita, se vê levado aos infernos em que não acredita como castigo pela sua incredulidade.

Mais próximo de uma fantasia muito negra do que da ficção científica, Barreiros dá-nos um conto à sua medida. Negro, provocador, indiferente a sensibilidades finas. O conto foi publicado no âmbito do projeto de investigação Alimentopia, focado na relação entre comida, saúde e ficção científica, o que explica o forte pendor gastronómico deste conto. Pode ser lido online nos repositórios da FLUP:  https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/127185.