segunda-feira, 8 de junho de 2020

Sally


Jorge Candeias (2001). Sally. Lisboa: Edições Colibri/Câmara Municipal de Portimão.

Tive sorte. O mentor da rede leiturtugas e autor deste livro aplicou um algoritmo aleatório e calhou-lhe o meu número. E ainda bem, para mim, que ando bastante atrasado no compromisso de reforçar a leitura de literatura fantástica em português. Bem, na verdade, efeitos secundários da pandemia e teletrabalho, ando atrasado na leitura de qualquer tipo de género. Mesmo banda desenhada. Até, mesmo, revistas de banda desenhada. Lamúrias à parte, foi uma boa surpresa receber este livro, e ler a dedicatória, que me colocou de sobreaviso: eu não iria gostar da leitura. Duvidei, porque sei que o Candeias escreve e muito bem, mas as primeiras páginas até pareciam ir confirmar a suspeita do autor.

Começa com um algo improvável cenário de saloon Western, com um homem a ficar de beiço caído por uma proverbial femme fatale para o coração. Mas à medida que a atração se desenrola, num jogo de afastamentos que deixa o homem progressivamente obcecado, o ambiente da história vai-se metamorfoseando. Mal se dá por isso, mas eventualmente nota-se que somos levados da iconografia Western para coisas mais urbana. Leitores atentos do fantástico sabem que caminhos isto leva. Ou é alucinação, ou conto onírico, ou mergulho no virtual. No entanto, apesar do desfecho ser previsível, somos mesmo muito bem conduzidos enquanto leitores. A história é interessante, o final surpreende com aquela clássica técnica da FC de trocar as voltas ao leitor. O estilo narrativo começa como perfeito pastiche do Western pulp, e acaba em pura FC. E a temática de obsessão com o virtual é mesmo uma das minhas cenas. Por isso, lamento a desilusão, mas a leitura  agradou e muito.

Já agora, aquele "chama-me Al" é alguma referência à canção de Paul Simon? É que o raio da melodia não me sai do ouvido mental desde que li a frase.