Álvaro Cunhal, Susana Matos (2018). O Burro Tinha Razão. Lisboa: Página a Página.
Se ainda se surpreenderem com o autor desta história infantil, é de sublinhar que além de ser uma figura histórica da política portuguesa, Álvaro Cunhal manteve uma discreta veia de escritor. Mas não foi a história, para crianças, que me fez pegar neste livro. O que lhe dá vida, e um ar mais próximo da nossa contemporaneidade, são as ilustrações. O traço da ilustradora dá ao conto algo moralista uma dimensão de ternura infantil que não transparece nas palavras. Algumas destas imagens são assombrosas, mergulham-nos mesmo no mundo interior da criança, que como todas as crianças, quer fugir de fazer o trabalho de casa. Recordo o imaginário da professora, figura grotesca e ameaçadora, a escala assimétrica entre o mundo da criança e o da mãe, sublinhando que os pequeninos são realmente pequenos, ou as engrenagens do desafiante cálculo matemático. Graças à ilustração, este pequeno conto ganha dimensões que vão muito para lá de história didático-moralista com toques ideológicos discretos (que, se não estivessem presentes, isso sim seria surpreendente), tornando-se encantador.
