terça-feira, 18 de fevereiro de 2020
Como uma Luva de Veludo Forjada em Ferro
Daniel Clowes (2019). Como uma Luva de Veludo Forjada em Ferro. Lisboa: Levoir.
Ter este livro editado em português tem o seu quê arqueologia da banda desenhada. Isto é um verdadeiro blast from the past, trazendo a memória de um estilo gráfico e temático muito típico dos anos 90. Mergulhar neste livro é recordar uma contra cultura independente e austera na sua elegância. É também uma viagem surreal, entre neuroses e psicoses que se manifestam quer nas bizarrias dos personagens quer na estranheza de algumas situações. O ambiente é de solidão nos desertos do urbanismo suburbano, a estética das cidades sem história e dos seus habitantes condenados a vidas sem saída. O reflexo negro da estética luminosa da celebração americana da vida nas pequenas cidades.
É neste cenário que mergulhamos numa história de profunda bizarria psicosexual, onde a visão de uma mulher num filme pornografico leva um homem à sua busca. Uma viagem por paisagens de desolação urbana, cruzamento com habitantes que vivem no estrito cumprimento das pulsões trazidas pelas suas neuroses. Talvez a comparação mais próxima que permita perceber o tom deste trabalho de Daniel Clowes é com obra de David Lynch. Não a compreensível, tipo Twin Peaks, mas a bizarria violenta de Eraserhead ou Lost Highway. O tom, urbano-depressivo, negro e surreal, é muito similar.
Apesar de apreciar a leitura, fico com a sensação que a relevância da sua edição passa mais pelo disponibilizar em língua portuguesa de uma obra clássica dos comics independentes, do que por uma importância cultural mais profunda. A verdade é que esta estética, apesar de marcante, teve a sua época. Não deixa de ser relevante, mas já não tem a importância que teria se editada nos anos 90. Mas, nessa altura, a edição de banda desenhada por cá não andava pelo seu melhor momento.