quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020
Choke Gasp! the Best of 75 Years of EC Comics
Harvey Kurtzman, et al (2019). Choke Gasp! the Best of 75 Years of EC Comics. Milwaukie: Dark Horse Comics.
Lendo esta compilação de algumas das melhores histórias publicadas nas revistas icónicas da EC Comics, não é difícil de perceber porque é que esta editora foi parar ao centro de um pânico moral. A história é bem conhecida dos fãs do género. Nos anos 50, surgiu uma preocupação desmedida com os efeitos perniciosos que a leitura de histórias de banda desenhada teria sobre a mente das crianças. Que levou a indústria a voluntariamente sanitizar as suas edições, adotando um código de conduta policiado pela Comics Code Authority (na verdade, uma associação de editoras), garantindo que as bandas desenhadas não continham material violento ou pruriente. Os efeitos reais desta medida foram a total infantilização dos comics, a extinção de diversas vertentes do género para se ficar com os super-heróis, teenage romance (como a Archie Comics) ou piadas com animais antropomórficos (pensem Disney). O género horror quase se extinguiu.
Não deixou de haver edição de BD com temas mais polémicos. A Warren Publishing explorou muito bem o filão do horror com títulos clássicos, que usavam um formato de página diferente para escapar à Comics Code Authority. Ou o humor mordaz da Mad Magazine. Mas os comics mantiveram-se num marasmo que só começou a terminar nos anos 90, com as editoras a arriscar apostar em maior profundidade e diversidade, para lá do simplismo dos super heróis clássicos. Já a EC não sobreviveu.
A estética da EC, que diga-se, foi muito replicada mas mal imitada pelos seus concorrentes, esteve no centro das cruzadas lideradas por William Gaines, um psicólogo de capacidade duvidosa que encontrou no pânico moral anti-comics uma oportunidade de carreira. E não lhe foi difícil usar a violência macabra do horror da EC para agitar a opinião pública, que se assustou quando percebeu que as criancinhas estavam a ler bandas desenhadas cheias de cabeças decepadas, monstros deformados, facínoras que sofrem punições irónicas, ou relatos de combate que em vez de mostrar uma visão heróica da guerra, a mostravam como violenta, inútil e devoradora de homens. Os argumentos foram essencialmente aqueles que ouvimos sempre que há pânicos morais com criações culturais e novos media: o efeito negativo sobre o cérebro das crianças e adolescentes destes conteúdos. Soa familiar? É o que se diz hoje dos smartphones, ou se dizia dos videojogos.
Reunidos neste volume estão algumas das melhores histórias da curta mas fulgurante EC. Colige contos retirados de vários dos seus títulos clássicos, entre o terror, a ficção científica, o crime e a guerra. A sua linha condutora é o atrevimento em ir mais além. O horror é visceral e tétrico, o crime mórbido, violento e irónico. A guerra é sangrenta e desoladora. E a ficção científica é inteligente, embora mescle elementos de crime e horror. Para lá dos argumentos excelentes, há o estilo icónico de ilustradores como John Severin, Alex Toth ou Jack Williamson. Ou seja, não são só as histórias, é a mestria estética do grafismo.
Por entre as histórias da antologia, podemos encontrar pérolas como adaptações de contos de Ray Bradbury, ou a pérola que é Master Race, uma à época polémica história sobre o holocausto. Não admira que a EC tivesse sido queimada no fogo carreirista do pânico de Gaines. Atrevia-se a dar a ler histórias sobre futuros fantásticos, deliciar o leitor com horror macabro, ou recordar os horrores reais da História, sem paninhos quentes. Ao contrário de muito do que foi publicado pelos concorrentes, e dos comics clássicos, o trabalho desenvolvido sob a égide da EC aguenta o teste do tempo, lê-se hoje ainda como refrescante, intrigante e provocador.