quarta-feira, 16 de março de 2016

Quando fores mãe, vais ver



Ana Saragoça (2013). Quando fores mãe, vais ver. Lisboa: Editorial Planeta.

Este é um livro muito anómalo para me cruzar o radar. Não tem jetpacks nem rayguns, não especula sobre o que poderia ou poderá ser. Mas tem humor, muito e simpático, saído da banalidade do espaço das relações humanas, essa zona de normalidade estatística que vista isoladamente, reduzida às unidades, nos fascina pelos universos que revela.

O deste livro de Ana Saragoça não é tanto o das mães como o dos filhos. Enquanto lemos as inúmeras idiossincrasias, traços de personalidade e choques entre maneiras de ver o mundo, remetemo-nos à nossa própria infância e adolescência. Todas as mães nos fizeram o que a protagonista deste livro fez. A má notícia é que com a idade as coisas não suavizam e mesmo quando adultos levamos com a inflexibilidade da sabedoria maternal. Haja paciência, penso eu quando almoço com a minha mãe e ela repara inevitavelmente na quantidade inadequada de comida que devorei, na acidez com que tenta desmontar a combinação barba-cabelo, que quem me conhece sabe que é farta. Ou a tendência para a televisão estar sintonizada no canal de jornalismo mais amarelo, e um crime de faca e alguidar ser mais digno de atenção do que uma notícia verdadeiramente catastrofista sobre uma lei cinzenta que nos prejudica a todos.

Estão a ver? Este é daqueles livros onde a leitura nos leva inevitavelmente para a introspecção. Felizmente, com um sorriso.

O bom humor surge empacotado numa prosa prática mas elegante, directa. A estrutura do livro faz lembrar um blogue, pela fragmentação episódica organizada por temas. Termina com uma nota reflexiva, sobre as duras condições de vida em que nasceram e viveram as mães que criaram a geração de Ana Saragoça, que ajudam a explicar estas idiossincrasias, mas nos mostram o quanto evoluímos em condições sociais durante a segunda metade do século XX, e a sua fragilidade, tão perceptível nos tempos que correm, em que a palavra de ordem parece ser a necessidade de regressão do progressismo social em nome de uma estranha ideia de eficácia e crescimento, que assegura a prosperidade de uns a partir da degradação do bem comum. Quem diz a geração da escritora diz a minha, sensivelmente a mesma, dando ou tirando uma década ou menos. A minha mãe também fez parte dessa geração para quem a escolaridade não passou da quarta classe (tirada já em adulta) que veio do campo para a cidade, para quem o trabalho foi realidade desde cedo e a estabilidade uma grande conquista.

Não sendo pai, dificilmente terei usado as coloridas expressões que também ouvi e certamente prometi a mim mesmo não as usar quando fosse crescido. Aposto, no entanto, que na minha sala de aula já devo ter resolvido algumas situações com um porque sim ou ai se eu vou aí. Que querem? São vírus linguísticos que se entranham.