terça-feira, 1 de setembro de 2015

Finches of Mars

 
Brian Aldiss (2015). Finches of Mars. Nova Iorque: Open Road.

A acreditar no que se lê sobre este livro, é com esta vénia que Brian Aldiss despede-se da ficção científica. E que vénia. Finches of Mars é FC depurada, mais próxima do experimentalismo literário legado ao género pela New Wave do que da rígida estrutura narrativa entre aventura e infodump que caracteriza a maior parte desta literatura. O enredo é traçado com grandes pinceladas, sem mergulhar em pormenorizações. Se este livro fosse um quadro, seria uma obra impressionista. Ou uma paisagem abstracta de De Stäel. O todo está lá, mas quando nos aproximamos para contemplar os pormenores esfumam-se nas pinceladas largas.

Fugindo aos pressupostos do que deve ser um romance de FC, assemelha-se a um rascunho estrutural que, nas mãos de outros escritores, daria material para uma infindável série de múltiplos livros que explorariam até à exaustão os inúmeros caminho que Aldiss expressa.  A tentação de escreve escritores menores que Aldiss é grande, mas seria incorrecto. Grandes escritores de FC também fariam o mesmo. Mas é bom ler esta capacidade sintética, pegar num livro com o seu quê de épico e saber que não se vai espraiar ao longo de milhares de paginas em diversos volumes.

O título não nos prepara para o romance, embora o defina na perfeição. É algo que só nos apercebemos ao terminar o livro, demonstrando a escrita de um mestre como Aldiss, que nos vai levando pela mão através dos caminhos ínvios da sua mente até a um destino certo. Os tentilhões do título, referência directa à Origem das Espécies de Darwin, são a chave da obra.

Não esperemos um futuro risonho. O futurismo, aqui, é desolador. Estamos num futuro próximo, com a humanidade a começar a dar os primeiros passos no sistema solar. A Lua é habitada continuamente, apesar de haver uma restrição de noventa dias de permanência por razões de saúde. As primeiras bases marcianas, financiadas por uma improvável coligação de universidades, estabelecem a primeira colónia humana no planeta vermelho. Quem para lá vai sabe que não há possibilidade de regresso. Aldiss não é um optimista, sublinhando os efeitos nocivos das viagens pelo espaço sobre o corpo.

Abrigados em torres, os colonos marcianos vivem uma vida regrada na nova fronteira. São assolados por um trágico mistério, que coloca em perigo a viabilidade da colónia. É impossível levar a cabo uma gravidez bem sucedida no planeta, e as tentativas dos colonos traduzem-se numa desolação de fetos nado-mortos. Talvez, intuem, sejam necessárias adaptações biológicas evolucionárias para que os ventres humanos possam parir noutro planeta.

Aldiss não escapa à tentação de povoar o planeta com formas de vida alienígena. Fá-lo com uma espécie de lagartos mamíferos que sobrevive nas profundezas marcianas, onde há água em abundância, e talvez o ecossistema que permite a sua existência. Estranha-se este uso do artifício da criatura isolada encontrada num planeta desprovido de vida, esquecendo que formas de vida complexas não existem por si só mas dependem de ecossistemas, mas as pinceladas amplas do romance abrem espaço a esta ideia.

Sabendo que não há regresso possível, que a vida é difícil num planeta inóspito, que não parece haver esperança numa primeira geração de colonos nascidos em Marte, o que é que os leva a fazer a viagem? Aldiss, claramente influenciado pelos tempos contemporâneos, traça um retrato de um planeta à beira da extinção. As guerras violentas sucedem-se, os mais poderosos países são invadidos e os conflitos envolvem o uso desregrado de armas nucleares. Mesmo no final do livro, Marte perde o contacto com a Terra, e se não nos é dito o porquê, não é difícil intuir.

Para romance de FC, este é especialmente desolador. Mas haverá um bizarro, quase surreal mas também nostálgico, toque de esperança. Os sobreviventes em Marte serão visitados pelo que a principio parecem ser alienígenas, mas se revelam humanos vindos do futuro, seres cuja biologia evoluiu para se adaptar à vida fora do planeta Terra. E os colonos marcianos, que se julgam à beira da extinção pela incapacidade orgânica de levar a gravidez a cabo, são os antepassados directos desta futura humanidade que aos nossos olhos parece alienígena. É aqui que entram os tentilhões de Darwin, referência erudita à teoria da evolução. O momento do primeiro contacto é uma homenagem de Aldiss à FC clássica, com um casal a ser surpreendido por uma nave que aterra e de onde saem três estranhas criaturas que os saúdam. É um momento tão filme de série B que é impossível não sorrir.

Finches of Mars é um romance inquietante. Desolador, longe do optimismo da FC mais actual, mas também a não se meter no campo das distopias. É... diferente. Essa diferença é sublinhada pelo forte lado experimental na técnica narrativa. Não há longos infodumps a enquadrar aventuras bem gizadas. Este romance constró-se em fragmentos, por vezes dispersos, sem um grande esforço em aprofundar as personagens nem em definir os momentos da história. Este carácter fragmentário, em mãos menos experientes do que as de Aldiss, condenaria o livro. Não é o caso. Lê-se como se contempla um quadro impressionista. São manchas fragmentadas o que vemos de perto, e é quando nos afastamos que nos apercebemos da beleza do conjunto.