terça-feira, 19 de novembro de 2013

Ficções


Destaque para Carina Portugal, uma das vozes promissoras da literatura de género fantástico que se estão a afirmar através da rede. É interessante assistir à evolução deste dinamismo que começa necessariamente com níveis literários médios mas na generalidade vai ganhando progressivamente melhor qualidade literária. Como muitas das coisas da vida que realmente nos recompensam interiormente, escrever é daquelas que melhora com o tempo e prática. Se alguns dos contos nos parecerem incipentes é de notar que se tratam de vozes novas, a dar passos decisivos e a evoluir na qualidade literária expondo-se às vozes críticas dos leitores. Boa parte dos contos desta autora estão disponíveis no interessante e dinâmico Fantasy and Co.

Estilhaços: Curta mas eficaz história de horrores passados, centrada num desparecimento misterioso no interior de uma casa assombrada. O fascínio pelos enigmáticos espaços arquitectónicos e os terrores neles ocultos é transmitido por uma prosa bem conseguida, que assegura uma ambiência obscura apesar de faltar alguma clareza na estrutura narrativa. A tonalidade do conto é apreensível mas os acontecimentos narrados são pouco claros, o que diminui um pouco a eficácia narrativa.

Triste e Leda Madrugada: Conto curto, mais em tom de poema em prosa do que narrativa. Um diálogo etéreo entre duas entidades deliberadamente difusas que se cruzam no momento transitório do amanhecer.

Duas Gotas de Sangue e um Corpo para a Eternidade: Numa pequena vila inglesa do século XVI a maldição de um bruxo queimado vivo a pretexto de falsas acusações abate-se sobre aqueles que condenam injustamente inocentes em nome do fanatismo intolerante. A vila é casa para duas jovens irmãs, também guardiãs do saber ancestral que os conterrâneos mais preconceituosos depressa apelidariam de tenebrosa se desconfiassem que para além de cuidarem de maleitas as jovens também se relacionam com os espíritos. Os seus rituais vão aplacando os espíritos vingativos que se abatem sobre a vila. As jovens ocultam um segredo que, se revelado, as tornaria proscritas e perseguidas pelos seus vizinhos. A sua ligação é mais forte do que o amor filial, despertando ciúme aziago no coração de um jovem seu amigo que, farto de ser rejeitado por uma das irmãs que ama, urde uma conspiração que as levará a ser queimadas como bruxas, acusadas de rituais satânicos e da morte de uma criança. Mas no final os espíritos são clementes e uma curiosa forma de justiça prevalecerá.

Devo confessar que a capacidade narrativa da autora me mergulhou dentro do espaço ficcional da história. O cenário ganha vida e o leitor cria relações de empatia com as personagens, pormenor tantas vezes elusivo em ficções mais elaboradas que é aquele que realmente agarra o leitor e torna a leitura um processo imersivo. À técnica de escrita falta um toque de edição mais cuidada, que tornaria algumas a linguagem mais elegante e deixaria clarificados alguns dos momentos da história. Este conto é uma excelente surpresa, que apesar de algumas arestas por limar nos mergulha num mundo ficcional coerente e mistura temáticas tradicionais da fantasia com preocupações contemporâneas com preconceitos de género.