segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Leituras

The Horror, the Horror: Que horror, o Terror. Parece que afinal essa coisa das histórias de fantasmas e criaturas ocultas nas sombras tem um longo historial que se estende na longa tradição literária europeia e explode na era da razão, onde a substituição da crença no sobrenatural pela racionalidade libertou os escritores para jogar com os elementos iconográficos do género. E, credo!, parece que atraiu mais do que os escritores esquisitóides do costume e até tem uma coisinha ou duas para nos ensinar sobre o espírito humano. Para além de ser um mimo à imaginação. Esta crítica ao novo livro de S. T. Joshi, o académico reconhecido pela sua vasta obra à volta de Lovecraft, lê-se como um menu saboroso de autores a descobrir ou redescobrir.

The Future (According to Corporations): Fiquei fixado na expressão flatpack futures, que descreve na perfeição as visões limpas e higiénicas de um amigável futuro, dádiva dos esforços técnicos da corporação transnacional que apesar da solidez e cultura conservadora não tem medo de se envolver com tecnologias bleeding edge. São visões de limpeza cirúrgica, onde utilizadores quase feudalizados movem-se facilmente por entre ambientes tecnológicos imersivos criados em  laboratórios de R&D devidamente marcados com logotipos de grandes corporações. Como o artigo mostra, são visões que não requerem grande imaginação, sentido crítico ou capacidade de conceber futuros e que reflectem visões destiladas pelos departamentos de marketing. Da minha experiência, são extremamente eficientes. Quando mostro aos alunos visões de futuro, por interessantes que achem visões as mais saibrosas, ficam sempre transfixados nestas design fictions. Deixa-me sempre assustado, particularmente depois de ler que estas visões  can have a sedating effect, (...) relieve you of your responsibility to think about how the new technologies should be used. Subjacente está uma mensagem de deixemos os gurus do departamento de marketing pensarem como utilizar a tecnologia e não cansemos os nossos preciosos neurónios.

Space oddity: a glossary of science fiction. Or sci-fi. Or whatever it's called: Damien Walters a tentar pôr ordem na nomenclatura e acrónimos que designam os géneros e sub-géneros de ficção científica. E a falhar, sem grande surpresa. A selva de acrónimos, géneros e sub-géneros é vasta e confunde os melhores. A explosão criativa neste domínio torna difícil montar um cercado dentro do qual se possam distinguir claramente as vertentes. Por abrangente que seja, há sempre alguns que se extraviam. Sobre a validade da questão das ficções de género destaco a visão coerente do Viagem a Andrómeda. Pessoalmente, faz-me jeito poder, como se dizia, chamar os bois pelos nomes com uma nomenclatura que distinga géneros e vertentes da ficção científica e fantástico. Ajuda a orientar na vastidão de possibilidades da especulação ficcional, mas há que manter em mente que a ficção científica partilha com os gatos a impossibilidade de viver em rebanho.

Students gleefully teach admins that mobile device management is hard: Esta lê-se como umas páginas do Little Brother do Doctorow. Técnicos que ficam chocados depois de verem os ipads bonitinhos que com tanto esforço rolaram de forma segura, prevenindo todos os imponderáves, a ser hackados e apropriados pelos alunos? O que me surpreende é que tenham ficado surpreendidos. Introduzir tecnologia em ambientes educativos segundo pressupostos meramente administrativos geralmente dá em desastre (por cá corrigido ou equilibrado pelo sobrecarregado grupo de professores que acumula a gestão de sistemas com tarefas lectivas). Perguntas incómodas: achavam mesmo que os alunos não iam tentar modificar nada? Se sim, ou são admins muito crédulos, inflexíveis ou incapazes de compreender a capacidade e curiosidade natural das crianças. Se o objectivo era o de disponibilizar equipamentos aos alunos, porque não envolvê-los no processo em vez de lhes dar para as mãos dispositivos com uma lista do que se pode ou não fazer? Dica sobre psicologia adolescente, e não só: o não é um convite à acção. Pessoalmente, neste tipo de projectos penso que as melhores estratégias são as que mantém os equipamentos na escola como propriedade comum ou o BYOD. Ambras trazem os seus problemas de gestão administrativa e hardware. O BYOD (bring your own device) parece-me nisto a mais prometedora, porque mantém o equipamento como algo de individual e possibilita a integração num espaço pedagógico comum. E, essencialmente, preserva a liberdade. Costumo prestar atenção as estas experiências americanas de introdução de tecnologia na escola, geralmente na revista Tech & Learning (que se lê como um catálogo corporativo de venda de dispositivos tecnológicos, mas enfim, isso seriam outras conversas). Algo que observo é a ausência de liberdade de escolhas nestas iniciativas, que recorrem sempre à uniformização e imposição de um padrão de uso assumido como respeitável. São formas de intervir agradáveis às administrações escolares, mas que esquecem que, como William Gibson acertou, the street finds its own uses para a tecnologia. Fechar, proibir e limitar normalmente é contraproducente.