sábado, 3 de agosto de 2013
Future Present
Só delícias na entrevista dada por Warren Ellis à Forbes. Dead Pig Collector saiu e Ellis, com o bom humor mórbido que tão bem lhe assenta, refere que o processo de pesquisa para o conto provavelmente lhe granjeou um lugar cativo nas bases de dados do NSA: "Believe it or not, a lot of people seem to spend time talking on the internet about getting rid of bodies. And now they’re all on PRISM-generated watchlists. And so am I."
Coisas para almejar em 2014: Ellis está a trabalhar num livro sobre urbanismo e mitografias tecnológicas contemporâneas a partir desta assombrosa palestra na Cognitive Cities. Resta não roer muito as unhas e esperar pacientemente pelo Spirit Tracks. Para perceberem até que ponto o livro pode ser interessante, releiam com atenção as visões urbanas alimentadas a tecnologia que pervadem a obra do autor ou fiquem-se com a especulação nua de Shivering Sands.
"Sometimes it feels like a chunk of the next decade has already happened and we just haven’t noticed it yet, and won’t until we see it in Marshall McLuhan’s rear view mirror." Ou a condição da ficção científica enquanto futurismo contemporâneo. Tecnologias radicais e impactos transformativos passam de raros momentos pivot na história humana a banalidades que consumimos com bocejo ao telejornal. O quê, mais uma tecnologia disruptiva? Outra inovação que condena indústrias de ponta ao destino dos fabricantes de carroças na era automóvel? Superciência banalizada, é a condição do futuro que não é perfeito ou mais que perfeito, é futuro presente.
Confesso que tal como Ellis "something about Google Glass — which, of course, a lot of people also think is the new Segway — is bugging me". Também ainda não percebi o quê, mas sente-se que poderá ser mais do que uma simples tecnologia de sucesso transitório. Talvez seja influência de tanto romance cyberpunk com os obrigatórios mirrorshades cujas lentes se desdobram em ecrãs. É curioso notar que na semana em que Ellis afirma isto Gray Shteyngart na New Yorker mostra como ao fim de poucos dias os óculos parecem indispensáveis, um docente universitário de medicina deu o passo lógico de filmar o seu ponto de vista ao entrevistar pacientes com transmissão de vídeo em tempo real para os seus alunos, e apesar de todos os pruridos da google sobre pornografia no Glass fizeram o primeiro filme de bolinha vermelha com os óculos. Parece que glasshole, palavra com que Hellboy descreve o espirituoso Johan Kraus em Hellboy II The Golden Army (esse delírio steampunk de Guillermo Del Toro), se generalizou como epíteto para os utilizadores de óculos Glass. O que é mais um indicador de um futuro em que este equipamento (e outros similares) se tornarão ubíquos. Recordam-se dos epítetos ridicularizantes que se usavam quando os telemóveis começaram a massificar-se? Dos narizes franzidos com a incapacidade de conceber utilizações para um objecto que aparentava ser de utilidade duvidosa? Anos depois tornou-se indispensável à vida no dia a dia. O Glass tem esse potencial disruptivo.
(E sim, sei que isto está tudo online, mas pessoalmente prefiro fugir ao fluxo do agora instantâneo da internet e ler calmamente os artigos que me interessam no tablet ou e-reader convertidos eficazmente pelo DotEpub.)