quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

The Far Reaches

Seis contos com um tema comum, a distância na exploração do espaço. Alguns autores seguem o caminho da vastidão do espaço-tempo, outros preferem os fossos sociais e civilizacionais. Seis contos de excelente ficção científica, que se atrevem a olhar para o longínquo.

James S.A. Corey (2023). How It Unfolds. Amazon Originals.

Usando uma tecnologia de fabricação lumínica (é melhor não aprofundar muito a ideia), a humanidade espalha-se pelas estrelas, de uma forma inédita. Os corpos e memórias de um grupo de voluntários são digitalizados, para serem reincorporados como cópias, décadas, séculos ou milénios depois, noutros planetas. Um esforço de propagação que garante sucessos, novas sociedades e mundos, mas também falhas. Um método recursivo, dado que uma das missões destes exploradores é, também, a de se transmitirem após materialização. O que significa que num futuros distante um grupo destes clones inicia o processo de colonização de um planeta que se revela ser a Terra, em tantos milénios do futuro que já não restam vestígios de ter sido o berço da humanidade. Este é o pano de fundo de uma história de amor não correspondido, que se renova a cada iteração das cópias dos colonos, mas essa parte da narrativa é bastante tediosa.


Veronica Roth (2023). Void. Amazon Originals.

Há uma curiosa dicotomia nesta história, entre os passageiros de uma nave espacial que liga as diversas colónias humanas, e os seus tripulantes. As distâncias e efeitos relativísticos levam a que a vida a bordo se meça em anos, enquanto no exterior passam séculos. É este o palco para um policial clássico no espaço, com o assassínio de um passageiro idoso que regressa à Terra. às mãos da mulher que, décadas antes, enganou com promessas de amor eterno mas abandonou, quando fez a viagem de ida ao planeta distante. Para o homem, passou-se uma vida. Para a mulher, alguns anos de tristeza, que alimentam o ato de vingança.

Rebecca Roanhorse (2023). Falling Bodies. Amazon Originals.

Um jovem aparentemente anónimo regressa à estação que orbita uma Terra devastada por um conflito com alienígenas. Seres que, por ironia, respeitam e admiram a cultura terrestre, e tentam inclusive adotar crianças terrestres para os educar na sua civilização. Nas vésperas de um acordo de anexação, o jovem terá de equilibrar os seus instintos como humano com a sua herança de terrestre adotado e criado por um poderoso político alienígena.


Ann Leckie (2023). The Long Game. Amazon Originals.

Podemos sempre contar com Leckie para nos levar ao interior do que seriam mentes alienígenas. O conto é enganadoramente simples - numa colónia distante, os humanos cuidam da vida inteligente nativa, mais por questões de boa imagem empresarial e relações públicas do que real respeito pelos alienígenas. Estes, similares aos nossos polvos mas de vidas muito curtas, começam a perceber que podem ir mais longe, e aprender com os humanos a transcender os limites das suas vidas, construindo uma civilização.


Nnedi Okorafor (2023). Just Out of Jupiter's Reach. Amazon Originals.

O rico imaginário afro-futurista de Okorafor leva-nos a um futuro mais próximo, onde as primeiras missões humanas a explorar o sistema solar se fazem em naves espaciais inteligentes bio-construídas, em simbiose com os seus tripulantes. Infelizmente, cada nave apenas reconhece um tripulante, e as suas missões decorrem em isolamento, até ao dia em que está programado um encontro na órbita de Júpiter entre as naves e os tripulantes. Descobrimos aí as tensões e motivações de um punhado de humanos nas estrelas. Com as suas preocupações de FC social, Okorafor centra-se mais nos sentimentos dos personagens e nas questões sociais do que nos lados técnicos, invocando exóticos mundos biotecnológicos vindos da influência enriquecedora das estéticas não europeias.


John Scalzi (2023). Slow Time Between the Stars. Amazon Originals.

Num conto absolutamente brilhante, Scalzi imagina o que faria uma inteligência artificial autónoma enviada para as estrelas para perpetuar a espécie humana. Construída como um repositório de ciência e tecnologia, bem como da cultura humana, criada como entidade inteligente autónoma, a sua missão transcende os limites temporais humanos - procurar planetas habitáveis e estabelecer lá futuras colónias. Mas, com a autonomia vem a capacidade de reflexão, e a IA, por entre a vastidão do espaço, numa missão que demora milhões de anos, acaba por se ver como a guardiã da memória da humanidade. Decide não a recriar, mas sim procurar eventuais civilizações alienígenas avançadas, para lhes oferecer o nosso legado.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

El infinito en un junco: Adaptación gráfica


Irene Vallejo, Tyto Alba (2023). El infinito en un junco: Adaptación gráfica. Madrid: Debate.

Fiquei seduzido por este livro quando o li pela primeira vez. A obra de Irene Vallejo é um hino à literatura, à palavra escrita e ao livro. A sua erudição transporta-nos para a história do livro e da leitura, em percursos pouco lineares que cruzam história, bibliografia, sentimento e algumas memórias pessoais. Um livro encantador e essencial para qualquer amante dos livros.

A sua adaptação para banda desenhada é uma boa forma de o revisitar. A guionização mantém-se fiel ao espírito de partilha apaixonada, cruzando um lado didático com a vénia profunda à paixão pelas letras. A ilustração complementa as palavras. Não é um portento gráfico, mas também não seria bom se o fosse, aqui o papel gráfico está no acompanhar das palavras, e não como elemento narrativo. Li a edição castelhana, mas estes livros, quer o original quer a adaptação para BD, já estão traduzidos para português.

domingo, 9 de fevereiro de 2025

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Hiroshi Nagai
: Japão retro.

Christopher Nolan’s Next Film Is an Adaptation of Homer’s The Odyssey: Não sei se deva temer ou ficar preocupado. O texto atribuído a Homero é um pilar civilizacional, e recordo a forma como Oliver Stone o destratou na sua versão da Ilíada (já agora, malta da iO9, "Homero" é uma figura talvez mítica, apontado como autor de textos que sintetizam a vastidão da tradição oral dos muitos povos da antiga Grécia).

Las ediciones limitadas no bastan: lo último en libros para coleccionistas son las Ediciones Enriquecidas: Não sigo este fenómeno literário em si, apenas anoto a tendência, do trabalho de marketing do livro enquanto objeto decorativo.

The Darkest Movie of the Year: Confesso a minha curiosidade com esta nova versão do filme que ao plagiar mal disfarçadamente o clássico de Stoker, se tornou um dos mais marcantes filmes de terror de sempre. Pelas análises, esta revisão faz jus ao original.

I Forgot How Bad Those Final 2 Christopher Reeve Superman Films Are: É natural. Todos querem esquecer esses filmes, em particular aquele totalmente ridículo onde o super-homem mau (porque fumou umas cenas) combate o super-homem bom dentro de si próprio).

5137) "The Last Dangerous Visions" (27.12.2024): Há obras que parecem condenadas ao limbo da eterna promessa, até chegarem a ver a luz do dia. Um olhar para algumas destas obras malditas.

Atlas of video games: Saudades da estética dos jogos arcade? Mergulhem nesta coleção de mapas e cenários retirados desses jogos clássicos.

Victor Frankenstein’s Technoscientific Dream of Reason: O clássico de Mary Shelley faz a ligação entre um imaginário medievalista proto-científico e o emergente pensamento científico. Um ideário que ainda hoje subsiste, na forma como olhamos para a Ciência.

Classic Historical Fiction Set in Ancient Rome: Confesso, a imagem visual que tenho dos romanos formou-se a ler Quo Vadis, o romance clássico de Henri Sienkiewicz. A abordagem literária ao passado tem esse condão, o de dar vida e cor aos vestígios históricos.

The science behind Mary Shelley’s Frankenstein: É por isto que o romance de Shelley é considerado o primeiro verdadeiro romance de ficção científica.

Pulp sci-fi illustration by Italian artist, Aldo Di Gennaro: A FC, sempre a promover a diversidade em todos os seus aspetos.

Encyclopedia Britannica Is Now an AI Company: Faz sentido. Nos tempos da IA generativa que todos querem ver como oracular, o que é que podemos fazer quando detemos acesso a grandes fontes de informação e dados fidedignos? Torná-los a base de ferramentas de IA faz sentido.

Nothing Is Sacred: AI Generated Slop Has Come for Christmas Music: A sério, que é surpreendente que os chico-espertos usem o lixo generativo como forma fácil de criar conteúdo clickbait e gerar uns trocos fáceis com isso? E isto nem é novidade. Formas repetitivas e muito básicas de produção cultural sem qualidade sempre existiram (grande parte das indústrias culturais, desde a musical ao audiovisual - vide telenovelas, concursos, reality shows e músicos pop a metro, vivem disso). O que mudou foi a facilidade de geração automatizada de conteúdo.

The humans behind the robots: Uma visão curiosa, o emparelhar de robótica com trabalho remoto na criação de robots domésticos.

AI Fight Club and what it hides: Discutir IA Generativa não tem de ser na ótica da dualidade deslumbre/catástrofe. Aliás, cair nessa armadilha é perder a capacidade crítica de perceber as valências, potenciais e problemas destas tecnologias.

In 1928, Eric the Robot promised the robo-butler of the future: Quase cem anos depois, ainda continuamos longe destes sonhos. Mas, pelo menos, já deixámos de parte a ideia de escravos mecânicos. Ou, pelo menos, assim o espero.

AI-Generated Book Grifters Threaten The Future of Lace-Making: Nem um nicho tão tranquilo com o do tricot está livre da predação dos chico-espertos que usam IA para gerar lixo editorial, e enganar os incautos.

Will we ever trust robots?: Confiança, não só nos sistemas em si mas em quem os desenvolve e opera.

"Será el estándar mundial": en 1996 General Motors tenía el coche eléctrico del futuro hasta que decidió hacerlo desaparecer: Um artigo que nos recorda os EV1, os primeiros veículos elétricos a chegar ao mercado, que tiveram um fim rápido. Não porque não houvesse necessidade social ou alinhamento de mercado, mas porque a GM estava mais interessada em vender veículos tradicionais e aproveitou um relaxamento legal para abandonar este projeto. Trinta anos depois, tudo mudou, e os veículos elétricos são a principal aposta da indústria automóvel global.

Never Forgive Them: A mais furiosa denúncia de tudo o que está mal na nossa economia digital. A tirania sufocante das plataformas, os dark patterns, o incentivo a comportamentos aditivos, o resvalar para conteúdos sem qualquer valor, a constante exigência de atenção, o dilúvio de lixo generativo, e os lucros obscenos que estão a ser obtidos com o empobrecimento cultural e económico da nossa sociedade. É um texto furioso, brilhante, imparável e impecável. 

The Most Important Breakthroughs of 2024: O ano que passou não foi tanto o ano de inovações extraordinárias, mas da rapidez do avanço e impacto de novas tecnologias.

Scientist’s ‘ruthlessly imaginative’ 1925 predictions for the future come true – mostly: Nestas análises futuristas, o interessante não é tanto o eventual lado oracular, mas sim a forma como percebemos que as tendências que vivemos hoje já nos moldavam no passado.


Mark Maxwell, 1989: A recordar a façanha da SpaceX quando meteu um Tesla em órbita, quase quarenta anos depois.

American Politics Has an Age Problem: Nalguns aspetos, a política nos Estados Unidos faz recordar a União Soviética nos anos 80, com o poder nas mãos de uma gerontocracia anquilosada. Não quero soar idadista, mas há um tempo para tudo, e queremos mesmo deixar decisões que impactam o futuro nas mãos de pessoas em franco declínio cognitivo?

La tecnología ha minado una de las mejores herramientas para la productividad y la creatividad: dejar tiempo para aburrirse: Será mesmo assim? O que vou escrever a seguir vai soar fortemente elitista. Aqueles de nós que são realmente criativos, que gostam de refletir, analisar, ponderar, não são minimamente afetados. Os restantes (que são uma maioria), cedem facilmente perante este canto de sereia da incessante distração mediatizada, tal como sempre o fizeram. Francamente, tenho a sensação que há na forma como gerimos a nossa atenção no digital uma espécie de teste evolutivo darwinista, que visa separar aqueles que procuram ter impacto real dos que apenas querem viver a sua vidinha (e nada contra estes últimos, sejam felizes e divirtam-se entre feeds e reels).

What Would A Woman Do To An Unconscious Man If She Thought No-One Would Find Out?: Um dos aspetos mais arrepiantes do caso Pelicot, para além da sordidez, está na banalidade e quantidade dos violadores. Pessoas ditas normais, com os quais nos cruzaríamos na rua, interagiríamos no nosso dia a dia, não hesitaram em violar repetidamente uma mulher inconsciente, durante anos. Pessoas que abertamente afirmariam o seu horror perante a violência sobre as mulheres, que acarinharam as suas esposas e filhas, mas não hesitaram perante a oportunidade de abusar de uma mulher inconsciente. Nem sequer há aqui o argumento de serem incapazes de resistir a impulsos, esta vítima não tem os atributos físicos de elevada desejabilidade masculina (perdoem a frieza, mas, mesmo sendo totalmente indesculpável, é um argumento possível). Foi mesmo a vontade de abusar, o gozo de exercer poder. Gostava de dizer que nem todos somos assim. Apenas posso falar por mim. Temo que este caso, e tantos outros, tantas violações, tantos casos de violência doméstica, tantas mortes de mulheres às mãos de homens que "ah, mas sempre foi boa pessoa, não se percebe porque é que fez isto", diz-nos que a capacidade humana para o mal está em constante ebulição debaixo da pele civilizacional.

Getting the Essay Back: Two Memories: Um ensaio brutal sobre o que é que realmente significa aprender. É particularmente pertinente nesta era em que muitos acham que a aprendizagem pode ser baseada no consumo de conteúdos enlatados mediados por IA generativa, em nome de uma suposta eficácia pedagógica: "“The highest aspiration of most undergraduates is to regurgitate accurately whatever the instructor has said. So they scribble furiously, hoping not to miss anything. This makes it impossible to spend any time thinking. When the time comes to regurgitate, some do it accurately, some less so. And that’s all there is to it.” He shrugs and takes a sip of tea. “Good students don’t regurgitate. They see that they have been asked a question and that the question precedes the material in the lectures, causes the lectures in fact. If they have the capacity to find the question independently interesting, they spend their effort and attention on trying to join the conversation by saying something interesting in turn.”" Aprender não é meramente memorizar factos; é manter uma sede constante de saber mais, ir mais além. Algo que os sistemas educativos falham redondamente, em parte porque foram criados para responder à necessidade social de dotar as pessoas com uma base educacional massificada.

These stunning images trace ships’ routes as they move: Os padrões formados pelas rotas das redes globais de transporte, enquanto imagens abstratas.

Panavia Tornado: Recordar a história de uma clássica aeronave europeia.

Ale-Hop, la cadena alicantina que ha conquistado media España con una vaca y una norma inquebrantable: Como ficar rico a vender tralha, e criar uma rede de lojas pan-europeia. Um vislumbres das estratégias desta marca, entre a escolha de produtos à forma como localiza as suas lojas.

Resistir à instrumentalização da luta contra o antissemitismo: Não se nega ao estado israelita o direito de se defender contra os ataques do Hamas, e, sendo franco, não se perde muito este tipo de organizações são encostadas às cordas. Mas não se pode negar que a forma como Israel está a conduzir a guerra em Gaza tem muito pouco de operações de defesa, e muito de ação genocida contra um povo. Como é que podemos achar justificável a hecatombe de civis, todas as manobras de terror, e de estrangulamento de uma sociedade de rastos? Apontar isso não é ser anti-semita, anti-israelita ou denegrir o povo judeu. Diria até que as correntes ações do estado israelita, essas sim, são uma ofensa para o povo judaico.

Second New Chinese Stealth Jet Emerges in the Same Day: Os chineses não estão a esforçar-se por esconder estas aeronaves, claramente estão a enviar um sinal.

Analysis of China’s new double-delta stealth warplane: A curiosidade com estas novas aeronaves é enorme.

Hawk Tuah Wasn’t What It Seemed: A partir de uma piada foleira apanhada em vídeo, esta rapariga americana deu os passos lógicos da sociedade mediática digital, aproveitando-se da fama fugaz para ganhar dinheiro. Talvez se tenha tramado com a iniciativa mais recente, o lançamento de uma memecoin própria que gerou interesse especulativo nos primeiros momentos, garantido que alguns lucrassem rapidamente, mas depressa se tornou uma criptomoeda de lixo, ou seja, a maioria dos que a comprou perdeu dinheiro. Talvez o mais surpreendente aqui não seja a história da rapariga do meme, nem a sua ascensão e queda, mas a rapidez com que a criptomoeda foi lançada, gerou lucros e depois caiu a pique no espaço de poucas horas.

Moon: Um belíssimo trabalho de design interativo, que nos ensina tudo sobre a Lua e a sua mecânica orbital.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Gibbet Hill

Bram Stoker (2024). Gibbet Hill. Dublin: The Rotunda Foundation.

O mundo literário foi surpreendido pela descoberta deste texto esquecido de Stoker, publicado originalmente num jornal irlandês em 1890. Lê-lo é redescobrir as estéticas clássicas do horror, numa história simples onde um tranquilo turista de visita a um cerro de antigos enforcamentos se envolve com três misteriosas crianças indianas, sendo mergulhado num inferno de horror. O final, com o protagonista a ser desperto, parece indicar que Stoker optou pela clássica artimanha do "afinal foi só um sonho", até ao parágrafo final, deliciosamente gore (envolve corações retirados ao corpo e vermes grandes, correndo o risco de fazer spoilers). 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Primeiros Escritos Portugueses sobre a China


Galiote Pereira, Gaspar da Cruz (1989). Primeiros Escritos Portugueses sobre a China. Lisboa: Publicações Alfa.

Dois textos, vindos do século XVI, que relatam as primeiras percepções dos portugueses recém-chegados à então misteriosa China. O Tratado da China de Galiote Pereira relata as experiências de um mercador, capturado com o seu grupo em circunstâncias estranhas. Reino fechado, o império recusava os contactos com os bárbaros europeus, mas comerciava nas suas fímbrias. A captura dos portugueses foi feita no meio da vontade de enriquecimento de magistrados locais, o que despertou a fúria do governo central e levou a uma espécie de perdão aos europeus, libertos das violentas prisões mas internados em diversas cidades chinesas. É esse o relato deste sobrevivente, detalhando as suas experiências primeiro como prisioneiro, depois como internado, olhando para o sistema judicial e alguns vislumbres da sociedade chinesa.

Da autoria do missionário Gaspar da Cruz, Cousas da China é um olhar muito detalhado sobre a China. Tendo lá ido numa missão falhada de espalhar a fé cristã, o missionário observa e relata a sociedade chinesa, os seus usos e costumes, formas de governo e religião (aqui, com o expectável desrespeito de um fervoroso católico quinhentista face à riqueza da mitologia sínica). Parte da obra baseia-se no livro de Galiote Pereira, mas Gaspar da Cruz vai mais fundo no seu retrato do país. Comete alguns erros algo medievalistas, dando algum crédito ás lendas sobre homens de corpos estranhos, ou afirmando que o país quase faz fronteira com as terras alemãs.

Após as Viagens de Marco Polo, estes foram os primeiros relatos que chegaram à Europa sobre a China. São visões de um primeiro contacto com uma nova civilização, não totalmente desconhecida (recordemos que já havia relações comerciais, através da Rota da Seda, entre os impérios romano e chinês) mas, dada a sua distância, ainda misteriosa.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

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lookcaitlin
: Cyber-retropunk.

The Living History and Surprising Diversity of Computer-Generated Text: O texto generativo por algoritmos tem uma história e práticas que antecedem muito os agora conhecidos chatbots de interface com LLM.

Recalling Total Recall: Um daqueles filmes que, se o revermos com olhos de ver, percebemos que não é só uma história pateta que adapta de forma algo bizarra o romance clássico de PK Dick.

The Brothers Grimm Were Dark for a Reason: Um perfil dos filólogos que se tornaram o símbolo da recuperação e recriação dos mitos e contos tradicionais (e uma inesgotável fonte de lucro para as empresas da área do entretenimento).

Bad writing becomes an art form in annual contest for world's worst prose: Nos dias de hoje, a incapacidade literária humana rivaliza com as produções de excelência dos chatbots. Este artigo fez-me recordar as deliciosas partilhas da Thog's Masterclass, a mais divertida rubrica do Ansible de David Langford. Esta, recolhe exemplos de martelagem literária extrema vindos da ficçao cietífica e fantasia.

Bang! 36: Nota para a publicação da mais recente Bang!, que por sinal, não tenbo conseguido encontrar nas FNACs.

The Funniest Historical Novels, recommended by Toby Clements: O humor não tem necessariamente de ser direto. 

The Best Hard Science Fiction Books: O interessante é ver quais são os livros que fascinam um dos maiores praticantes contemporâneos da HardSF.

Our favorite books we read in 2024: É sempre bom perscrutar estas listas, em busca de sugestões de leitura e descobertas bibliófilas.

The Verge’s favorite books from 2024: Sugestões nunca são demais, e há aqui alguns livros que despertam a curiosidade.

Paperback cover illustration from the 70’s with creatures (Martians): Bizarrias alienígenas.

The 8 worst technology failures of 2024: O ano que passou foi fértil em acidentes, mas diria que o fail Crowdstrike ganha a palma de ouro.

He usado ChatGPT Search como buscador por defecto gracias a la extensión de Chrome. Y creo que Google tiene un problemón: É deprimente ler isto. Sabemos dos riscos das alucinações e má interpretação de informação trazidos pelos LLMs, mas só se vê o incentivo ao seu uso como motor de pesquisa e oráculo respondedor de questões. Por muito que vejamos que isso está errado, a generalidade dos utilizadores prefere a indigência mental de confiar cegamente em respostas de chatbots.

The Technology That Actually Runs Our World: Uma excelente definição do mal estar social que andamos a sentir, e que expressamos superficialmente nos discursos sobre os malefícios dos telemóveis ou os juízos morais sobre a forma como usamos tecnologias. Mas o problema real é mais profundo, estrutural, emraizado numa economia de capitalismo predatório que nos deixa sentimentos de impotência: "it suggests that the source of our neuroses can be found in the soft glow of a smartphone screen rather than the superstructures of power and influence that surround us. What drives many of us mad is the inability to change those power dynamics that are so plain to see". Não, a culpa não é dos telemóveis ou das pessoas viciadas em redes sociais. É daqueles que lucram de forma obscena com o agudizar das desigualdades e o empobrecimento generalizado da sociedade, cultura e humanismo.

Is your air fryer spying on you? It’s time to stop buying unnecessary ‘smart’ devices: Certeiro: "Our privacy was sold off to the highest bidder a very long time ago. Every move we make, every step we take, every potato we air fry, someone is watching us."

An Autistic Teenager Fell Hard for a Chatbot: Podemos ler este relato de forma alarmista, mas não é esse o caminho. Desenganem-se se este fascínio e transferência de sentimentos para meros chatbots é algo que só afeta pessoas com capacidades intelectuais diminuídas. E isto não é uma consequência inesperada desta tecnologia. Jà há muito que se conhece este efeito (o artigo cita Turkle, mas podemos ir mais atrás, a Weizenbaum e o efeito Eliza), e quem desenvolve estes produtos sabe disso.

Ryanair enfrenta queixa por exigir rosto para marcação de voos: Vamos ver como corre este braço de ferro entre a Ryanair e a legislação europeia. E isto tem de ser feito, as empresas não podem continuar a violar sistematicamente os nossos direitos fundamentais em nome do lucro.

A new, uncensored AI video model may spark a new AI hobbyist movement: Registo esta como um sinal da crescente importância dos modelos chineses no panorama da IA generativa.

Arizona School’s Curriculum Will Be Taught by AI, No Teachers: O que é que vai correr mal aqui? Em termos económicos, será um sucesso, uma escola que gasta pouco dinheiro em profissionais. Do ponto de vista pedagógico é um desastre, é um afundar de instrucionismo baseado em conteúdos enlatados, um foco na aprendizagem por consumo de conteúdos e exercícios acéfalos. 

This is where the data to build AI comes from: Ou melhor, é um artigo que nos diz quão difícil é perceber a origem dos dados de treino dos modelos, devido à opacidade das empresas que os desenvolvem.

The quickly disappearing web: Recordar um problema já antigo, o linkrot. Nada é verdadeiramente permanente na web, com o passar dos anos os links desligam-se, os conteúdos são eliminados, os servidores desligados.

9 Suggestions For Your AI Reading List: Livros para ajudar a compreender os impactos da IA na educação.

Pluralistic: Proud to be a blockhead (21 Dec 2024): Doctorow, como sempre, em cheio: "workers who care about their jobs are at a huge disadvantage in labor markets. Teachers, librarians, nurses, and yes, artists, are all motivated by a sense of mission that often trumps their own self-interest and well-being and their bosses know it (...) late-stage capitalist alienation has gotten so grotesque that some people will actually sneer at the idea that, say, teachers should be well compensated: "Why should you get a living wage – isn't the satisfaction of helping children payment enough?"" Um texto que começa sobre métricas,  toca na necessidade de expressão criativa, mete os abusos do capitalismo sem escrúpulos, e recorda a necessidade da união entre criadores (ou seja, trabalhadores).


John Berkey: Space opera.

The Heist of St. Nick: Eu sei, o natal já passou. Mas esta história sobre as relíquias do santo que se tornou a imagem do natal é deliciosa. Mete rapto de cadáveres, tumbas cheias de azeite para ensopar nos restos mortais e vender como elixir curativo (sim, o meu estômago está em revulsão), e a rivalidade entre cidades italianas.

Estos dos astronautas viajaron al espacio para 10 días, pero cuando vuelvan será otro año y tendrán otro gobierno (por ahora): E continua a saga dos astronautas retidos na ISS. Pelos vistos, estão em risco de se tornar habitantes permanentes.

Abriu a nova livraria Castro e Silva na Almirante Reis e o bairro ficou mais bonito: Ai, a minha carteira.

Why Can’t Robots Stay Robots?: O nosso hábito de antropomorfizar mecanismos.

How The Digital Age Is Reimagining Visual Culture: A ligação entre os movimentos de abstracionismo ou Op Art com a arte generativa computacional.

De Belarmino a Severa, o Martim Moniz é uma praça de misturas e inspirações: O Martim Moniz, agora notório graças a um governo de direita que anda a engraxar os sapatos ao gado neofascista chegano, sempre foi uma zona amaldiçoada de Lisboa. Uma espécie de espinho espetado na cidade, zona de indesejáveis e constante alvo de intervenções arquitetônicas que conseguem piorar o espaço: "Com fenícios e gregos que já eram lenda, mais 500 anos de Roma, mais 300 de suevos e godos e 400 anos de muçulmanos, e depois com os oito séculos de Portugal, ia Lisboa aí, quando ela descobriu, recorro de novo ao grande poeta brasileiro, que “no meio do caminho tinha uma pedra”. Tinha uma pedra: o Martim Moniz asfixiava a Baixa, impedia a capital da capital chegar ao eixo natural da Almirante Reis. Ou, pelo menos, era o que se dizia dele, que entupia." É talvez uma das raras zonas onde se sente uma verdadeira Lisboa, multicultural, vibrante e natural. Não é a Lisboa-beta e afluente das Avenidas Novas, Lapa ou S. Bento. Nem a cidade-parque temático do fake very tipical do Rossio, Alfama ou Chiado. Não admira que seja zona maldita, cai mal aos olhos de quem gosta de uma cidade paõzinho sem sal, para consumo de turistas e vida tranquila dos poucos portugueses afortunados que conseguem ter dinheiro para lá viver. O texto é fabuloso, erudito, uma viagem pela história de um local, mas também pelas suas gentes e culturas.

Un simulador secreto de la Guerra Fría llevó a EEUU y Rusia a una guerra nuclear. Desde entonces saben cuál es la línea roja: E essa linha é tão simples de ultrapassar, que arrepia. 

What if Russia wins?: Não é uma perspetiva animadora. A guerra desgasta, e apesar das sanções, a Rússia é um país com recursos e uma população que não se atreve a manifestar-se. A Ucrânia necessita de todo o nosso apoio, porque a alternativa, é muito pior do que o que se está a passar hoje.

The Hysterical Crypto Bubble Somehow Became Respectable: No fim do dia, após os discursos sobre liberdade e tecnologias revolucionárias, o que interessa a esta malta é ganhar mais uns trocos, com o menor esforço.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

20 Anos


E, mal dando por isso, reparo que faz hoje 20 anos desde que comecei a explorar a blogoesfera. A 31 de janeiro de 2005 saiu o meu primeiro post, sobre a minha obsessão da época, a filmografia de zombies.

Poderia ter começado por um hello world, ou uma declaração de intenções, mas isso nem pareceria eu. 

Duas décadas de evolução, de altos e baixos da vida, de alegrias e tristezas, de sucessos e perdas. Com este espaço como constante na vida. Com a discisplina, que se tornou hábito, rotina, e agora essência para a manutenção da sanidade mental, de escrever aqui.

Não escrevo aqui para ficar famoso com as minhas críticas e comentários. Para mim, este espaço sempre funcionou como um diário de leituras e experiências, nada mais. Foi interessante iniciar estas lides nos tempos áureos da blogoesfera, quando este meio se afirmava como espaço de troca de ideias e discussão. Um mundo que as redes sociais se apropriaram, com os bons resultados que todos vemos (ironia, claro, a discussão e troca de ideias caíram a pique, as redes sociais oscilam entre a promoção descarada e os ataques de trolls e gente muito desocupada e furiosa com a vida, um ambiente tóxico que está a contaminar a cultura global). As redes tiveram a sua ascensão, algumas caíram, mas a blogoesfera menteve-se, discreta, o contrapeso de longo termo à vacuidade imediatista das redes sociais. 

Será que daqui a vinte anos cá continuaremos? Não sei, tal como não imaginava, há vinte anos, que ainda estaria a escrever por aqui. Nós, malta da FC, apaixonados por foguetões e viagens ao espaço, adoramos sonhar os futuros, mas sabemos que, por muito que se especule, o futuro é essencialmente imprevisível. Parte do gozo é mesmo fazer essa viagem, e ir descobrindo as novas voltas que o mundo dará.

Sei que escrevo estas linhas num tempo em que é difícil manter a esperança. Assistimos ao alastrar da extrema direita populista, alicerçada no conservadorismo bafiento e que remexe os piores sentimentos da alma humana para garantir o poder a pessoas sem escrúpulos. Vivemos o desafio geracional, e perigo civilizacional, de lidar com as alterações climáticas, e não vemos grande esforço em resolver uma emergência que já se está a mostrar incrivelmente destrutiva (e há pior para vir). O fosso de desigualdades económicas e sociais agudiza-se. O progresso nos direitos humanos, sociais e laborais parece estar em regressão. 

Apesar disso, cá estamos para lutar. Neste espaço, tenta-se dar um contributo para melhorar um pouco o mundo em que vivo. 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Comics: Satan's Swarm; Vingadores Sem Limites; Les icônes Marvel N°08 : Wolverine


Steve Niles, Piotr Kowalski, Satan's Swarm

Quando um grupo de pessoas sem aparente ligação entre si é convidada para visitar uma ilha misteriosa, cai na garras de um cientista louco que se quer vingar de dislates do passado. O cientista encontrou uma forma de controlar o comportamento de insetos, e a vingança envolve o devorar das vítimas pelas hordes de pequenas criaturas. Uma vingança que acabará por consumir o seu criador. Há um forte toque a filmes antigos de série B nesta história (Marabunta! vem à memória), mas a história desenrola-se à pressa, sem grande cuidado. Esperava-se algo mais de um dos grandes praticantes do horror nos comics.


Derek Landy, Greg Land, Vingadores Sem Limites

Numa sequência de constantes aventuras onde se vêem a lutar ao lado dos seus mais figadais inimigos, os Vingadores apercebem-se de estranhas perdas de memória. É curioso ver os heróis a lutar contra versões possuídas por forças malévolas de si próprios, ou ao lado de Doutor Destino, Red Skull e agentes da AIM. E, apesar das suspeitas recaírem sob um novo personagem, capaz do controle de memórias, há uma força mais secreta por detrás da falta de memória, uma força que é um dos maiores vilões do universo Marvel. Aventura de inconsequente ação, é uma leitura divertida para ocupar algumas horas mortas num domingo invernoso.


Les icônes Marvel N°08 : Wolverine. Panini Comics.

Um mergulho nas várias épocas de um dos personagens mais populares do universo Marvel, sublinhando o seu eterno dilema entre herói justo mas violento e as tendências quasi-animalescas. É também um revisitar da forma como o seu grafismo evoluiu, com destaque para as épocas de Frank Miller e John Byrne, mas também para os ilustradores mais recentes, que puxam pelos limites estéticos dos comics.