quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Vampirella: A Estranha Alada

 


Ron Goulart (1976). Vampirella: A Estranha Alada. Lisboa: Portugal Press.

Ao vasculhar as estantes atulhadas da Castro e Silva na Almirante Reis, não estava à espera de encontrar uma edição portuguesa de Vampirella. A capa não engana, e tive de o trazer para  experimentar a leitura. Não é, claro, literatura pesada. É romance a metro onde Vampirella se mete em aventuras com os seus companheiros, o ilusionista decadente e amante de whisky Pendragon, e Adam Van Helsing, filho do perseguidor figadal da vampira do planeta Drakulon. 

O que podemos esperar daqui? Puro divertimento na estética nos anos 70. Mete magnatas do cinema que se querem tornar vampiros para atingir a imortalidade e escapulir-se assim de pactos com demónios, um cruzeiro fatal cujo armador o organiza como sacrifício dos passageiros a entidades demoníacas, e um casal amaldiçoado numa ilha deserta. É bizarro, um pouco pateta, e não pretende mais do que entreter. Um tipo de leitura que de vez em quando sabe bem fazer.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Vinil Rubro


Mário Freitas, Alice Prestes (2023). Vinil Rubro (Mário Breathes Comics #3). Lisboa: Kingpin Books.

Fiquei imediatamente seduzido pela elegância desta capa, e ao folhear este pequeno livro a paixão cresceu. A estética é vibrante, apesar de comedida nas cores, revelando um enorme cuidado no pormenor. O rigor quasi-geométrico das primeiras pranchas vai dando lugar a um fluir orgânico, num complemento perfeito entre estéticas  e narrativas. A história leva-nos para as paixões perdidas e os amores tóxicos, com uma ambivalência tocante.

domingo, 12 de outubro de 2025

URL

Chris Foss cover art for Norman Conquest 2066 by J.T. McIntosh, 1977: Clássicos da FC. 

Leituras da Semana (#79 // 18 Ago 2025): De facto, por cá a Argonauta e outras edições muito baratas de literatura de entretenimento, foram as equivalentes à massificação da leitura via paperback lá fora. Ainda é possível encontrar muitas destas nos alfarrabistas, entre literatura mais séria ao policial, literatura romântica ou géneros hoje praticamente extintos como o western ou as aventuras em paragens exóticas. E sobe o chat control, isso são outros quinhentos. A D3 tem feito uma luta sustentada contra esta pretensão europeia, e necessita de todo o apoio. 

Amazing Worlds: A Review: Os elos entre a ciência e a especulação informada da boa ficção científica, explorados num novo livro.


This is the stuff right here: Criaturas de susto.  

21 Ways People Are Using AI at Work: Não de formas revolucionárias, mas para acelerar tarefas cognitivas, algumas rotineiras, outras criativas. Em todas estas partilhas de experiência, há um fator comum - a ideia de usar ferramentas de IA (não só chatbots) para amplificar capacidades e conhecimentos. 

Human Interaction Is Now a Luxury Good: Dos problemas trazidos pela automação extrema de sistemas. 

A Better Way to Think About AI: A necessidade de encontrar equilíbrio entre as capacidades de automação e o bom funcionamento dos sistemas. 

Over-Filtering The Internet: A filtragem de conteúdos é terreno pantanoso. Há sempre o potencial de exageros e ser tornar uma desculpa censura ativa. Por outro lado, são necessários equilíbrios que protejam os utilizadores mais vulneráveis das redes, especialmente numa era onde a desinformação se tornou tão fácil de produzir e disseminar. 

Looks like nuclear fusion is picking up steam: Uma notícia intrigante, que mostra o crescimento de projetos públicos e privados que se desenvolvem na área da fusão nuclear. 

Fix damaged art in hours with AI: A técnica, e o projeto, é interessante. Mas duvido que gerar uma impressão, por elevada qualidade que tenha, e sobrepor à superfície da tela seja alguma vez considerada uma técnica legítima de restauro. 

Open the pod bay doors, Claude: Um belíssimo desmontar dos já entediantes desvarios sobre IAs super-inteligentes que nos vão conduzir à extinção - "Large language models are role-players. Give them a specific setup—such as an inbox and an objective—and they’ll play that part well. If you consider the thousands of science fiction stories these models ingested when they were trained, it’s no surprise they know how to act like HAL 9000". 

Behind What Looks Like AI Creativity: É controverso afirmar que a IA apresenta criatividade de alto nível. No entanto, a forma como gera resultados assemelha-se a processos naturais de auto-organização que convergem até um resultado aceitável, e isso cai dentro do espectro da criatividade. Não dirigida ou focada, mas emergente decorrente dos processos. 

Girona ha logrado descongestionar su centro histórico copiando un truco de Barcelona: borrarse de Google Maps: Porque, por vezes, a eficácia é inimiga da habitabilidade. Ou, quando os algoritmos de mapeamento indicam atalhos que acabam por dar trabalho, a solução é retirar a informação das bases de dados. Se bem que aqui o real problema é a forma como os algoritmos de gestão de percursos parece ignorar a realidade do terreno. Quantos de nós nunca deram por si à beira de um caminho de cabras que o Google Maps afiança ser o melhor caminho rodoviário entre os pontos A e B? A melhor solução seria afinar estes algoritmos para levarem mais em conta as condicionantes locais. 

I Am An AI Hater: Confesso que não vejo a IA  com tão maus olhos. Mas as críticas aqui feitas são certeiras. A IA está a ser instrumentalizada em nome do pior do capitalismo, e o preço social disso é enorme: "Critics have already written thoroughly about the environmental harms, the reinforcement of bias and generation of racist output, the cognitive harms and AI supported suicides, the problems with consent and copyright, the way AI tech companies further the patterns of empire, how it’s a con that enables fraud and disinformation and harassment and surveillance, the exploitation of workers, as an excuse to fire workers and de-skill work, how they don’t actually reason and probability and association are inadequate to the goal of intelligence, how people think it makes them faster when it makes them slower, how it is inherently mediocre and fundamentally conservative, how it is at its core a fascist technology rooted in the ideology of supremacy, defined not by its technical features but by its political ones." 

The personhood trap: How AI fakes human personality: As problemáticas da forma acrítica como muitos utilizadores interagem com a IA, ou o efeito eliza como epidemia cognitiva. 

Hackers usam Claude AI para criar ransomware: Hey, se há o vibecoding, porque não também o vibe hacking?


Philippe Druillet: Clássicos. 

AVEIRO AIR SHOW -1: O post fala de fraca divulgação. Eu, que costumo estar atento a estes eventos, só o descobri depois dele acontecer. 

El descifrado de una tablilla matemática de 3.700 años de antigüedad, procedente de Babilonia: Vestígios do rico legado intelectual sumério e acádico. 

Scientific Art: From Leonardo da Vinci to Olafur Eliasson: Falar da clivagem entre artes e ciências é redutor, e quem o faz, a qualquer dos lados que pertença, demonstra falta de cultura. A ligação entre ciência e arte sempre existiu, desde a matemática das regras perspéticas à ciência dos materiais para os pigmentos. Alguns artistas levam esta relação mais longe, usando a ciência com tema para projetos artísticos. 

How Are We Defining Art Movements In The 21st Century?: As tendências de criação artística que futuramente poderemos designar como movimentos artísticos. Note-se o papel crítico que a tecnologia digital apresenta na maioria destas tendências, não só como meio mas, fundamentalmente, como temática. 

Trump Take LEGO: Vítimas, não muito inesperadas, do desnorte da administração Trump e das suas políticas de tarifas, desmanteladoras de um sistema de comércio global do qual os estados unidos foram os principais beneficiários. 

O que a esquerda portuguesa pode aprender com Zohran Mamdani: Ou melhor, o que deve aprender. Ser direta, honesta, e não ideológica nas suas abordagens - "não ideológica" não no sentido de abandono ou ocultar de princípios, mas em clareza de discurso, recordando que os eleitores procurem quem os ajude a enfrentar os óbvios problemas trazidos pelo esmagamento económico e social neoliberal, e não sermões sobre ismos. 

The Most Enduring Tune In History?: A perenidade de um tema musical com origem medieva ibérica (a wiki aponta Portugal ou Leão), que ainda hoje incorpora a música pop. 

The Advanced Project Gemini Concepts That Could Have Been: Um dos prazeres do retro-futurismo é mergulhar nestes antigos projetos e sonhar como teria sido um mundo em que tivessem sido concretizados.

sábado, 11 de outubro de 2025

Ser Penélope

0. 

Airbus a dobrar, se bem que cruzar-me em três dias seguidos com este H145 não é bom sinal, é o tipo de transporte que queremos ter ao dispor da comunidade, mas com pouco uso.


1. 

Por pouco, não me desmanchei a chorar quando o enfermeiro dos cuidados intensivos coloca a mão no meu ombro. "Pode segurar-lhe a mão, apesar de sedada, está a sentir a sua presença", diz-me. Aguentei-me, não por patetices de homem que não pode chorar, mas porque estes não são dias de carpir, mas sim de manter os nervos no lugar, custe o que custar, para bem de todos que me rodeiam. 

Ontem fui surpreendido com a notícia que tinha a minha mulher nas urgências das Caldas da Rainha, incapaz de se mover e falar. Após análises, recebo o murro do diagnóstico preliminar arrasador: hemorragia cerebral, com indicação de transporte urgente para Santa Maria, onde chegou ao fim da tarde para ser submetida a neurocirurgia de emergência nesta madrugada (o longo tempo de espera prende-se com o quadro de patologia pré-existente dela, que é sempre delicado. Esteve sempre consciente e lúcida até à operação, e hoje quando a revi, estava sedada num necessário coma induzido, mas com resultados operatórios e prognóstico muito positivo.

Ainda não é tempo de cantar vitória, mas se a equipe médica faz transparecer que o pior foi evitado, é o que se precisa de ouvir. 

Partilho isto, não pelo caso. É doloroso, mas pessoal. Coisas da vida. Mas é o contexto que me permite relatar uma experiência duríssima com o SNS, que mostra o quanto este sistema é essencial, e o tremendo trabalho dos seus profissionais. 

Estes foram sempre inexcedíveis, calmos, compreensivos. Desde a médica que incorreu no desagrado do segurança das urgências ao levar-me a mim e outros familiares ao interior da sala de estabilização , onde a minha mulher aguardava transporte para Lisboa, dizendo "vão dar-lhe um beijinho e fiquem com ela até a virem buscar". A enfermeira do HSM que sai comigo das urgências para, à chuva, vir localizar a mãe e irmã da  minha mulher, novamente porque "vamos colocar a sua esposa em SO, para aguardar subida ao bloco, e fiquem todos com ela até decidirem que pode entrar". Até ao enfermeiro da unidade de neurocríticos que me coloca a mão no ombro, quase levando a que as emoções que controlo saiam de enxurrada. 

Pessoas inexcedíveis, competentes, de um humanismo paciente no trato com todos. Fazendo pequenos fechar de olhos a regras (que têm razão de ser) porque sabem o quanto a presença e proximidade são importantes para o doente e familiares. 

A resolução rápida, mesmo em tempo de urgências entupidas, de um problema grave e potencialmente fatal. Nestes dias em que o SNS está a ser ativamente desmantelado por sucessivos governos, cujos pomposos anúncios de melhoria e racionalidade se traduzem em menos meios para todos enquanto nos vendem o canto podre de sereia da excelência privada, é mais acutilante ver a forma como os seus profissionais lidam com o impossível, a sua cortesia e profissionalismo. Um espaço onde todos têm direito a tratamento e cuidados.

É isto que queria exprimir. A utopia neoliberal de um país sem SNS, a contrastar com o tremendo esforço de um sistema depauperado, e que apesar disso tenta dar a melhor resposta. 

Amanhã já espero encontrar a minha mulher acordada, ainda numa zona de cuidados intensivos (as questões crónicas de saúde dela requerem sempre cuidados extra). Ou talvez ainda não, ainda sedada mas com a certeza de estar estável e bem encaminhada.

Na memória, perdura o humanismo puro do enfermeiro que me coloca a  mão no ombro, gesto simbólico e sintomático da atitude de todos os profissionais que me cruzei.


2. 

A piada negra do dia: "olhe, não se assuste com o barulho dos alarmes nas máquinas da sua mulher,  está tudo bem", diz me a médica da unidade de cuidados intensivos. Quem, eu, assustar-me, digo. Nada disso. Aliás, daqui a pouco estou a cair para o lado com tanto ping e ainda me metem numa cama aqui. "Não, não", observa a médica, "aqui não". 

Demorei a processar. Até que me atingiu: ora pois claro, aqu estamos em neurocirurgia. Para ataques cardíacos não é este o piso. E não me parece que permitam confraternização entre pacientes de diferentes serviços.


3. 

Os últimos dias têm-me ensinado o valor de ser Penélope. Tecer, para depois desfiar, voltar a tecer e desfiar, para que os pretendentes sejam mantidos à distância e não levem a sua avante. 

Claro, não tenho um marido desaparecido no misterioso mediterrâneo e um bando de grunhos cheios de vontade de comer o meu pão, os meus bens e a minha pessoa. 

Mas percebo a metáfora homérica - as adversidades não podem levar a melhor. Ceder não ajuda, carpir não resolve.


4.

Isto vai soar lamechas, mas percebi que só compreendi o real significado do conceito de amor quando vi a minha mulher entreabrir os olhos no despertar do coma induzido, sorrir, agarrar-me a mão e sussurrar. Palavras que há quatro dias eram ininteligíveis, mas agora soam numa voz quase normal.

Claro, depois sussurra-me palavras românticas como "hoje fiz cocó". Enfim. Não é bem fogo que arde sem se ver, mas também serve.


5. 

Bolas, pá, resmungo, tenho três cursos superiores e não consigo abrir as barras laterais de uma cama de hospital? É só carregar num botão, diz-me  a minha mulher, veterana destas andanças. Sim, mas qual botão e onde, penso eu em modo de burro que contempla um palácio. Lá  consegui, e ajudei-a a sair da cama.

Momentos antes, silenciei a minha angústia com um sorriso e piadas parvas, ao vê-la chorar por sentir que não consegue articular as palavras. A mente está lá, felizmente (e bem topei a enfermeira a fazer rápidos testes cognitivos), mas há ainda muitos momentos em que a língua se entaramela e as palavras não saem. Sorrio, distraio-a, penso que nada é linear e mantenho o otimismo. Não posso seguir outro caminho, devo mostrar confiança, apesar de estar a lidar com situações que me são desconhecidas. 

Ao vê-la fraca,  na cama, com o cabelo rapado e nos trajes de hospital, vem-me à mente uma memória penosa. Recordo o meu pai, emaciado e carcomido pela luta de oncologia hematológica, naquelas vestes azul-claro com o logótipo do hospital. Sorrio, respiro fundo e vou limpar as migalhas do pastel de nata que ela está a saborear. Diga-se que uma das boas coisas do HSM é a cafetaria que está na zona central, a servir sandes deliciosas e sempre com pastéis de nata quentinhos e saborosos. 

Ao sair da enfermaria opto por descer as escadas, sempre ajuda a queimar as calorias em excesso. Ou achavam que só ela é que comia pastéis de nata?


6. 

Quase que consigo acertar o relógio pelo vozeirão. Na enfermaria de neurologia, há um paciente que por volta das cinco da tarde acorda da sesta e começa a berrar pelas suas meninas. "Anda cá", "chega-te cá", "vem cá, ó" seguidos de nomes femininos são o que se ouve em toda a enfermaria. Confesso que a princípio não pensei o melhor. Pensei para comigo que aquilo era um bom exemplo do que aconteceria ao masculinismo tóxico quando lhes dá uma macacoa neurológica, pensando que os chamamentos tonitruantes eram um destratar das pacientes enfermeiras da unidade. 

Hoje, fiquei a saber quem realmente é este homem. Como sempre, a verdade é mais simples do que as especulações, e muito tocante. Trata-se de um pastor, e confesso ser impossível não me comover com alguém que acorda numa enfermaria convencido que está nas serranias, a chamar pelo seu rebanho e a apoquentar-se porque as ovelhas não lhe respondem. 

Entretanto, entra uma das enfermeiras que comenta com a minha mulher que hoje está bem acompanhada. "É o marido", pergunta, mas olha novamente para mim, "ou o filho"? Comecei a rir-me e agradeci o elogio. Poderia levar esta confusão para o mal, vendo que a minha mulher, que já normalmente não é um primor de boa saúde, agora emaciada pelo internamento, de cabelo rapado e com cicatrizes, a falar com voz arrastada, parece mais velha do que realmente é. Ou posso levar isto para a malandrice, achando que sou um meio-centenário muito bem conservado, de jovem e bom aspeto, que passa bem por um pós-adolescente. 

Obviamente, segunda hipótese. Têm dúvidas?

Lost+Found

 












Às voltas por Setúbal, nos barcos abandonados na Mitrena e bateria de artilharia da Arrábida.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Da Monarquia à República


José Sardica (2011). Da Monarquia à República: Pequena História Política, Social e Militar. Lisboa: Aletheia.

Por ironias do acaso, estou a escrever esta resenha no dia 5 de outubro, quando se comemora a implantação da república. Nas minhas leituras sobre a história portuguesa do século XX, a conclusão algo incómoda que tiro é que as duas grandes revoluções que marcaram a nossa evolução política e social, o 5 de outubro e o 25 de abril, aconteceram não pela necessidade coletiva de um país que se sabe ser sub-desenvolvido e cujos cidadãos querem que evolua, mas pela inércia generalizada face a regimes que se tornaram tão esclerosados que para a derrocada bastaria um pequeno abalo. Notem, não quero com isto menorizar a importância destes dois momentos de charneira na nossa história, mas note-se que as grandes adesões e aclamações aconteceram depois, e não antes, destes momentos. 

O 5 de outubro mostra bem isso, quando se percebe que bastou um punhado mal armado de revolucionários deixar-se ficar numa zona de Lisboa para o regime cair, com os elementos que supostamente lhe seriam leais a mal levantar um dedo na sua defesa. O regime monárquico estava esgotado, e os próprios monárquicos compreendiam isso, exceto alguns mais ultras, caso de Paiva Couceiro, que graças a isso nos legou alguns dos quasi-acontecimentos mais ridículos da história desses tempos (há um livro de Pulido Valente absolutamente delicioso sobre essas tropelias).

A república também não trouxe estabilidade e depressa se diluiu em lutas internas, o que abriu caminho à outra revolução marcante do século XX português, que implantou a ditadura do estado novo. 

Este curioso livro é uma crónica dos últimos tempos da monarquia, mostrando o desgaste do final do regime constitucional, a quase inevatibilidade da sua mudança, a previsibilidade da revolução (quando os proto-revolucionários andam a passar armas em casas ao lado de comissariados de polícia e ningúem faz nada, percebe-se até que ponto a inércia reinava). Apesar dos clamores sobre o glorioso e nobre passado, na realidade a revolução trouxe um súbito fervor republicano por parte da maioria dos fervorosos súbditos reais, especialmente os praticantes do clássico tudo deve mudar para que se permaneça na mesma. 

A crónica dos momentos da revolução é também detalhada, embora com um olhar mais para as manobras políticas do que um relato factual da situação no terreno. No global, permite-nos conhecer um pouco mais a fundo um dos momentos fundamentais do Portugal moderno.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

The Gone World


Tom Sweterlitsch (2018). The Gone World. Nova Iorque: G.P. Putnam's Sons.

Uma leitura deveras surpreendente. Consegue cruzar com mestria a ficção científica e o policial procedimental, com toques de horror cósmico. A narrativa é um labirinto convoluto que, miraculosamente, faz sempre sentido até ao final. 

Seguimos uma investigadora da marinha americana que está à caça dos responsáveis pelo assassinado violento de um marinheiro e da sua família. Parece à partida um mero policial procedimental (e sim,  autor faz piadas com a série NCIS) até nos apercebermos dos detalhes e volteios da história. O livro passa-se no passado, no final dos anos 80, mas num passado onde enquanto a NASA lança foguetões para o espaço, a marinha americana dispõe de um projeto ultra-secreto capaz de sulcar as estrelas. Tendo acesso a uma tecnologia de motorização de bolhas de espaço-tempo, lançou para o espaço várias naves que atravessaram o espaço interestelar. E essa tecnologia tem uma outra utilidade: pode ser usada para viajar ao futuro.

É aqui que as coisas se começam a tornar convolutas, e intrigantes. Se viajar para o futuro é rotineiro para estes investigadores (embora o resto da sociedade e o próprio governo ignorem a existência desta tecnologia), na verdade não viajam exatamente para o seu futuro, mas sim para futuros possíveis. Futuros que, depois de serem visitados pelos viajantes, se vão extinguir como possibilidades quando estes regressam ao ponto de origem. Por vezes, há pessoas que vêm desses futuros, náufragos de um tempo que nunca virá a existir. Apesar disto, viaja-se muito para os futuros, entre a curiosidade científica e a necessidade de investigar - é uma técnica infalível, que aposto que qualquer detetive adoraria, a possibilidade de perante um crime, se poder viajar alguns anos para visitar um futuro, ler os relatórios do passado, e assim acelerar a investigação no presente.

Há ainda uma espada de dâmocles que se aproxima, inelutável. Os exploradores de futuros apercebem-se da existência de um ponto terminal, uma catástrofe que extinguirá a humanidade sob efeito de uma mal compreendida força de nano-partículas alienígena. É o toque de horror cósmico do livro, com paisagens de pessoas crucificadas, sobreviventes que correm até ao suicídio e devastação generalizada. Um ponto terminal que não é estático, e se aproxima no tempo. 

As mortes que a investigadora investiga estão relacionadas com todos estes mistérios, com uma conspiração psicopática de sobreviventes secretos de uma missão espacial que, inadvertidamente, despoletou os acontecimentos que dão origem ao ponto terminal. Todo o romance é uma história de saltos no tempo, entre futuros que se desvanecem, onde todos os detalhes se relacionam. Há variantes, vidas que se revisitam em diferentes tempos, e a compreensão de que o ponto terminal pode vir a ser evitado, se se seguir o caminho certo entre as possibilidades temporais. Se será evitado, é algo que nunca sabemos, porque o livro conclui de forma lógica - se uma ação extingue futuros prováveis, então o próprio ponto de vista do narrador extinguir-se-á com eles.

O livro é brilhante, entre o thriller policial mas com um imenso mergulho no melhor da ficção científica. O toque de horror cósmico integra-se perfeitamente nos temas, e a leitura é imparável, daquela que nos leva a perder horas de sono. Surpreende, especialmente na complexidade da forma como está concebido.

domingo, 5 de outubro de 2025

Fórum Fantástico 2025: As Escolhas Literárias do Ano


É aquela tradição anual do Fórum Fantástico, o painel das escolhas literárias do ano do João Campos, Cristina Alves, Rogério Ribeiro e eu. Como sempre, deixo aqui a minha lista dos livros que, neste ano, mais me marcaram. 

Ficção Científica, Fantástico, Horror

Agustina Bazterric: The Unworthy

A escritora argentina, que se destaca no conto cruel, cimenta sua reputação global com o livro The Unworthy, após o sucesso de Tender is the Flesh, mostrando sua capacidade de variar temas. Esta nova obra é um mergulho provocador num mundo pós-apocalíptico e em ruínas, onde a protagonista, refugiada num convento, se vê na verdade aprisionada numa seita profundamente violenta. The Unworthy oferece uma leitura implacável e desagradável pelas ideias de violência e subjeção que a autora constrói, apesar da sua escrita ser elegante. 

Matos Maia: A invasão dos marcianos: + 3 "Fantasías radiofónicas"

O texto recorda a lendária emissão radiofónica de A Guerra dos Mundos de Orson Welles e a proeza repetida em Portugal por Matos Maia, destacando que o sucesso de ambos se deveu à capacidade de adaptar a narrativa à gramática específica do meio radiofónico. O livro em questão compila o guião da adaptação de Matos Maia, juntamente com outras peças radiofónicas do autor, como Quando os Cientistas Sonham e Um Naufrágio... no Sara. Estes textos revelam Matos Maia não apenas como um grande radialista português, mas também como um raro criador de obras de ficção científica que usou a rádio como uma estrutura narrativa. 

M.S. Rosa: Da Luz Da Qual Nasceste

A aquisição deste livro no Festival Contacto foi motivada pela autora, cujos vídeos no TikTok considerava encantadores, demonstrando o apoio da comunidade portuguesa a novas vozes no fantástico. O livro surpreendeu o leitor ao afirmar uma voz pessoal forte, criando um mundo ficcional próprio e bem elaborado, que se afasta das habituais fantasias medievalistas ou de simples pastiches. Apesar do enredo linear, o livro ganha uma dimensão inesperada e profunda ao desconstruir a premissa de amor do ritual, transformando-se numa metáfora sobre desequilíbrios amorosos e relações tóxicas, e integrando de forma consciente temas não-heteronormativos e ativistas.

Kaliane Bradley: The Ministry of Time

O romance de Kaliane Bradley inicialmente ignora os paradoxos temporais, focando-se numa tradutora numa Londres futurista que consegue um emprego misterioso num departamento governamental. A sua missão chocante envolve acompanhar expatriados resgatados do passado antes de morrerem, o que contrasta os seus costumes com a modernidade, servindo como uma metáfora sutil sobre migração e a manipulação de deslocados. A narrativa revela-se mais complexa, culminando na descoberta de que toda a história é parte de um ciclo de paradoxos temporais manipulados por uma versão futura da protagonista para alcançar um resultado desejado. 

Steven L. Peck: A Short Stay in Hell

O conto é profundamente influenciado por "A Biblioteca de Babel" de Borges, estendendo a ideia de um lugar que, embora pareça um paraíso para bibliófilos, é na verdade o inferno. A condenação de um homem religioso, que acreditou na fé errada, não é um tormento tradicional, mas sim ser enviado a uma biblioteca infinita. Para alcançar o paraíso, o condenado recebe o desafio de encontrar o livro que conte a história da sua vida, uma tarefa impossível na vasta e monótona biblioteca, onde a única certeza é que nada mudará ao longo dos milénios.

Sierra Greer: Annie Bot

Esta novela de ficção científica, Annie Bot, revisita o tema do andróide feminino — comum em contos clássicos como Olympia e L'Éve Future — para explorar a fantasia masculina de ter uma mulher dócil e submissa, mas com um mergulho corajoso na violência sexual e doméstica. O livro centra-se na relação desequilibrada entre um homem e a sua andróide de companhia topo de gama, cujas funções de IA generativas lhe permitem desenvolver lentamente uma consciência e autonomia. A história funciona como uma metáfora pouco subtil sobre o abuso, a dominação e as relações tóxicas, onde a autonomia da andróide é constantemente ameaçada pela possibilidade de ser revertida pelos comandos de obediência do seu dono, refletindo o ciclo de violência doméstica.

Pedro Medina Ribeiro: A Serpente no Sótão

Esta coletânea de contos góticos de Pedro Medina Ribeiro é uma excelente surpresa que, embora beba do estilo clássico das histórias de assombrações, não se limita a ser um pastiche. O autor recupera a forma elegante e o tom literário do género, transportando o leitor para um universo de bizarrias sobrenaturais e o temor do escuro. A modernidade está sempre presente nos contos, mesmo naqueles que se passam no século XIX, demonstrando o domínio do estilo por Medina Ribeiro.

Kevin J. Anderson: Nether Station

Este livro é uma mistura perfeita e empolgante de Hard SF e horror cósmico lovecraftiano, seguindo as desventuras de uma investigadora especializada em buracos negros que se junta a uma expedição para estudar um misterioso wormhole na orla do sistema solar. Após uma longa viagem, a equipa de exploração depara-se com descobertas mirabolantes, como cadáveres alienígenas mumificados e arquitetura não-euclidiana que gradualmente mergulham a tripulação num crescente inevitável de horror e loucura. O ritmo imparável da narrativa revela uma guerra cataclísmica contra criaturas de horror cósmico, banidas para os espaços intersticiais e despertadas pela travessia do wormhole, misturando com mestria o mythos de Lovecraft com a ficção científica clássica.

Hanna Bervoets: We Had to Remove This Post

Esta novela curta e dura aborda os efeitos psicológicos e emocionais da moderação de conteúdos na economia digital, contando a história ficcional de uma jovem que lida diariamente com o pior do ser humano. A narrativa explora a dureza deste trabalho, caracterizado por baixos salários, longas horas e falta de apoio psicológico, que expõe os trabalhadores a violência extrema e traumas profundos, dos quais a sociedade prefere desviar o olhar. O livro surpreende no final, ao revelar que a espiral depressiva e traumática não se refere à ex-companheira da protagonista, mas sim à própria personagem, cuja visão do mundo foi irremediavelmente corrompida, levando-a a perder a sua humanidade.

Banda Desenhada

Maxwell Prince, Martin Morazzo: Ice Cream Man

Em formato episódico, as desventuras onde pontua um infernal vendedor de gelados, o trabalho de Maxwell Prince e Martin Morazzo tem nos dado das histórias mais intrigantes e arrepiantes do horror contemporâneo. O resultado da dupla é uma das mais brilhantes séries de BD da atualidade. Cada novo número surpreende, pelo experimentalismo narrativo, grafismo limpo e visão única do terror. Acho que nunca li nenhuma série em que todos os números surpreendem. 

Miguel Gonçalves, Damián Connelly: Nightmare Tales: A Horror Comic Anthology

Uma excelente surpresa, esta edição recentíssima (saiu em maio deste ano). Colige histórias curtas de terror muito puro e duro, com uma assombrosa ilustração a preto e branco. Miguel Gonçalves assina as histórias tenebrosas, cada qual um curto conto bem desenvolvido e eficaz. O trabalho gráfico de Damien Connelly complementa de forma excelente as histórias. O estilo é fortemente expressionista e implacável com o leitor, num efeito final muito belo sobre o leitor.

Max Bardin: Peter Pank

Fãs portugueses mais velhos recordam a revista brasileira Animal, um fenómeno underground que, nos anos 80 e 90, trazia o melhor da BD europeia e brasileira de vanguarda, com um conteúdo adulto e sem compromissos. Nas suas páginas, brilhavam personagens radicais como o robô Ranxerox, Squeak the Mouse e, em particular, Peter Pank, do espanhol Max Bardin. Bardin recriou o esqueleto de Peter Pan na perspetiva da rebeldia punk dos anos 80, transformando a Terra do Nunca numa "Terra dos Punks" habitada por toxicodependentes e ninfomaníacas, onde Peter Pank é um anti-herói assumidamente violento e punk. Esta edição de Peter Pank é um marco incontornável da iconoclastia underground da BD europeia, com o seu humor corrosivo e um traço acutilante. 

Não Ficção

Onésimo Teotónio Almeida: O Século dos Prodígios: A Ciência no Portugal da Expansão

Com prosa lúcida, Onésimo Teotónio Almeida aborda uma lacuna na história da ciência, argumentando que os Descobrimentos portugueses exigiram e promoveram um pioneirismo científico concertado na geografia, matemática e astronomia, séculos antes do Iluminismo europeu. O autor demonstra, através de tratados náuticos e matemáticos da época, o surgimento de um espírito crítico que rebatia a ciência escolástica em favor da observação empírica e da análise das novas realidades trazidas pela navegação. Este "dealbar do questionar científico" português não foi sustentado, o que explica o esquecimento do contributo ibérico para o método científico, cujas razões são analisadas no final do livro. 

André Brun: A Malta das Trincheiras

A história do Corpo Expedicionário Português (CEP) na Primeira Guerra Mundial, marcada pela precária preparação e pelo abandono dos soldados por uma jovem república, é pouco discutida em Portugal por não ser honrosa, sendo La Lys o seu momento mais trágico. O romance do participante André Brun, comandante de infantaria, não segue uma estrutura linear, mas sim reúne vinhetas de memórias que registam a vida e as ações dos soldados portugueses nas trincheiras da Flandres. O livro, embora escrito com um tom patriótico e militarista, é um documento acutilante que humaniza a experiência dos seus homens, apelidados de "lãzudos", destacando o fatalismo, a coragem e as interações no quotidiano da guerra.

Ryszard Kapuściński: Andanças com Heródoto

O livro é um profundo diálogo mental que entrelaça as experiências de viagem do jornalista Kapuściński durante a segunda metade do século XX com as de Heródoto, o "pai da História", revelando um fio contínuo de humanismo ao longo da história. Kapuściński, inexperiente e enviado a países periféricos durante a Guerra Fria, como a Índia, Egito e nações africanas recém-independentes, usa as suas memórias para retratar um passado recente já desaparecido. O jornalista estabelece um complexo diálogo com o viajante da Antiguidade através da obra de Heródoto, que o acompanha, notando um relativismo comum na busca por compreender as geografias, os povos e os seus costumes, e a verdade condicionada pela perceção de quem conta a história.

Alec Nevala-Lee: Astounding: John W. Campbell, Isaac Asimov, Robert A. Heinlein, L. Ron Hubbard, and the Golden Age of Science Fiction

Esta biografia de John W. Campbell, lendário editor da Astounding, assume o desafio de humanizar figuras de charneira da FC, reconhecendo o seu contributo fundamental para o género, mas expondo as suas falhas pessoais, como racismo e misoginia. O trabalho editorial de Campbell foi crucial para guiar escritores como Isaac Asimov e Robert Heinlein a focar-se na especulação científica, elevando a FC das simples histórias de aventura, apesar das limitações estéticas de tempo. Nevala-Lee traça ainda o retrato complexo das relações pessoais e literárias entre Campbell e seus autores, arrasando L. Ron Hubbard e revelando a cultura tóxica que contaminou o fandom desde o seu início.

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Illustrations from Mary Shelley's Frankenstein by Bernie Wrightson (1983): Da absoluta mestria gráfica. 

O cânone: Uma velha discussão, que volta e meia regressa à tona. Pessoalmente, não vejo os cânones literários como essencialmente úteis para estudantes de literatura. São também guias para leitores mergulharem a fundo na linha histórica do género literário. Ler autores de referência e não gostar das suas obras faz parte, do meu ponto de vista, do processo de compreender a ficção científica enquanto género literário, os caminhos que percorreu, e não é preciso ser-se crítico ou académico para sentir essa necessidade. Por outro lado, cânones rígidos não nos servem. Há autores que envelhecem mal, outros injustamente esquecidos, e um cânone que não evolua e integre novas obras, novas vozes, não serve de muito. Essa discussão vivaz alimenta o gosto pela ficção científica. Claro que se olharmos para os cânones como guias rígidos e fundamentais, como o João Campos observa, estamos a perder o melhor de ler FC: ler o que nos apetece, entretém, intriga e apaixona. O cânone tem muito esse estigma, de leitura obrigatória que se faz por imposição, culpa das gerações de académicos desinspirados (e legiões de professores, razão pela qual desconfio muito da real eficácia de medidas de promoção de leitura ou o culto aos grandes escritores nos currículos escolares) que confundem o processo - a leitura da obra, com o objetivo, o fruir da leitura, acabando como encarar os livros como um obstáculo a ultrapassar ou degrau a subir em vez de, bem, algo que estimula o leitor a refletir e imaginar. 

Are These the 100 Best Science Fiction Novels of All Time?: Sim para uns, não para outros, e está aqui o interesse das listas e dos cânones. São indicadores, e devem ser vistos como tal, como meios para ajudar a desbravar a longa história editorial da FC. O erro está quando os consideramos com fins em si, imutáveis e imponentes.

Tales from Nevermore: Um livro que está no meu radar de leituras (mas vou aguardar pelo Fórum Fantástico para o comprar). Não só por mexer com Poe, mas porque o estilo gráfico é assombroso.

Captain Kingdom And Captain France Join Marvel Comics' Captain América: Tenho estado a seguir este Capitão América militarizado. Não é uma variação de Steve Rogers, a Marvel está claramente a querer testar o mercado e a perceber se consegue recriar o personagem para as novas gerações, com um novo Capitão dos tempos atuais, enquanto desloca o clássico para personagem secundária. 

Large Eyes, Pointy Chins, Pointy Noses: How Manga Became Manga: As origens dos traços iconográficos de representação humana que são a principal característica do manga.

A Tale of Sex and Intrigue in Imperial Kyoto: A milenária obra de literatura japonesa clássica, e uma jornalista obcecada com o japonismo da sua estética. 

The Best Solarpunk Books, recommended by Sarena Ulibarri: Livros do movimento estético da FC que procura ir em direção ao otimismo tecnológico e ambiental. Um espaço de ideias necessário para contrariar os pontos de vista catastrofistas.

One of my favorite space operas is coming back to print: Uma boa notícia. Li algumas das histórias nos tempos em que a Asimov chegava cá, e eram divertidas e interessantes. Noto também a ironia negra de uma série cuja premissa-base é a fuga de rebeldes e inadaptados a um governo fascista americano. Isto foi escrito há vinte anos, não nos dias que correm.

Denmark Ends Its 25% Sales Tax On Books: Duas notas que me ficaram em mente. Não esperava que a Dinamarca, que no nosso cantinho à beira mar consideramos dos países avançados na europa, tivesse baixas taxas de leitura entre os mais jovens; e a medida em si, que indica custos muito elevados nos livros. Recordo há uns anos, durante um encontro eTwinning, ter trocado ideias com uma colega dinamarquesa, apaixonada por FC, que me disse que o negócio editorial por lá sofria de um grave problema. A literacia dos dinamarqueses em inglês é muito elevada, e preferem ler os livros mais baratos em inglês. Isto significa, disse-me, que é raro haver traduções, e os livros em dinamarquês nas livrarias são de autores dinamarqueses. Por cá temos um problema semelhante no que toca à ficção científica (no caso da fantasia, nem tanto): quando um editor publica uma tradução de obra de FC, a maioria do seu público já a leu em inglês.


Superman sample cover (1928): Mais rápido do que uma bala. 

Un hombre vendió su imagen por 750 dólares para convertirla en IA: ahora ha descubierto con horror que vende horóscopos en TikTok: Traços de modernidade - quando cedemos os direitos da nossa imagem na era da IA, ela pode ser manipulada para qualquer contexto. 

Wireborn Vs Clanker: Na sua newsletter, Warren Ellis traça as novas expressões vernaculares que empregamos para designar as tecnologias que utilizamos, ou somos forçados a utilizar. Com a curiosa característica de muitos dos termos terem conotações insultuosas. 

Un generador de «marcianitos» de Space Invaders: Nada como um software divertido para passar o tempo.

How churches use data and AI as engines of surveillance: Claro que a uma igreja, cujo modelo de negócio predatório explora os mais frágeis em termos sociais, emocionais ou mentais, dá imenso jeito o uso de ferramentas de IA que tornam mais eficaz o trabalho de encontrar alvos fáceis.

El no tan remoto futuro de los colegios: los alumnos harán trabajos con IA que los profesores corregirán con IA: Uma parte não aprende, a outra não ensina. 

10 open-source apps I recommend every Windows user download - for free: Confesso que fico a coçar a cabeça sempre que me deparo com alguém que me diz não conseguir trabalhar sem o Microsoft office. Há anos que me livrei dele.

::vtol:: Kinetic Sculptures, Robotics and Code-Driven Installations: Essencialmente, é isto, a tecnologia é uma linguagem que nos permite explorar horizontes estéticos - "In fact, when you master one technical language as your tool – like electronics or programming – other ‘mediums’ become clearer and easier to learn quickly. The main thing is to understand the logic of data and signals and how they can interact with each other if needed. This rapidly and easily expands your expressive range".

Scientists Created an Entire Social Network Where Every User Is a Bot, and Something Wild Happened: Até as IAs percebem que o que sustenta as redes sociais é o enviesamento e o extremismo. O que gera choque desperta a atenção, e transformar isso num negócio extrativo tem sido o modelo das empresas que gerem redes sociais. Afirmam querer ser ágoras digitais que interligam as pessoas de forma benéfica, mas na verdade, quanto mais tóxico o ambiente, mais lucram. Os efeitos sociais e culturais disso, estamos a vivê-los, com o crescimento dos extremismos e discursos de ódio alimentados pela amplificação algorítmica.

In a first, Google has released data on how much energy an AI prompt uses: Parece pouco, mas reparem que um prompt não chega, uma interação com um chatbot requer sempre vários prompts. Acumulem o efeito ao longo dos milhões de interações dos utilizadores, e temos um problema energético e ambiental. Se bem que aqui, creio que a solução passa pela consciencialização e pela adoção de energias verdes, e não por uma falsa rejeição da tecnologia. 

SpaceX has built the machine to build the machine. But what about the machine?: Um olhar para as gargantuescas instalações onde a SpaceX planeia levar a cabo o ambicioso plano de manufaturar Starships. 

Ucrania ha entrado en una fase tan desquiciada con los drones que sus drones se están derribando a sí mismos: Toda uma nova noção de confusão no campo de batalha, com as comunicações eletrônicas tão saturadas que os operadores de drones se vêem, por vezes, a controlar os drones inimigos. 

Alemanha pode proibir adblockers: A desculpa, levantada pelos grupos de media, é que a tecnologia dos adblockers interfere com a propriedade intelectual dos detentores das páginas. Navegar na net sem adblockers é um pesadelo, e se os tribunais alemães decidirem a favor dos grupos de media, a coisa pode ainda ficar pior. 

Free Open-Source Tools for Students: Ferramentas livres e abertas de apoio ao estudo e investigação. 

AI browsers may be the best thing that ever happened to scammers: Para surpresa de ninguém, é fácil enganar os assistentes de IA. 

This isn’t About Cheating, but a Loss of Dominance: Compreendo bem esta posição de Gary Stager. As ferramentas de IA, e a forma como estão a ser introduzidas na educação, são preocupantes. Desde os alunos que passam a gerar trabalhos sem realmente os fazer aos professores que se enamoram por ferramentas, sem esquecer o risco de AI slop na automatização de conteúdos. Tudo aponta para que a IA seja empobrecedora e dê aos seus utilizadores um falso sentido de capacitação, onde a confiança na resposta do chatbot se sobrepõe à aquisição de conhecimento. E, no entanto, as ferramentas existem, abrem possibilidades muito interessantes. Recusá-las, ou bloqueá-las, é um erro tremendo. Notem que Stager é um construtivista puro, seguidor de Papert, firme crente na aprendizagem por experimentação, projetos, mãos na massa. Se pensarmos de forma linear, encarando a IA como mera respondedora de perguntas e meio de martelar trabalhos escolares, Stager teria tudo para estar contra o seu uso. A sua intuição é que é uma poderosa ferramenta cognitiva para experimentarmos. E se agora estamos a levar com aplicações pouco desejáveis, é usando e experimentado que faremos evoluir as ferramentas de IA para algo de verdadeiramente útil, e, esperemos, democrático. 

La historia del teléfono móvil a lo largo de más de 40 años: De uma tecnologia de nicho a objeto indispensável para todos. 

The 60-Year Old Algorithm Underlying Today’s Tech: Uma análise histórica da importância do algoritmo de transformação rápida de Fourier. 

El auge de los "cero posts": cada vez más personas están dejando de publicar cosas en sus redes sociales: Uma combinação de fadiga com a constatação que as redes sociais enriqueceram à custa dos detalhes das nossas vidas, sem que isso se tenha traduzido em benefícios para nós, e uma mudança para formas de comunicação digital mais instantâneas com grupos de pessoas fisicamente próximas.

"No se puede predecir si habrá interferencias": por qué las aerolíneas nos siguen obligando a poner el modo avión en 2025: Apesar da proteção eletromagnética das aeronaves ser hoje muito maior do que era nos primórdios dos telemóveis, continua a haver boas razões para implementar o modo de voo. Há a diminuição de ruído e interferência nas comunicações dos pilotos, e, também, o absurdo que é ter telemóveis em busca de rede em altitudes onde não há cobertura. Ainda juntaria mais uma razão. Imaginem que os telemóveis funcionariam na perfeição em voo. Querem mesmo ter a sorte de partilhar a fila com uma daquelas pessoas que em viagem, passa todo o tempo ao telemóvel a fazer relatos sobre a sua vida pessoal num tom de voz que permite a quem está do lado de lá, e a todos os que partilham o meio de transporte, ficar a saber todos os pormenores?

Microsoft ha metido Copilot en Excel. Y también ha avisado de que no lo uses si necesitas que los resultados sean correctos: Dada a complexidade do Excel, faz sentido a implementação de assistentes de IA, e esta cautela é um sinal positivo.


Inside Earth: Arquiteturas interiores. 

A Place You Probably Don’t Want To Live: Oklahoma To Vet Teachers With America Loyalty Test: Bem, li bem? Infelizmente sim, e como é possível que uma democracia ocidental esteja apaixonada por um tipo de medidas que faz parte dos sonhos húmidos dos autoritaristas, desde os velhos fachos aos tiranetes dos regimes que agora é moda apelidar de "iliberais". 

After recent tests, China appears likely to beat the United States back to the Moon: E com um governo americano dominado por idiotas absurdos que fazem da anti-ciência bandeira eleitoral, não me surpreenderá nada esta ultrapassagem. 

Como nos podemos perder em tempos de trends, tops e recomendações: Esta observação é certeira - "Atualmente viajamos mais para confirmar do que para descobrir". Efeitos do mercado da viralização, sustentado por milhões de listas, instagrams e tiktoks que nos mostram os recantos perfeitos, o que todos devemos visitar. Esquecemos o gosto no acaso enquanto calcorreamos os locais, saltando de fila em fila, porque é esse o real efeito das redes sociais, os locais bucólicos, paradisíacos ou de bom garfo são na verdade o corolário de longas esperas na multidão. 

French Rafale Jet virtually downs US F-35 Fighter in dogfight yet modern warfare is fought beyond visual range: Bem, confesso que é algo inesperado ver um moderníssimo F35 a ser dominado por um Rafale, mas há razões para isso - o Rafale está otimizado para a proximidade. A questão é que ao contrário da mitificação na cultura pop, o combate aéreo raramente se faz em proximidade, mas sim a centenas de quilómetros de distância. Que o digam os pilotos de Rafale indianos abatidos por J-10 paquistaneses. 

China ha creado un sistema donde fábricas al otro lado del mundo "montan" sus coches. Y Europa lo está aplicando en Argelia: Quando fabricar se torna uma mera assemblagem de kits pré-manufaturados. 

Hay gente quemando sus Labubus en redes. El motivo: una teoría loca que los relaciona con un diablo de Mesopotâmia: Os labubu já são em si uma daquelas modas muito patetas, um daqueles fogachos virais fugazes que fazem o deleite do capitalismo puro. Mas, claro, há sempre burrice mais profunda do que gastar dinheiro em bonecos feios. Pobre Pazuzu, não merecia esta desfeita. Ou toda a mitologia das civilizações suméria e acádica, já que falamos nisso. 

La sidra del País Vasco también se mide en kilovatios: así es el nuevo proyecto agrovoltaico en Álava: A instalação de centrais de painéis solares é um assunto polémico, embora seja um aproveitamento muito óbvio numa região como a península ibérica, onde há muito sol, e muitos espaços vazios. O interessante acontece quando estes projetos assumem um uso dual, onde a instalação de painéis não implica a inutilização do campo agrícola. 

Un ingeniero de Google se mudó a un camión aparcado en el campus de la empresa. Se ahorraba el alquiler y el 90% de su sueldo: Pináculos do capitalismo, a forma como se normalizou trabalhar (muito), relativamente bem remunerado, mas ter de se viver em condições precárias porque a combinação de sistema financeiro e especulação imobiliária torna incomportável alugar uma casa, e ter uma vida digna. É este o modelo que queremos para a nossa sociedade?

The case against humans in space: Como amante de FC (com especial prazer na Space Opera), sou daqueles que sonha com a vida no espaço. Mas as realidades sociológicas, tecnológicas e fisiológicas mostram que é um sonho quase impossível.

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Annie Bot


Sierra Greer (2024). Annie Bot. Nova Iorque: Mariner Books.

Durante a leitura deste livro, estavam constantemente a vir à minha mente dois contos clássicos: Olympia de ETA Hoffmann, e L'Éve Future de de le Isle-Adam. São dois textos dos primórdios da ficção científica, que estabaleceram em pleno século XIX a temática deste Annie Bot - o sonho masculino de ter a mulher como dócil, submissiva e sexualmente disponível, onde na impossibilidade das humanas incarnarem este desejo, recorre-se à ciência para construir a mulher-objeto, corolário destas fantasias masculinas. 

Mais comedidos, dada a sensibilidade dos tempos, Hoffmann  mostra-nos a paixão por um simulacro feminino cuja maior virtude é o seu silêncio distante, que enlouquece o protagonista, e Isle-Adam o protótipo mecânico de mulher doméstica perfeita, bela e servil. Greer vai mais longe, bem mais longe, e não tem medo de mergulhar na violência sexual e doméstica, nesta história de um amor desiquilibrado entre um homem e uma andróide consciente. A autora cruza as visões da robótica contemporânea, IA e consciência, e as fantasias sumbissivas masculinas num romance de FC near-future onde o foco está na forma como a tecnologia é instrumentalizada para perpetuar estereótipos e vícios sociais.

O livro centra-se na relação entre o personagem humano e a sua robot de companhia, uma andróide topo de gama que mimetiza a aparência e comportamento de uma mulher. A robot é um produto de mercado, de uma linha empresarial que vende robots de companhia sexual, criadas ou amas, em versões femininas ou masculinas. Para que a verisimilitude para com uma mulher real seja maior, os donos destes robots podem optar por ativar funções avançadas que simulam consciência. Estas funções são generativas, permitindo aos robots desenvolver um tipo de auto-consciência e autonomia com o tempo, evoluíndo de acordo com as suas experiências. 

A autora não se mete no terreno movediço das consciências artificiais, fica pela ideia que os algoritmos da robot a começam a tornar consciente, autónoma e questionadora da sua vida e realidade. É no confronto entre a personalidade sintética que se desenvolve e as ações do seu dono humano que reside o conflito motor do livro. É de notar, culminando num pormenor que possibilita o final feliz à história, que Greer está atenta às incoerências das consciências virtuais num sistema subordinado âs vontades dos seus donos. Até aos últimos momentos percebemos o conflito entre uma personalidade autónoma, mas que corre sobre algoritmos de obediência, onde basta um comando para travar autonomias e subjugar as ações. A autonomia está sempre a um botão de distãncia de ser desligada, e os donos podem sempre optar por reverter as personalidades das robots de companhia, se estas evoluírem de formas que lhes desagradem. Há aqui uma metáfora social sobre ideias arreigadas, que muitas vezes impedem as vítimas de violência doméstica de se libertar do ciclo abusivo, também. 

Aliás, por dentro da casca da ficção científica, todo o livro é uma pouco subtil metáfora que aborda esta temática. Abuso, dominação numa relação, as frustrações do homem que se espelham no destratamento físico e emocinal da mulher, as manipulações emocionais, o oscilar entre o amor e sentimento à raiva, a afirmação possessiva sobre a pessoa, considerada um objeto. Mesmo que nesta história a pessoa, a vítima, seja mesmo um objeto, um mecanismo avançado que ao simular consciência, talvez esteja mesmo a tornar-se consciente.

Annie Bot surpreende, pela forma como não tem medo de usar a ficção científica para abordar temas socialmente complexos. Brinca, muito a sério, com a fetishização do corpo feminino e os velhos sonhos de mulheres submissas. Toca na inteligência artificial, nas visoes utópicas e sociais da robótica, numa leitura de metáforas bastante visíveis.

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Historias de la historia de España


Marcelino Lominchar (2025). Historias de la historia de España . Córdova: Sekotia. 

Um mergulho leve, embora de grande amplitude, na história espanhola. Um livro que se constrói de curiosidades e personagens, momentos históricos e conflitos. Da pré-história à atualidade, com especial foco na idade média com a reconquista, e no século de ouro, o tempo em que Espanha estava no auge do seu poder e território. É uma leitura interessante, boa para conhecer um pouco mais mas sem mergulhar na aridez a história do nosso vizinho ibérico, que tantas vezes se intersecta com a nossa. 

Há um toque ideológico no livro, depressa se nota quando o autor lamenta que dados personagens da história espanhola, especialmente combatentes, exploradores ou heróis de guerra, estejam esquecidos. Assume uma desajeitada perspetiva conservadora (mas consegue perceber a ironia da posição quando, ao falar de Pizarro, os defeitos são tantos que o autor confessa tornar-se difícil defender o seu papel na história). No entato, é uma perspetiva pessoal assumida, e não estraga o livro. Até porque há que dar razão ao autor. Cá, como lá, esquecemos demasiadas vezes as nossas personalidades do passado, ignoramos os momentos, e somos rápidos a julgar a história com padrões binários. Mas a história é complexa, e não deve ser analisada sob o ponto de vista dos absolutos. É nas suas imperfeições que está a sua riqueza.

domingo, 28 de setembro de 2025

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Dracula trade paperback #1, Warren Publishing, 1972: Provas que Esteban Maroto foi dos mais incríveis ilustradores de horror e fantasia. 

You Can Only Watch 20 Films for the Rest of Your Life: Bem, mas multiplicando pelos quatro contribuidores, dará para ver mais do que vinte, espero. 

Recommended serving size: O novo livro de Annalee Newitz promete ser um mergulho na FC social mais consciente. 

Has The Digital Age Led To A Golden Period Of Reading?: E porque não? Os ecrãs e redes sociais não são inimigos dos bibliófilos. Através das redes, conseguimos cruzar-nos, reforçar laços pessoais, e descobrir novas leituras.

Mistério e Imaginação: o Drácula de 1968: As elegâncias do terror exploitation dos anos 60.

17 more SF/F books to check out for the rest of August: Boas novidades literárias, entre clássicos que regressam à edição e novos autores.

Celebrating 50 years of The Rocky Horror Picture Show: Um filme de culto icónico, que sabe sempre bem rever (e cantarolar as músicas).

Here are the winners of the 2025 Hugo Awards: Confesso que ando um pouco distante das novas vozes da FC, embora tenha lido alguns dos livros nomeados para os Hugo deste ano.


This is All About Ghosts (1977): Arrepios. 

Clippy: A Little History of Little Guys: Recordar o icónico assistente, hoje saudoso por ironia, mas que quando foi implementado era encarado como um empecilho. O interessante é descobrir que o que o tornou um empecilho, e não a ferramenta útil como foi concebida, foram decisões financeiras. 

The Facial-Recognition Sham: Os riscos para a privacidade da má implementação de tecnologias de identificação e validação baseados em reconhecimento facial. Que, em parte, acontecem por desleixo intencional das empresas. Quando obrigadas a implementar sistemas de validação de acesso por questões sociais, fazem-no de forma tão displicente, como mostra o exemplo de miúdos a apontar capturas de ecrã de personagens de jogo para a câmara e com isso desbloquear o acesso a sites pornográficos. 

Why AI chatbots make bad teachers - and how teachers can exploit that weakness: A resposta é direta - porque foram treinados no lado mecanicista da educação, nos planos de aula a metro e na memorização de dados para testagem: "That is one of the reasons that ChatGPT and other bots are regularly acing the kinds of standardized tests where US students increasingly fail: The program has mastered the routine, the regurgitation of rote information". 

Computer Science Grads Are Being Forced to Work Fast Food Jobs as AI Tanks Their Career: Confesso que começo a sentir pena da IA. É uma tecnologia com costas largas, e está a ser bode expiatório para tendências que, francamente, são reflexo da ganância capitalista descontrolada. Os patrões e gestores sabem que a IA lhes dá uma desculpa para se livrarem de parte dos trabalhadores, e sobrecarregar os que ficam com mais trabalho. 

How AI Has Changed Your Teaching: Relatos do impacto prático do uso de IA na educação, entre o seu uso displicente e o potencial de ampliação de capacidades. Se bem que nestas coisas a natureza humana é implacável, o que significa que a esmagadora maioria dos relatos mostra o uso displicente desta tecnologia. 

Leituras da Semana (#77 // 11 Ago 2025): É uma das características da economia no século XXI, a forma como as empresas desprezam quer os seus trabalhadores, quer os seus clientes. E como o João observa muito bem, a criminosa tendência para digitalizar serviços com plataformas de má qualidade, que se são difíceis para quem tem literacia digital razoável ou boa, são impossíveis para os setores da população mais envelhecida ou com baixos níveis de literacia. Tudo isto é de uma falta de humanismo gritante: "Poupa-se uns milhões de euros para as empresas privadas, precariza-se ainda mais a situação laboral de dezenas de milhares de pessoas, e se morrer alguém no processo a culpa morre solteira. Deve ser isto aquela coisa a que chamam de “progresso”". 

Smartphone Hackability, or, A Pocket Computer That Isn’t: Uma proposta modesta, mas interessante - e se os telemóveis fossem repensados para libertar o seu potencial computacional? É que de facto eles têm grandes capacidades, mas as limitações de conceção do hardware e sistema operativo reduzem-nos a máquinas de consumo de conteúdos. Amargamente, reconheço que isto é intencional, que a limiteção das capacidades dos dispositivos móveis faz parte do modelo de negócio da era digital, entre os fabricantes, operadoras e plataformas de verborreia de conteúdos. 

The Awkward Adolescence of a Media Revolution: Com as redes sociais a tornar-se o primeiro recurso informativo dos utilizadores de media digitais, crescem os riscos de desinformação e lixo informativo. Por outro lado, cresce também o esforço de criadores independentes e media tradicionais, que usam as redes sociais para informar com veracidade e correção. 

Silicon Doodles & Microchip Art: Arte que (quase) ninguém vê. Os desenhos que os criadores de microchips embeberam nos seus designs são um daqueles exemplos da vontade que nós, humanos, temos de simplesmente criar. 

The AI Takeover of Education Is Just Getting Started: Sim, não há volta a dar. As ferramentas estão cá, são acessíveis, e vão ser usadas por todos os envolvidos no processo educativo, quer sejam alunos, quer professores. O grande risco, do meu ponto de vista, nem é o muito falado hábito dos alunos passarem a pespegar respostas do chatgpt como trabalho, é o reforçar, ainda mais, da tendência para o instrucionismo, para a aprendizagem baseada na pergunta, resposta e memorização, que é o que é o prometido por muitos dos que estão a desenvolver assistentes de IA para a educação. 

These smart glasses use AI to help low-vision users: É um uso interessante de LLMs, para apoiar pessoas com baixa visão. 


Ron Walotsky, 1974: Psicadelices. 

R. U. a Cyberpunk in 02025 AD?: Talvez mais do que nunca, dado que certos aspetos da nossa sociedade parecem refletir as velhas distopias cyberpunk. 

No es que Europa se esté rearmando, es que está construyendo una fábrica de armas del tamaño de 1.000 campos de fútbol: Evidências do acordar do interesse europeu em incrementar a defesa. 

5194) A riqueza e o lixo: Os traumas da vida numa sociedade capitalista, que depende da constância do ato de consumir. 

Las "7 Magníficas" creen dominar el mundo: este gráfico muestra cómo las corporaciones del siglo XVIII ya duplicaban su valor: Um recordar que as megacorporações não são um fenómeno moderno. E, é interessante ver que as mais valorizadas empresas de sempre (hoje já inexistentes) tinham como modelo de negócio a exploração colonial a todo o custo. Não é assim tão fundamentalmente diferente do modelo que sustenta as gigantes do digital. 

Zamora y Ourense solo eran más ricas que las provincias más pobres del sur de España por las pensiones. Y ya las están perdiendo: Geralmente os sistemas de pensões são-nos apresentados como um fardo económico e social. Não surpreende, dada a tendência de neoliberalismo descontrolado das nossas classes políticas, que nos querem convencer que qualquer cêntimo gasto nos cidadãos e não a enriquecer os seus patronos financeiros é um enorme desperdício de recursos públicos. No entanto, para lá do humanismo elementar de garantir meios de sobrevivência a pessoas que estão, por idade ou saúde, afastadas do mundo laboral (e merecidamente, a vida não é trabalhar até morrer), as pensões são também um motor económico, gerador de empregos e riqueza. 

Israel’s right-wing government has murdered five Al Jazeera journalists in a deliberate attack targeting front-line journalist Anas al-Sharif: É incrível como já normalizámos como rotina um estado que comete crimes de guerra de forma impune. 

SIGINT During World War II: Um mimo para quem quer conhecer mais a fundo quer a história da II Guerra, quer a da tecnologia. O livro é curto, mas detalha as incipentes operações de espionagem eletrónica. 

Pluralistic: Maga's boss class think they are immune to American carnage: Doctorow, como sempre em cheio, a caracterizar na perfeição o impulso por detrás do conservadorismo, populismo e extrema direita para a qual estamos a derivar - grupos de pessoas poderosas, que instrumentalizam os mais néscios para reforçar os seus privilégios enquanto pioram as condições para toda a sociedade: "Conservatism consists of exactly one proposition, to wit: There must be in-groups whom the law protects but does not bind, alongside out-groups whom the law binds but does not protect." 

Los piratas han convertido al Mar Rojo en un infierno para los barcos de todo el mundo. Con una excepción: los chinos: Tricas geopololíticas, ou como o braço discreto da China trava os riscos numa das zonas mais quentes dos mares. 

Oculi Mundi muestra las cartografías del mundo y del universo con imágenes y objetos de alta calidad: Um docinho para amantes da cartografia antiga. 

The Song of the Summer Is Dead: Sintomas do estilhaçar cultural induzido pela cultura digital - neste verão, não parece ter existido uma música definitivamente aceite como som estival.

The Culture War Over Nothing: No fundo, uma estratégia dos extremistas de direita, o criar imenso ruído e vitimizarem-se sobre assuntos a que ninguém está a ligar.

É verdade que no Brasil não se fala português, mas “brasileiro”?: Sinceramente, começo a pensar que sim. Algumas experiências que tenho tido (não, não estou a falar dos meus alunos brasileiros) levam-me a pensar isso. Houve aquela vez que a Devir me desafiou para escrever um texto para a edição brasileira de Uzumaki, e no final do processo apresentou-me as suas desculpas por ter tido de o traduzir para o português brasileiro, justificando que os leitores de lá não iam compreender o meu português; recentemente, numa interação com o apoio ao cliente da TAP, a assistente brasileira que me atendeu parou para repetir o que eu lhe estava a dizer, observando que queria ter a certeza que estava a compreender o que eu lhe pedia visto que (sic) "não entedia bem o português". 

Indigenous knowledge meets artificial intelligence: Transmutar a IA através da herança milenar das culturas indígenas.