quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Chocozombi Apocaliptico; Yo, Zombiro

Samir Karimo ,  Miguel Ángel Sánchez,  Felipe Arambarri (2021). Yo, Zombiro. Edição Independente.

Samir Karimo ,  Miguel Ángel Sánchez,  Felipe Arambarri (2021). Chocozombi Apocaliptico. Edição Independente.

Os frequentadores do meio sub, ou contra, cultural português ligado aos géneros do fantástico, horror e banda desenhada já se depararam com a figura algo peripatética de Samir Karimo. Homem baixo e rechonchudo, com uma voz que faz lembrar a de Mickey nos antigos desenhos animados. Simpático, sorridente e insistente, sempre a promover e a mostrar a sua obra. E é aqui que reside o maior contraste, entre a pessoa que é, e as bizarrias absurdas e extremas que saem da sua mente. Notem, não quero com este retrato depreciar a pessoa, de forma alguma. Até porque, mesmo não sendo apreciador das suas prosas, admiro-lhe o espírito de completa independência e liberdade criativa, de não se importar com limites, e, essencialmente, de ter o atrevimento de fazer a sua cena, e lutar por isso. Samir luta, e muito, é quase omnipresente em festivais e eventos.

Saí do Fórum Fantástico com dois dos seus livros. O homem apanhou-me a jeito, e não consegui dizer-lhe que não. Nem queria. Posso não apreciar as suas prosas, mas bolas, há que apoiar a independência.

Que dizer de bizarrias como Yo, Zombiro e Chocozombi Apocalíptico? Desafiam todas as descrições. Da mente de um homem tranquilo saem monstruosidades surreais e escatológicas. Um pouco como aquele dito que se tornou uma série de quadros de Goya, mas aqui os monstros são profundamente abstrusos. É uma mitologia muito pessoal, feita de imagens chocantes, num inacreditável contraste entre a tranquilidade da pessoa e as ideias que lhe saem da mente.

O problema destes livros é enveredarem pela banda desenhada, e aí Samir Karimo tem azar com os companheiros de bizarria. Os ilustradores que o acompanham não são muito bons, ou sequer bons, e tudo aquilo se perde num tipo de arte pré-adolescente rebelde mas sem talento. Pretende chocar, mas falta-lhe a qualidade visual mínima.

Apesar disto, vou apoiando e lendo o trabalho do Samir. Prefiro só em prosa. Não o apreciando, compreendo-lhe o alcance, e essencialmente admiro a postura de liberdade. Pode ser bizarro e estranho, mas merece que o acolham, não temos todos de subscrever os mesmos cânones do fantástico, e não ser enxotado (como vi alguém ligado a um projeto digital ligado ao terror português fazer em pleno Fórum).

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

This Year Is Next Year's Last Year


Christopher Sperandio (2023). This Year Is Next Year's Last Year. Riga: kuš!.

A Tinta nos Nervos é um local perigoso. Nesta livraria-galeria sabemos sempre que encontramos propostas de banda desenhada com grafismos arrojados e inesperados, e uma ida ao seu espaço pode tornar-se um sério rombo na conta bancária. Não consegui resistir a este, com o seu estilo de falso retro que replica as estéticas amareladas dos comics comerciais. Mas não se deixem enganar, por detrás do estilismo retro está uma potente e acutilante reflexão sobre capitalismo selvagem, conservadorismo e o perigo para as democracias que representa a ascenção dos novos fascismos. Um manifesto político, visualmente vibrante e intelectualmente acutilante.

terça-feira, 28 de novembro de 2023

The Afghanistan Papers


Craig Whitlock (2021). The Afghanistan Papers: A Secret History of the War. Nova Iorque: Simon & Schuster.

Se se surpreenderam pela rapidez com que o regime afegão colapsou quando os americanos se retiraram do país, este livro explica bem o porquê. Quando os Estados Unidos decidiram retirar-se do pais e colocar um ponto final numa guerra que durou vinte anos, as estimativas mais pessimistas apontavam para alguns meses para que os talibans derrubassem o governo afegão. Na verdade, o colapso foi tão súbito que o governo caiu durante as últimas semanas da retirada americana, com os talibans a controlar o país enquanto o exército supostamente bem treinado e no qual foram investidos milhões em material se eclipsava sem resistência. E todos recordamos o horrendo caos no aeroporto de Kabul nos últimos dias, com multidões de afegãos dispostos a tudo para fugir do país, porque sabiam bem o destino que os esperava sob o governo dos mullahs. 

Como é que isto foi possível? Como é que em vinte anos de operações militares, não foi possível derrotar os ultraconservadores islâmicos e dar os passos para uma democracia funcional e começar a retirar o país do seu ambiente medievalista? Essencialmente, através de uma série de erros crassos, de estratégias com pouco sustento na realidade do terreno, de puro desconhecimento da cultura, da confiança excessiva em senhores da guerra considerados como parceiros, mas que noutros países seriam meros criminosos. E, como demonstra este livro, um clima constante de sofismas que disfarçava os falhanços sob uma retórica de vitória e estabilização no terreno.

A sequência de erros é alucinante, e fica no ar a pergunta de como é que políticos, militares e analistas supostamente bem treinados e competentes conseguem persistir durante décadas em erros estratégicos que se medem em vidas perdidas, e num impressionante derreter de dinheiro. Fica-se com a impressão que estando a máquina montada, era considerada imparável e tinha de se manter a qualquer custo. 

Desde apaparicar líderes corruptos a promover iniciativas de combate à produção de  ópio cujo efeito era aumentar a produção, investir em infraestruturas civis e tecnológicas que os afegãos não tinham capacidade de operar (há uma deliciosa sobre uma esquadra de polícia construída que os polícias afegãos que a iam usar não sabiam como abrir as portas), treinar forças armadas que eram notáveis pela sua ineficiência, a lista é enorme. E se se perguntam como um país pode preferir um regime de religiosos medievalistas, isso percebe-se porque as alternativas supostamente democráticas eram piores, os talibans eram vistos pelas populações como confiáveis face à rapacidade e desmandos dos senhores da guerra. O resto, é de recordar que o Afeganistão é um país em guerra constante desde os anos 80. 

São gerações perdidas para os combates, populações que mal conhecem mais do que as suas montanhas, de tremendo atraso educativo, económico e social. Tudo coisas que a intervenção americana pretendia mudar, mas falhou, redonda e tragicamente. Aquela terra fica para a história como uma das zonas amaldiçoadas do planeta, onde grassa o medievalismo religioso e um milenar fechamento cultural.

domingo, 26 de novembro de 2023

URL

Esta semana, destacam-se os artefactos da história cultural da internet, as mudanças temáticas na Ficção Científica, e lugares comuns datados no cinema. Olha-se para a influência linguística do Word, a distração do foco em perigos improváveis da IA, e robots aspiradores no pólo sul. Reflete-se sobre sistemas de escrita, estéticas de apropriação e a importância de aprender brincando.

Ficção Científica e Cultura Pop


Box art for a 1966 scale model: A fronteira mais alta.

Internet Artifacts: Um mergulho no poço da cultura pop digital, encontrando os primeiros artefactos digitais que, no seu tempo, definiram culturas online. Vai dos primórdios da internet aos memes.

Has Science Fiction Left Me Behind?: É uma perspetiva algo amarga; também a sinto, por vezes, vejo que o corrente espaço de ideias da FC é muito dominado por questões de relativismo cultural, intervenção social, e uma mescla de fantástico literário e fantasia. Nada contra, há obras interessantes nestas ópticas, mas o lado de FC como literatura de grandes ideias anda um pouco esquecido.

A Halloween Reading List for Adults: Eu sei que já passou, mas é sempre interessante recordar esta tradição anglo-americana que contamina o mundo, em parte pela pressão da cultura pop, em parte porque é uma das estratégias que os professores de Inglês usam para despertar o interesse dos jovens aprendentes.

With Folded Hands With Folded Hands – Jack Williamson: Um conto de um dos mais clássicos autores de Ficção Científica, um dos criadores do tempo dos pulps que nos legou a era dourada do género.

The 21st Century Movie Tropes That Just Need To Go: Um divertido olhar para aqueles lugares comuns cinematográficos que, francamente, já passaram o seu prazo de validade.

Quanto vale um passatempo?: Quanto valem, na verdade, os nossos livros e discos favoritos? Há cópias a desfazerem-se de alguns livros que tenho que, para mim, não têm preço.

You Weren’t Supposed to Be Spooky: Non-Halloween Songs for Halloween: Sustos inesperados nas mais melífluas músicas populares.

Lançamento: As-1000: Uma obra que colige os trabalhos de Sérgio Silva, editor da H-alt.

Tecnologia




Jack Kirby: Clássicos.

OpenAI Says It’s Fine If ChatGPT Occasionally Accuses Innocent People of Crimes: Por muito que esteja tentado a zurzir na OpenAI, eles têm razão na defesa. O problema é que usar o ChatGPT para obter respostas factuais é errado, não é para isso que ele serve, apesar da insistência (e preguiça intelectual) de muitos que vêem nos LLMs a resposta para a sua vontade de ter resultados sem muito esforço.

Google Play’s policy update cracks down on ‘offensive’ AI apps, disruptive notifications: Não há aqui grande surpresa, a IA Generativa permite quebrar as regras das gaiolas douradas digitais, e por isso aqueles que definem os limites estão a começar a intervir para sanitizar a diversidade dentro das suas lojas digitais.

How Microsoft Word has shaped language: Como dizia McLuhan, damos forma às nossas ferramentas, e, por sua vez, as ferramentas que criamos modelam o nosso comportamento. A ascensão do Word como processador de texto é mais do que uma história comercial, é também a forma como uma ferramenta de escrita modela as nossas formas de escrever e comunicar.

Grammarly’s new generative AI feature learns your style — and applies it to any text: Por muito que nos deslumbremos com as capacidades de resposta dos LLMs, é neste tipo de ferramentas que a IA Generativa se está a revelar mais poderosa, e verdadeiramente game changer. Faz mais sentido ter uma ferramenta que me ajuda a escrever melhor a partir da aprendizagem do meu estilo de escrita, do que um automatizador de textos.

Amazon brings conversational AI to kids with launch of ‘Explore with Alexa’: Confesso, sinto uma certa inquietude ao assistir a estes passos inevitáveis, em que o mercado começa a criar produtos para crianças onde estas interagem com IA generativa.

The Junk Is Winning: Nos antros de desespero capitalista em que cada vez mais as redes sociais se estão a tornar, os novos modelos de negócio apontam para um dilúvio de tralha, de compras de impulso de objetos inúteis, e magotes de aspirantes ao grande negócio que consomem a sua energia a promover tralha, em busca de ganhar a lotaria da viralidade.

Paedophiles using AI to turn singers and film stars into kids: Não surpreende que a IA Generativa também esteja a ser usada para isto. Que é uma área cinzenta: se são imagens geradas, entram mais na mesma categoria do que desenhos ou pinturas tradicionais, podem ser obscenas, mas não representam necessariamente abuso sexual (exceto, claro, se forem usadas imagens reais de abuso para treinar modelos).

OpenAI ya está estudiando los "riesgos catastróficos" asociados a la IA. Entre otros, el de una amenaza nuclear: Chama-se a isto atirar areia para os olhos. Pode-se procurar formas de resolver os problemas que a IA generativa traz, hoje, dos enviesamentos à questão dos direitos de autor. Mas, não, é melhor especular sobre cenários tipo mau filme de ficção científica. A verdade é que a OpenAI não está interessada em resolver os problemas correntes dos seus produtos. Suspeito que só a questão de direitos de autor lhe saia cara, caso seja resolvida de forma justa.

Roombas at the End of the World: Delirante, esta história sobre o carinho com que is aspiradores robóticos são tratados pelos habitantes da base polar antártica, que no longo inverno têm de se entreter com brincadeiras para combater o isolamento.

8 Best AI Tools of 2023: Listar as melhores ferramentas de IA Generativa é sempre arriscado, o ritmo de evolução é rápido.

A clever shield against photo fakery: Ferramentas de defesa dos direitos de autor na era da IA Generativa.

5 Best AI 3D Model Generators: Parece-me uma lista algo prematura, dado que este tipo de tecnologia ainda está incipiente.

Boston Dynamics mostra robot Spot conversador com ChatGPT: Perfeito para dar azo a momentos "I'm afraid I cannot do that, Dave".

We need to focus on the AI harms that already exist: Uma visão sóbria, e necessária. A IA já traz problemas, e desviar o foco para os mais futuristas é escamotear o que já existe. Em parte, isso faz-se porque as empresas que nos estão a promover agressivamente as suas ferramentas não querem que sejam deitados olhares muito minuciosos ao que realmente são os seus produtos.

Direito de Autor: A diretiva polémica já é lei em Portugal: A aplicação da diretiva europeia ao quadro legal português parece ter seguido o caminho do excesso de zelo a favor de interesses específicos. Confesso que a questão da partilha de links me deixa, como blogger, algo desconfortável.

Modernidade



Sci-fi cover by Japanese artist, Naoyuki Kato. 1980: FC surreal.

‘You Started a War, You’ll Get a Nakba’: Não há quaisquer dúvidas sobre o terrorismo puro das acções assassinas do Hamas. Mas é importante perceber que este conflito tem raízes, e que a espiral de ódio é tão profunda que nenhuma das partes é inocente. O artigo desta um exemplo do real problema: colonatos ilegais israelitas em território palestiniano, ocupados com a complacência do estado israelita, que se aproveita do fait accompli para reclamar mais território.

Scientists Discover Lost Ancient Landscape Hidden Under Antarctic Ice: Eu, teria cuidado ao prescrutar estas paisagens antárticas soterradas sob o gelo. Aprendi bem a lição com As Montanhas da Loucura de Lovecraft, há mistérios que mais vale ficarem esquecidos sob a desolação gelada.

The World’s Writing Systems: Para os fãs de línguas, alfabetos e história, um delicioso acervo sobre os sistemas de escrita humanos, dos mais antigos aos contemporâneos.

Os precários do ar. História de uma reportagem censurada: Vai uma aposta que a companhia em questão, que trata o seu pessoal como carne para canhão, é uma conhecida low cost azul e branca, de dono arrogante e cujo nome começa pela letra R?

La vida es juego: É tão fácil esquecer isto, sob a pressão das provas e exames, ou da metrificação de resultados. Mas aprender está relacionado com o prazer, com o brincar com as ideias. A curiosidade não se desperta forçando-a.

Hands of Time, una historia de cómo hemos aprendido a medir el tiempo escrita por una relojera que realmente ama su trabajo: Uma história da evolução do relógio, de como contamos o tempo, dos mecanismos intricados que usamos.

The Fight Between Cataphiles and Underground Police in the Paris Catacombs: Nunca resisto a vislumbres do fascinante mundo oculto no subsolo parisiense.

Italy Has Another Leaning Tower, And It Has Scientists Very Worried: Ui, se esta se vai abaixo... ao contrário da de Pisa, esta torre está plantada no centro histórico de Bolonha. Para lá da perda ao nível do património histórico, a sua derrocada seria catastrófica.

The Order of Interstellar Arrival: Uma ideia intrigante. Se uma civilização que procure contactos interestelares envia sondas, o desenvolvimento tecnológico implica que as sondas mais recentes serão as mais rápidas. Imaginem um primeiro contacto com uma tecnologia avançada, seguida de um segundo contacto com uma tecnologia menos avançada da mesma civilização.

Was Roy Lichtenstein’s Art All About Theft?: Não é uma resposta linear. Diria que o problema de Lichtenstein foi não assumir as suas referências.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

El legado de Prometeo


Miguel Santander (2012). El legado de Prometeo. Iniciativa Mercurio.

Nunca é bom sinal quando começo a fazer leitura diagonal de um livro. Significa que tenho alguma curiosidade por ver porque caminhos vai e a que porto chega, mas que o livro em si não prende. Apesar de ter sido premiado em Espanha como uma excelente obra de ficção científica, este foi um dos livros que acabei por diagonalizar.

O livro até começa bem. É montado um extenso e detalhado futuro próximo ficcional, um planeta a recuperar de guerras globais e das alterações climáticas, uma sociedade que conseguiu travar o consumismo capitalista, se expandiu em colónias no sistema solar. Mas também uma sociedade que resvala para um conservadorismo repressivo, que está sob ameaça de uma facção humana ultra-ecológica que procura meios de extinguir a humanidade para salvar o planeta. E, essencialmente, uma sociedade que necessita desesperadamente de energia limpa para se manter e evoluir.

A busca por uma nova forma de energia é o cerne do livro - a tentativa de aproveitamento da energia de um buraco negro relativamente próximo do sistema solar. É enviada uma nave quasi-geracional para resolver o problema, uma espécie de long shot/one shot de sobrevivência humana.

Parte da história lida com as agruras dos personagens que seguem na nave, sabendo que o regresso à terra será longínquo. Dependem de uma coesão social assegurada por Inteligências Artificiais que os sustentam nos aspetos técnicos e psicológicos. E, chegados ao seu destino, com os mistérios da energia prestes a ser desvendados, a cupidez humana ataca, e tudo correrá pelo pior. Mas, desenganem-se, esta parte da narrativa é uma longa travessia que recomendo ser feita em modo acelerado. 

O livro é curiosamente inconclusivo, apesar de não pressagiar sequelas. O final parece atabalhoado, como se o escritor tivesse percebido que perdeu demasiadas páginas com cenas inconsequentes e personagens que não nos despertam empatia, e acelerasse num qualquer desfecho às três pancadas, com um toque de viagem no tempo que até teria funcionado, se houvesse pistas para isso no início do livro.

Se as ideias que sustentam este livro são muito interessantes, a sua execução narrativa não o é. As personagens raramente nos despertam empatia, ficamos sempre com a sensação que a história fulcral não avança ao longo da narrativa. Lamento a desilusão, gosto de olhar para o que se faz do lado de lá da fronteira, onde o espaço editorial ligado à FC é mais vibrante, mas este é um livro que fica aquém do que promete.

Antígona


Sófocles (2012). Antígona. Lisboa: Fundação Gulbenkian.

Estes textos são realmente intemporais. Milénios passados sobre a sua escrita e representação, com os tempos e as sociedades a mudar e a modificar-se, as emoções originais continuam vivas. Podemos não adorar os deuses ou respeitar os normativos sociais da época, mas como não nos comovermos com o destino trágico de Antígona, uma mulher que se atreve a desafiar os poderosos, ao colocar o sentimento de dever e amor familiar acima da obediência? E, no fundo, de profundo humanismo, quaisquer que tenham sido os crimes de uma pessoa em vida, não merece que o seu cadáver seja abandonado aos cães. Antígona pagará com a vida o querer respeitar o corpo do seu irmão caído em desgraça, e sua morte coloca um fim na enorme maldição edipiana, esse exemplo de como infelizes acasos conduzem à tragédia e opróbio. 

Também lamentamos a personagem de Creonte. Numa leitura superficial, é o vilão da história, o regente inflexível que procura a justiça exercendo injustiças. Mas talvez não seja isto, talvez seja o exemplo de um líder cheio de incertezas, que coloca no dogmatismo das posições absolutas a forma de ser respeitado, mas também de garantir que todos serão tratados com justiça. E compreenderá que a sua inflexibilidade, o colocar a norma acima dos pedidos e necessidades daqueles que rege, tem consequências fatais, e irá também destruir a sua própria família. 

Este texto milenar não se esgota em simples interpretações de blog, mantém-se no pensamento. E recorda-se sempre do coro em fundo, uma voz de consciência que guia, questiona e atormenta aqueles cujas vidas formam o enredo e a lógica destas tragédias.

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Assim Nasceu uma Língua


Fernando Venâncio (2019). Assim Nasceu uma Língua / Assi Naceu Ũa Lingua: Sobre as Origens do Português. Lisboa: Guerra e Paz.

Um livro intrigante que nos leva a descobrir as origens da nossa língua. Vai direto à sua tese, a do galego antigo como a origem do português, demonstrando-o com as inúmeras semelhanças de palavras, expressões e gramaticais entre estas duas línguas. De facto, o autor considera o galego mais próximo da nossa língua do que o português brasileiro, que do seu ponto de vista, está em processo de afastamento.

Não conheço o suficiente de gramática para dar crédito, ou descrédito, a estas teses. Da leitura, recordo um mergulho na origem das palavras, percebendo que da raiz latina brotaram o galego e o português, linguas praticamente irmãs apesar das suas diferenças. O autor também analisa a fundo algumas questões culturais sobre esta relação. Por um lado, a propensão dos estudiosos da língua em separar galego do português por razões de afirmação de nacionalidade; por outro, o peso de ideologias e da história, na forma como o galego é visto pelos galegos, por via da afirmação de nacionalismo espanhol. 

Ficamos também a saber que o nosso português está cheio de estrangeirismos, de palavras adotadas do espanhol, francês, italiano e inglês. Confesso que esperei uma listagem de influências linguísticas vindas dos descobrimentos e época colonial, mas o autor não se meteu nesse campo. As línguas são vivas, mudam, evoluem, e algo que me cativou neste livro foi a sua posição de tolerância e flexibilidade, rejeitando normativos excessivos e mostrando que a evolução, a adaptação aos falantes, é a maior riqueza da língua.

domingo, 19 de novembro de 2023

URL

Esta semana, destacam-se sugestões de leitura, os danos criativos dos efeitos especiais, e clássicos da literatura pós-apocalíptica. Olha-se para os sistemas de encriptação, problemas da moderação automatizada de conteúdos, e modelos de linguagem de fonte aberta. Reflete-se sobre as problemáticas de se ser dono de cães, a recuperação de uma pintura clássica, e os dilemas das multinacionais em tempos de conflito.

Ficção Científica e Cultura Pop

Photo: O que está na nossa cabeça.

Is CG Addiction Killing Modern Blockbusters?: Não é uma questão nova. E, de facto, co alguma razão, demasiados filmes apostam no deslumbre dos efeitos visuais, mas não só se revelam vazios de conteúdo, como os efeitos não tão interessantes como o projetado.

The Best Metaphysical Thrillers, recommended by Greg Jackson: Uma lista que foge, propositadamente, a Borges, para incluir outras obras onde as emoções vêm mais das ideias do que das ações.

4994) Fellini: as mulheres e as luzes: Sobre o fascínio com os artistas ambulantes, as suas vidas e desejos, que se encontra em mutas das obras do cineasta italiano.

A espiritualidade e a opressão política: Começo a olhar com muita atenção para os textos de João Zamith no 74. São vislumbres para o mundo da edição, e também interessante crítica literária.

The weird aliens of the 19th Century: De certa forma, até eram especulações muito interessantes sobre as possibilidades de vida alienígena, ainda longe das iconografias dos little green men ou bug eyed monster que vieram a dominar o género.

Short Story Reviews: Robert Silverberg’s “Road to Nightfall” (1958) and Edgar Pangborn’s “The Music Master of Babylon” (1954): Gosto de recordar estas estéticas de apocalipse dos anos 50, muito à volta das consequêcias de uma guerra nuclear global. Um perigo talvez hoje afastado, mas outros problemas globais colocam-nos sob a iminência de catástrofes, o que torna estas ficções leituras válidas nos dias que correm.

Fãs de banda desenhada: estas lojas em Lisboa têm os maiores êxitos da BD: Um pequeno guia das livrarias de BD de Lisboa. São as suspeitas do costume. Confesso que não me tinha apercebido que a cidade contava com uma nova loja do Tintin, se bem que é de desculpar, é mais merchandising do que banda desenhada.

The Department of Truth – Vol. 1 – James Tynion V, Martin Simmonds: Apesar de ser uma série que caiu na tentação das continuidades demasiado longas, tem sido uma das melhores leituras dos últimos anos. Entre as distorções que Tynion faz às psicoses das teorias da conspiração à ilustração estonteante, é uma leitura soberba.

Amadora BD 2023 - Os vencedores dos PBDA: Os livros galardoados com o prémio do festival de banda desenhada.

Junji Ito has a terrifying new short story collection just in time for Halloween: É sempre uma excelente notícia quando se sabe que este grande mestre do manga de horror tem um novo livro para nos deleitar e assustar.

Tecnologia

70sscifiart: Pierre Mion: História do espaço.

Ubiquitous yet hated – what does the triumph of PowerPoint teach us about Generative AI?: É um pouco assustador comparar esse cancro que é o PowerPoint (não é totalmente inútil, mas é demasiadas vezes usado como muleta das piores maneiras possíveis) à IA Generativa. Mas o argumento de uma ferramenta que dá resultados a desenrascar no dia a dia, é por aí que está a ligação.

Inside the quest for unbreakable encryption: Os sistemas de encriptação que protegem as nossas transações digitais são complexos, mas não totalmente seguros. A matemática e a computação quântica poderão ameaçar a segurança da corrente encriptação.

Facebook mistakes coding teacher for animal trader, bans him for life with no appeal: O absurdo de ver uma rede social a confundir a linguagem Python com tráfico de pitões, o perigo de depender em sistema totalmente automatizados, e a impotência de estar perante uma organização que é indiferente aos seus utilizadores.

Musk planning to block Twitter access in Europe: Por detrás disto, a sensação que um bilionário tem de dever estar acima das leis. Bem, se se concretizar, adeusinho não faz falta.

We Don’t Actually Know If AI Is Taking Over Everything: Desmontar o hype, os deslumbres, e a propaganda de marketing que domina o discurso sobre a IA e as suas capacidades. As empresas e serviços não são transparentes quanto às suas reais capacidades ou origem de dados. 

Meet two open source challengers to OpenAI’s ‘multimodal’ GPT-4V: Modelos de fonte aberta com capacidades similares aos LLMs proprietários.

Paddy Cosgrave has stepped down as CEO of Web Summit: Não se perde muito, diria, e nem sequer se perderia muito se a feira das vaidades financiada pelos nossos impostos se extinguisse. Mas dou por mim solidário com Cosgrave. O seu afastamento não se deveu à incompetência, ou por se perceber que eventos como a Web Summit são ocos. Simplesmente, o seu ponto de vista sobre a devastação que Israel anda a provocar em Gaza não agradou a muitas das empresas que costumam vir ao evento. O problema, é que nem sequer é uma opinião extremista ou de apelo à violência, apenas constata o óbvio que qualquer um que leia as notícias vindas daquela zona do planeta, e conheça a história do século XX, percebe. Mas, correndo o risco de me apropriar precisamente do tipo de retórica que os fracos de mente das teorias da conspiração usam, há verdades incómodas que quem está em lugar de poder faz tudo para silenciar.

The Problem with Jon Stewart cancellation highlights a problem for Apple’s content: Não é bem o mesmo problema do Web Summit, mas é similar. Os pontos de vista do conhecido apresentador americano sobre temas como inteligência artificial ou a forma como a China é retratada, assustaram os executivos da Apple, levando ao cancelamento do programa. 

El agraciado dominio de primer nivel .ai del Archipiélago de Anguila: Mais um arquipelago que se junta a Tuvalu (.tv) e os territórios britânicos do Oceano Índico (.io) pela sorte do seu domínio ter valor de marketing.

Large Language Models (LLM) and 'Generative Agents: Interactive Simulacra of Human Behavior': Utilizar LLMs para gerar simulacros generativos que simulam comportamento humano.

Generative AI exists because of the transformer: Um excelente texto que nos explicar como funciona o segredo da IA Generativa, a técnica do transformador, que permite às redes neuronais gerarem texto e imagens de forma tão eficaz e convincente.

Adult film star Riley Reid launches Clona.AI, a sexting chatbot platform: Regra 34, certo? Com a vantagem destas vozes não se cansarem, não se queixarem de assédio, não terem de ser pagas, e trabalharem 24 sobre 24 horas.

The poster’s guide to the internet of the future: Talvez a evolução lógica da internet seja o decair das plataformas fechadas, e o crescer das redes descentralizadas interoperáveis. 

Modernidade

Paul Alexander, 1973: Futuros distantes.

Too Many People Own Dogs: O título provoca os amantes de cães, como eu, mas a leitura faz sentido. Há demasiados donos de cães que estão mal preparados para o compromisso de tomar conta de um animal, não percebendo que precisam de espaço, de carinho, de disciplina. E resolvem os problemas com medicação, é um pouco absurdo perceber que há muitos cães a tomar medicação antidepressiva e ansiolítica. No meu caso, longos passeios à solta fazem efeito muito eficaz sobre a minha cadela, quer esteja mais alegre, quer menos.

Max Beckmann’s Singular Path: Um olhar para a obra do expressionista alemão, entre os traumas da guerra, as dores dos anos da depressão e crise económica, e a espiritualidade.

Why the Swedish Saab 21 was the greatest fighter aircraft of World War II: Uma visão muito bem humorada, que mede o sucesso não pela excelência militar, mas pelo seu oposto, por não ter sido usado em combate, pela sobrevivência da Saab (os construtores das aeronaves lendárias da II guerra hoje não passam de memórias).

Los romanos conquistaron el mundo, pero en Galicia encontraron su mayor miedo: un río que les robaba la memoria: Intrigante, perceber que os romanos associaram o rio Lima ao Lete, um dos rios que, na mitologia greco-romana, banhava o Hades e cujas águas levavam ao esquecimento.

400 Years Ago a Prudish Aristocrat Censored This Artemisia Gentileschi Nude. Using Tech, an Italian Museum Has Revealed the Stunning Original Work: Não significa que tenha sido restaurado ao estado inicial. O processo poderia danificar as camadas de tinta original, e a pintura que cobriu os pudores também é um tesouro artístico a respeitar. Mas, digitalmente, podemos descobrir esta pintura no seu estado original.

Humans Are Ready to Find Alien Life: Procurar sinais de vida alienígena, pesquisando por vestígios de poluição ou outros sinais de civilização.

The McDonald’s Global Empire Is Tearing Itself Apart Over Israel-Palestine: Num mundo global mas fraturado, as multinacionais não conseguem uniformizar os seus modos de trabalho. Se o fizerem, correm o risco de alienar os seus clientes em diferentes contextos culturais e políticos.

Por qué nos despertamos a las 4 de la mañana, según la ciencia: Versão rápida, porque a ideia de oito horas de sono ininterrupto são uma construção social recente.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

The Little Wooden Robot and the Log Princess; Revenge of the Librarians


Tom Gauld (2021).  The Little Wooden Robot and the Log Princess. Nova Iorque: Neil Porter Books.

Gauld é mais conhecido pelos seus cartoons de hilariante elegância erudita. Aqui, sai desse registo para se meter na literatura infantil, com uma história simples e tocante sobre robots e princesas de madeira. Uma história em que tudo o que é aventura fica por dizer, enquanto nos fala do essencial, do laço humano, do não desistir. Escrito e desenhado com a forma cândida e simples que é o estilo deste autor.

Tom Gauld (2022). Revenge of the Librarians. Montreal: Drawn and Quarterly.

Tom Gauld é o humorista favorito dos literatos. Os seus cartoons são sempre elegantes e eruditos, brincando com o amor aos livros, o gosto pela literatura, as questúnculas do mundo editorial, a relação com os críticos, os dramas dos autores, e, também, os dramas de se ser leitor. São cartoons que não deixam os amantes de livros indiferentes, e, nalguns casos, a sentir-se retratados. Um daqueles livros que são um mimo para nós, aqueles para quem o gosto pelos livros é uma das forças motrizes da vida.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Coleção de contos: Best of Best


Junji Ito (2022). Coleção de contos: Best of Best. Palmela: Devir.

É um pouco discutível, o título desta antologia. Não que os contos não sejam bons, mas porque o trabalho de Junji Ito é consistentemente bom. Considerar estes os melhores dos melhores é deixar tantos outros para trás. Sendo prolífico na sua obra, este mangaka tem um enorme corpus de trabalho, espelhado em séries, livros e antologias. E muito raramente desilude.

Para neófitos no grafismo e estilo narrativo deste autor, este livro é um excelente ponto de partida, dá-nos um panorama do tipo de temáticas que aborda. Mostra adaptações literárias, no caso de contos fantásticos japoneses de autores clássicos, recontros com monstros quasi-absurdos, e viagens de um surreal apocalíptico onde os personagens são compelidos à sua destruição. É o cerne da obra de Ito, de um criador que sempre surpreende com a enorme bizarria do seu imaginário, que nos seduz com  um traço elegante e assumidamente convencional para depois tirar o tapete com as piores atrocidades ou as monstruosidades mais absurdas. 

Diria que o que torna Ito tão popular é esta dualidade, a sua suave linha clara e mestria de realismo gráfico são colocados ao serviço da representação dos mais bizarros pesadelos gráficos. Editada em português pela Devir, esta antologia marca a primeira vez que a obra de Junji Ito chega na nossa língua ao público. Os leotires portugueses só têm a ganhar com a descoberta do trabalho deste mestre do terror gráfico japonês.

domingo, 12 de novembro de 2023

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Esta semana, destacam-se os usos da literatura de terror, o humor na fantasia, e a obra de John Waters. Olha-se para os efeitos dos LLMs na educação, o uso da IA Generativa como assistente em fluxos de trabalho criativo, e o início do decifrar dos papiros de Herculano. Olha-se para a resistência aos influencers, vestígios arqueológicos na selva amazónica, e a estética do hardware. 

Ficção Científica e Cultura Pop

Enzmann Starships, by Rick Sternbach, 1986: Futuros distantes

Time to Get Spooky With This Horror and Sci-Fi Halloween Costume Guide: Bem, diria que o verdadeiramente assustador é a baixa qualidade destes fatos. Ok, certo, brincar ao halloween ou ao carnaval não é cosplay, mas há mínimos...

Shirley Jackson’s Horror Fiction As Grief Therapy: Interpretar a literatura de terror sob a perspetiva de processamento de sentimentos de dor e luto.

“An Aesthetic Of Disobedience” — Oscar Wilde As Critic: Recordar esse grande, e controverso, gigante da literatura do século XIX.

Franz is the creepy thing that lives in your phone: Um jogo que pega na premissa de assistentes de Inteligência Artificial, com um toque muito dark. O problema, é que recorda demasiado o efeito que assistentes menos dark de IA têm sobre as mentes mais fracas de entre os seus utilizadores.

See Inside the First Museum Retrospective Dedicated to John Waters’s Unparalleled Contributions to Cinema—and Bad Taste: Há que admirar o trabalho deste cineasta transgressivo, que nos legou filmes tão brilhantes, incómodos e fascinantes como Haispray ou Pink Flamingos.

Spies, Sex, and John le Carré: Olhar para a obra de um dos grandes mestres da literatura de espionagem.

Horror Films Might Be Good For Mental Health: Vá, já desconfiávamos que apanhar sustos com filmes de terror, comprazermo-nos com o sangue e a vísceras de um bom gore, arrepiar com clássicas casas assombradas, e saborear a vilania dos psicopatas é algo que só nos faz bem.

Humorous Fantasy Novels, recommended by Travis Baldree: Claro que contém Terry Pratchett, mas a lista também nos dá outros nomes de escritores que levam o fantástico a sério, embora se divirtam com isso.

Tecnologia

Computa-Nymph: Vou só deixar isto aqui, e tirem as vossas conclusões.

WordPress now offers official support for ActivityPub: Um passo interessante, que interliga o Wordpress com o universo descentralizado das redes sociais federadas.

Microsoft Wants to Teach You How to Install Linux: Bem, na verdade não há grande surpresa. Até porque a Microsoft também contribui para a fundação Linux, e usa algumas ferramentas nos seus produtos. O mundo é sempre menos binário do que imaginamos.

A Horrific New TikTok Dilemma for Parents: Na verdade, não é um dilema novo, aconteceu exatamente o mesmo nos primeiros dias da invasão russa da Ucrânia - vídeos violentos, outros falsos, outros de propaganda, sem que a moderação de conteúdos reagisse de forma eficaz.

ChatGPT in Schools: Friend or Foe? : Bem, depende de como for usado. As ferramentas de IA Generativa são excelentes se usadas como assistentes de criação. Agora, se a ideia é desenrascar textos ou fazer perguntas e respostas, aqui o potencial esta tecnoligia é educativamente nulo.

Has The Internet Been Abandoned To Bots?: Depende um pouco de que recantos online se frequenta, mas o crescimento de sistemas de conversa automatizada é assinalável.

AI filters will be used to control what people can draw and write inside of Word, Photoshop, etc: Isto não é uma predição, mas sim especulação. No entanto, o que me deixou intrigado é a forma como sistematiza algumas tendências legais no mundo da tecnologia, a ideia de ferramentas com ações preventivas no que toca a conteúdos incómodos.

The environmental impact of the AI revolution is starting to come into focus: A pegada ambiental da IA Generativa é algo que não podemos descurar.

Adobe Firefly can now generate more realistic images: A boa novidade é que o Firefly melhorou. A má? O acesso às novidades passou a ser pago.

We’re Inside The Orwellian Nightmare: Entre a exploração capitalista terminal e o agudizar do extremismo nas redes.

An Artist Invited Blind People to Use an A.I. Image Generator. The Unsettling Results Could Help Make Art More Accessibl: Um projeto muito intrigante, que cruza um gerador de imagens com prompts criados por cegos. Mostra que a expressão artística usando IA Generativa tem inesperados potenciais.

Unbundling AI: Provavelmente um dos ensaios mais lúcidos que li recentemente sobre IA Generativa. Mostra bem aquilo que os LLMs realmente são, assistentes que ajudam a desempenhar muitas tarefas cogntivas, mas não totalmente fiáveis e cujos resultados precisam sempre da nossa validação. Essa incerteza dificilmente será resolvida, mas um dos elementos que os tornam ferramentas tão poderosas. Não servem para perguntas e respostas, mas sim para complementar formas de trabalhar: "ChatGPT is an intern that can write a first draft, or a hundred first drafts, but you’ll have to check it". 

How Generative AI Helped Me Imagine a Better Robot: Sob muitos aspetos, a IA Generativa é uma resposta à espera de perguntas, e quem as faz de forma linear, vendo-a como uma sucessora lógica dos algoritmos de pesquisa, não percebe o seu real potencial. Neste artigo, é interessante ver como a IA foi usada como assistente de criação, inserida em fluxos de trabalho. Foi usada para gerar imagens, não como fim último, mas sim passos num processo criativo, dialogante.

AI Has Helped Read The First Word Deciphered From Ancient Scrolls Carbonized By Mt. Vesuvius: E a primeira palavra decifrada é... púrpura. Para além de ser uma fantástica aplicação de tecnologias de IA, o bibliófilo em mim fascina-se com as possibilidades literárias, de conhecimento. Que textos perdidos da antiguidade se encontram preservados naquelas frágeis cinzas?

Google's New Phone Adds Smiles to Your Photos Even If Everyone Was Miserable: Bem, mas ninguém repara que o objetivo de tirar uma foto é registar memórias, e não criar memórias falsas? Claro que o utilitário de IA do Pixel não é assim tão avançado, apenas cria uma foto sorridente a partir de várias versões da mesma foto (o que é habitual, hoje, quando tiramos uma foto na verdade tiramos uma sucessão de fotografias). Mas, e se os fotografados não tiverem mesmo caras sorridentes? 

Don’t Believe Your Eyes: Suddenly All Our Photos Aren’t Real: Bem, na verdade já há muito que as fotos digitais não refletem o real, mas versões esteticamente otimizadas por algoritmos.

How To Think About The Threats Of AI?: Pensar estritamente em ameaças é uma posição intelectualmente confortável, que permite apontar o dedo acusador sem que se faça o esforço para compreender a tecnologia.

Figure Unveils Its Humanoid Robot Prototype: Diria que são demonstrações impressionantes, na evolução de robots de configuração humanóide.

The Internet Could Be So Good. Really.: Apesar de tudo, a internet é um benefício para a humanidade. Pode ficar melhor, e é curioso ver que estas propostas académicas espelham os princípios do fediverse.

El fabricante de armas que quería llegar a los jóvenes y acordó en secreto poner uno de sus rifles en ‘Call of Duty’: Sem grandes surpresas. Há maneiras de fazer dinheiro com tudo, na economia digital. Agora, tendo em conta o produto, a estratégia de publicidade é muito macabra.

Modernidade

When A Married Woman Is Tempted: Escândalos passados que hoje nos fazem sorrir.

Palestine’s growing tech industry has been literally blown apart by the war between Israel and Hamas: É curioso perceber que a Palestina é um centro de inovação, com ecossistema de startups e engenheiros a trabalhar de lá para os gigantes da economia digital. Tudo isso, agora, está debaixo dos escombros dos ataques criminosos do estado israelita.

The Brooklyn Cafe That Banned People from Taking Photos and Video: É um problema comportamental, que sublinha o vazio intelectual da maioria dos influencers. Se para se fazer vídeos de locais pitorescos não se apoia com consumo, e ainda se importunam clientes, faz todo o sentido que sejam criadas estas restrições. O problema, está na falta de educação dos influencers, e na sua cegueira em obter visualizações acima de tudo.

A educação como espaço público comum: A escola pública é mais do que um depósito de crianças, é um espaço de transmissão de valores culturais e civilizacionais, e, também, uma das poucas garantias de igualdade e equidade nas nossas sociedades.

The 10 Worst US Navy Aircraft: Uma lista eclética, com algumas aeronaves que, para azar dos seus pilotos, tiveram uma longa carreira.

The Aesthetic Allure of Motherboards and Microchips: Normalmente olhamos para as entranhas dos artefactos digitais como exemplos de complexidade, mas também é possível procurar padrões estéticos e olhar para os componentes eletrónicos como elementos de construção de beleza.

La historia del GIF que aparece en todas (pero en todas) partes desde hace más de diez años: O curioso nestes gifs meméticos é a forma como imortalizam pessoas normais, apanhadas pelos caprichos da cultura online. Há vidas por detrás dos segundos fugazes do meme.

Words Aren’t Merely Words. Context Matters, And Words Processed By Machines Are Changed: Uma meditação sobre a maneira como nos relacionamos de forma física com um texto, quer seja um texto impresso quer num ecrã digital.

Over 10,000 Earthworks Could Be Hidden in the Amazon: Daquelas notícias fascinantes. Graças ao uso de Lidar, pode-se penetrar na densa camada de vegetação amazónica, e com isso detectar vestígios arqueológicos.

A sucursal portuguesa de uma das maiores burlas do mundo: O que me choca, não devia, porque já conheço bem este país, mas ainda consegue chocar, é a quantidade de nomes sonantes ligados a esta história de burlas e crendices. Pensem famílias que dão nome a um prestigiado centro médico, pensem líderes do futebol (ok, aqui serem corruptos até à medula é um pré-requisito de emprego), pensem membros de governo. É por estas que, apesar de sabermos que não vivemos num pais totalmente corrupto, temos essa percepção, porque sabemos que as nossas elites económicas e políticas vivem de esquemas, fraudes, fugas legais aos impostos via paraísos fiscais e outros estratagemas que os enriquecem, e sugam o dinheiro ao resto dos cidadãos.

Drone Warfare in the Nuclear Age: Ideias tranquilizadoras para uma era em que deviámos focar esforços em problemas como o aquecimento global, mas parece que estamos a preferir regredir para passados violentos.