Henry Bordeaux (1926). Le Fantôme De La Rue Michel-Ange. Paris: Fayard.
Não esperava ver-me leitor de um livro escrito por um autor que ficou imortalizado por ter sido gozado por Henry Miller no seu clássico Trópico de Cancer. Apanhei-o um pouco por acaso na Feira da Ladar, seduzido pelo formato, capa e as ilustrações anteriores desta edição de 1926. Já só falta um aninho para fazer um século.
Uma pesquisa sobre o autor revelou ser uma daquelas criaturas certamente respeitáveis e sisudas, que escrevia muito corretamente e por isso foi nomeado membro da Academie Française, instituição cuja principal função é dizer aos franceses como escrever corretamente. Advogado para lá de romancista, a sua obra centrou-se no retrato das classes sociais altas, mas de forma tão morna que depressa foi esquecido.
Este livro até prometia alguns arrepios. Finalizada a leitura, dei com um tema interessante - os traumas sociais e pessoais trazidos pela I Guerra, mas tratado de forma folhetinesca, ao estilo telenovela, diríamos hoje. Não que o livro se estruture assim, apenas a superficialidade das personagens e a falta de emoção na escrita parecem a narrativa a metro dos dramalhões. A história foca-se num militar que assiste à derrocada mental de um amigo, banqueiro parisiense que perdeu o filho único nos primeiros minutos da batalha de Verdun. Amante das coisas sobrenaturais, vive concencido que consegue falar com o espírito do filho, através de sessões mediúnicas. A medium é a sua sobrinha, prima distante da província que acolheu na casa paraisiense. Provinciana mas nada tapadinha de todo, a rapariga depressa percebe que o caminho para uma vida desafogada e de bem estar é ceder às fantasias do tio, chegando ao ponto de renegar um amor para não perder a vida de conforto numa alta sociedade a que não pertence. Resta a mulher do banqueiro, católica devota, que muito à francesa preferia que o marido adotasse a sobrinha como amante, ao estilo clássico, em vez de a mimar com prendas por acreditar que através dela, fala com o filho.
Há aqui uma história que tanto poderia ser de fantasmagorias como de crítica social, ou de retrato do desespero de pais que perdem os filhos na loucura das nações. Mas, lá está, o livro está corretamente escrito, e torna-se um suplício de levar até ao fim, apesar de ser curto. Não é uma questão de choque entre a minha sensibilidade de leitor do século XXI e os modos narrativos dos princípios do século XX. É que o livro é mesmo um tédio, salvam-se as ilustrações.
Ou seja, Henry Miller tinha razão.