quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Voo Nocturno


Antoine de Saint-Exupéry. Voo Nocturno. Lisboa: Livraria Bertrand.

A nu, a brutal dicotomia entre humanismo e progresso. Este romance clássico do escritor e aviador vai beber às suas experiências como piloto das linhas aeropostais, quando nos primórdios da aviação se arriscavam os primeiros voos de ligação em terras remotas, em condições que hoje considerariamos aterradoras.

No romance, acompanhamos um dedicado gestor de linhas aéreas, a braços com um dos seus piores pesadelos. O voo regular noturno entre duas cidades sul-americanas será interrompido por uma violenta tempestade, que provocará o desaparecimento dos pilotos. O gestor contacta freneticamente as estaçoes de rádio intermédias, procurando notícias, escunta com ansiedade as parcas comunicações que o radiotelegrafista a bordo do avião em risco de desaparecer envia. 

A tripulação do voo está condenada, apesar dos seus esforços em se manter no ar. A combinação da violenta tempestade com as certezas duras da duração do combustível ditam a sua sorte. Atravessam os céus sobre a floresta, sobre a tempestade, procurando manter-se vivos e chegar a um destino que se revela fatal. Em terra, sofre a jovem esposa do piloto, a sofrer as penas da dolorosa crueldade da aviação.

O destino é trágico, mas o progresso tem de continuar. Num momento negro, o gestor, homem implacável na forma minuciosa como trata os seus pilotos e mecânicos, não admitindo o mínimo erro ou compaixão por quem os comete, sabendo que os erros pagam-se com a vida, opta por não parar. As linhas continuam, os voos são retomados, mesmo os perigosos voos noturnos. Os pilotos aceitam a morte do camarada e saltam para o cockpit, dispostos a regressar aos ares.

Romance sobre o amor, mas também a dor, de voar, remete-nos para os tempos do pioneirismo da aviação, que de Saint-Exupéry fez parte. Não é difícil ler no retrato psicológico dos personagens do romance traços das suas experiências como piloto de correio. É particularmente incisivo no ponto de vista da solidão, quer a do piloto que voa pelos céus de paragens remotas, mas também a do gestor, que sabe que das suas ações dependem vidas, e não pode ser clemente com os que o rodeiam.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Lost+Found

 












Outras Lisboas. Os encantos do alto modernismo português na decoração arquitetónica, na zona de Alvalade, onde Lisboa ainda é uma cidade habitável e não parque temático very typical a perpetuar o falso purismo estético e social de um passado distante (tempos onde, francamente, hoje não quereríamos viver).

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Os Soldados Fantasma


José Barata-Feyo (2023). Os Soldados Fantasma.  Lisboa: Clube do Autor.

Há livros que se leem de uma penada, e este, mercê da combinação entre um tema obscuro mas muito interessante, e uma tarde fria de outono, foi um deles. A prosa clara e focada do autor ajudou. O ponto de partida é muito interessante: procura contar a história dos soldados portugueses que combateram em França, na II Guerra Mundial. É uma história totalmente desconhecida, a que se desvenda neste livro.

A tarefa não é fácil, dada a escassez de fontes. De acordo com o autor, os arquivos oficiais são omissos, e a história conta-se através da combinação de depoimentos de familiares de sobreviventes, excertos de memórias de outros combatentes, ou escassas informações militares. O resultado é um vislumbre de histórias muito interessantes, mas esquecidas. 

Digam lá que não gostariam de saber mais sobre a vida de uma pessoa como o português que, após ter fugido para França após a derrota republicana em Espanha, em cujas forças combateu, muda o seu nome para Waldemar Leônidas, combate nas unidades da Legião Francesa na defesa da Noruega, é feito prisioneiro do governo de Vichy no norte de África, alista-se nas forças de De Gaulle, é incorporado numa unidade de combate constituída por voluntários espanhóis que, numa combinação de espírito aguerrido e acaso, é a primeira unidade das forças francesas a libertar Paris (tal facto encontra-se comemorado perto do Hotel de Vile, com um jardim dedicado à unidade La Nueve), desfila ao lado do general aquando da parada da Libertação de Paris, e acaba a guerra meses mais tarde, ferido em combate no coração da Alemanha, e no pós guerra viverá uma vida que o leva às sete partidas do mundo? Esta é uma das muitas histórias que é aflorada neste livro.

Incorporados em unidades de combate compostas por voluntários estrangeiros, os soldados portugueses eram um misto de pessoas, desde ex-combatentes da guerra civil espanhola refugiados, a imigrantes que queriam contribuir para o país que os acolheu (e talvez atingir a nacionalidade). O seu destino, enquadrado na generalidade destes voluntários estrangeiros, é um de valor e desprezo. Se se distinguiram em combate, muitas vezes com pesadíssimas baixas, foram destratados aquando da capitulação, e os registos pouco completos mostram o desconforto das autoridades francesas com estes homens que arriscaram, e em muitos casos, deram a sua vida pela França.

O livro ainda inclui um pequeno capítulo aos portugueses mortos pela França, ou seja, civis não combatentes que por circunstâncias várias mereceram essa distinção oficial do governo francês.

Estes soldados fantasma são uma excelente contribuição para a história da II Guerra, bem como do papel de Portugal nestes tempos, que não se resume à política de neutralidade pendente para os Aliados salazarista ou o comércio de volfrâmio, essencial quer para as bombas nazis quer as aliadas. Há a ocupação japonesa de Timor (as memórias de Cal Brandão, socialista desterrado na ilha, são um precioso documento sobre esse tema), e agora a história desconhecida dos homens que se alistaram nas forças francesas.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Re Read

@archizer0 Se vale a pena? Espaços destes são sempre bem vindos. Mas nada que feiras do livro usado, alfarrabistas ou feira da ladra não tenham (e com preços mais baixos, em muitos casos). Se vou voltar? Claro. #booktok #booktpt #reread ♬ Seaside Blossom - Mateo Sanvila

 Não resisti a visitar a nova livraria lisboeta, que se tornou sensação viral. A Re Read fica em plena Avenida de Roma (ao lado do metro, pormenor que poderá ser importante para aqueles que, como eu, deixam o carro na zona da praça de Londres, e é uma pequena caminhada que se faz bem) e oferece livros usados a preço fixo. Começa nos 4€ por livro e vai aos 15€ por cinco.

Há um nome para este tipo de negócio, por cá chamamos-lhe de alfarrabistas, mas a Re Read tem uma estratégia de marketing inteligente e posiciona-se como uma livraria de bairro com consciência ecológica, replicando um modelo vindo de Espanha. Já visitei Re Reads em Madrid e afianço-vos que os espaços de cave atafulhada de tomos deles não se assemelham à decoração airosa e trendy desta livraria, pensada com bom gosto e, certamente que também, para ficar bem no Instagram ou TikTok. Não interpretem isto como piada acintosa, é mesmo um espaço agradável e são estas as regras do jogo de marketing dos dias de hoje.

Os preços parecem convidativos, até nos recordarmos que muito provavelmente encontramos os mesmos tipos de livros em alfarrabistas, stands da Mbooks ou na feira da Ladra por preços mais baixos. Não é mau negócio. De alfarrabistas trago livros com preços que vão de 1€ a 8/10€, e já paguei mais por livros que quis mesmo ter na minha biblioteca. Na mesma semana em que visitei a Re Read, descobri em Alcobaça um alfarrabista de onde saí com um livro clássico da Afrodite que me custou 45€ (bem, descobri não é o termo correto, foi mais tropecei, já estou numa curiosa fase onde não procuro livrarias, elas é que me encontram nos sítios por onde passo). O modelo da Re Read é diferente, aposta em preços fixos, e quem sabe se entre as suas estantes não temos a sorte de encontrar alguma raridade. Estas observações parecem querer reduzir o valor de um livro ao seu preço, mas o que um tomo realmente vale vai muito mais longe do que o valor marcado em euros.

O acervo da livraria não é muito grande, o que se pode explicar pela sua recente abertura e pelo sucesso viral que tem tido, com muitos visitantes a entrar para conhecer o espaço e sair de lá com livros nas mãos. Claro que ao entrar num alfarrabista, desculpem, livraria de bairro que dá nova vida aos velhos livros, um bibliófilo atento nunca sai de mãos a abanar. Vim de lá com cinco curiosidades bibliográficas - uma recolha de textos literários portugueses sobre naufrágios e batalhas, crónicas de Onésimo Teotónio Pereira (ando curioso com este intelectual português) editadas nos Açores, uma antologia de textos que vão de Artaud a Ouspensky sobre experiências com psicotrópicos (porque eu <3 literatura transgressiva); um caderno de atualidades onde personalidades que vão de Bertrand Russel a Von Braun deixam perspetivas sobre a exploração lunar (direitinho para a minha coleção de bibliografia retrofuturista), e um relato do jornalista da Atlantic James Fallows a voar sobre a China). 

Vale a pena visitar, e regressar? Claro que sim. Não é um espaço alfarrabista purista (até porque, na zona da cidade onde se instalou, os habitantes do bairro limítrofe se horrorizariam de frequentar tais antros), mas como qualquer livraria onde se encontrem livros em segunda mão, o gosto está em mergulhar nas pilhas e encontrar preciosidades bibliográficas. Recordando que o que para mim é um achado, para outros pode ser algo a passar ao lado. 

É este o gozo dos livros em segunda mão, que se têm tornado uma das principais fontes de compra. Não o faço pelo factor preço. Tem a ver com o acaso de encontrar livros inesperados, por vezes com alguma raridade, mas também com o meu cansaço perante as livrarias tradicionais. Sempre atafulhadas de novidades, onde é difícil encontrar obras mais antigas. Outro fator que me leva aos livros antigos é poder encontrar obras de autores que já não se encontram em livrarias tradicionais, caídos no esquecimento editorial. A Re Read é mais um espaço para caçar livros, e o ter um design simpático um bom pormenor. Junta-se à Livraria do Mercado (têm de ir a Óbidos para a descobrir) na categoria de alfarrabistas mais apelativos para as estéticas Instagram, mas que não descuram o seu acervo.

domingo, 19 de janeiro de 2025

URL


John Mostacci, 1986
: Na alta fronteira.

The Snow Queen: o regresso ao lugar feliz: Compreendo bem este valor dos livros que, décadas passadas após a nossa primeira leitura, ainda se mostram frescos, intrigantes e enriquecedores a cada nova leitura. As Crónicas Marcianas de Bradbury são um dos meus lugares felizes, o livro que cito sempre que me perguntam o porquê de gostar de ficção científica.

Prize-Winning Sci Fi Novels of 2024, recommended by Sylvia Bishop: Denoto a presença do curioso fenómeno In Ascencion, um daqueles livros que o radar me indica que terá de ser lido.

The 25 Best Films of 2024: Sugestões fílmicas na vertente documentário e experimental.

Trump’s Fans Are Suffering From Tony Soprano Syndrome: Perdoem a intrusão nesta secção, mas este excelente artigo fala das leituras demasiado literais que os públicos fazem de personagens que são claramente metáforas de autoritarismo perigoso. Como, por exemplo, pensar que Judge Dredd é um paladino da liberdade, The Punisher um exemplo a seguir, ou que os super-heróis de The Boys são realmente heróis. Estas personagens obviamente satíricas, são para demasiadas pessoas modelos de comportamento a admirar. Ou, como coloca o artigo, há uma diferença entre pensar que Darth Vader é um personagem fenomenal, e querer ser como Darth Vader. Pessoalmente, adoro Judge Dredd. Mas sei que é uma metáfora da máxima orwelliana de que o futuro é uma bota cardada a esmagar-nos o rosto.

5130) As grandes ilusões: a guerra (6.12.2024): Recordar o extraordinário filme de Jean Renoir sobre a ilusão do cavalheirismo no meio da destruição.

Has BookTok Passed Its Prime?: Como todas as trends, tem o seu prazo de validade. O TikTok é notório pela efemeridade, é raro que as tendências se mantenham durante muito tempo. Para agravar, há que contar com a entrada dos departamentos de marketing, que tentam aproveitar a boleia da tendência, e quando isso acontece dita geralmente o seu fim. O que torna estas tendências interessantes é o serem partilhas e pontos de vista de pessoas normais, de fãs. Quando se percebe que é uma tentativa de criar anúncios e gerar interesse de forma artificial, perde o interesse. Mas isto não significa o fim do booktok. Quem o faz por gosto, mantém-se a partilhar as suas leituras.

Science Fiction Writer Ted Chiang Wins Major Short Story Award: E merecido. Chiang não é leitura leve, a sua complexidade literária permite ultrapassar os limites conceptuais das literaturas de género.

Following the Drake Equation: Five Stories About Searching for Intelligent Life in the Universe: Diferentes formas de ler a famosa equação que especula sobre a possibilidade de vida inteligente no universo, sob a perspectiva da ficção científica.

Robert E. McGinnis cover illustration for Jean Vicary«s Castle at Glencarris (1972): Goticismos.

"La transición verde puede ser una transición china". El coche eléctrico en Europa tiene un gran problema: baterías: Já percebemos que nisto, como em muitas outras áreas, estamos a perder o comboio apesar de termos a capacidade técnica e industrial. Falta um certo espírito que quebre o gosto europeu pelas declarações de intenções que raramente passam do papel.

World Labs’ AI can generate interactive 3D scenes from a single photo: Uma intrigante forma de usar IA generativa para ambientes virtuais tridimensionais.

I’ve had a free subscription to Perplexity AI Pro for almost a year: Creio que isto resume bem a problemática da IA Generativa. Há quem a considere extremamente útil e incontornável. As pessoas verdadeiramente criativas, não sentem real necessidade de incorporar estas ferramentas nos seus processos de trabalho.

The Voyager Probes Are Dying: Os artefactos humanos que mais se afastaram do planeta Terra estão a chegar ao final da sua vida útil, mas continuarão a vaguear pela eternidade do espaço interestelar.

GIMP 3.0 – the open-source image editing is about to hit a major release: Um marco evolutivo num dos melhores exemplos de excelência open source.

The abject weirdness of AI ads: Bem, a IA é estranha, e o marketing reflete isso. Por vezes, toca o absurdo num sentido muito creepy.

"They see your photos" mostra o que a Google sabe sobre cada foto no Google Photos: O interessante nesta experiência é o mostrar a quantidade de dados que se pode obter de uma única foto, cruzando os metadados da imagem com a análise de conteúdo por IA generativa.

The new Surf browser shows why everyone’s trying to connect AI to the web: A introdução de IA como agente ao serviço do utilizador, correndo localmente no navegador, promete ser o próximo desenvolvimento útil desta tecnologia. Se bem que há um problema enorme de privacidade quando um algoritmo que funciona na cloud tem acesso a todos os dados pessoais que colocamos num navegador.

Who is Kavya Mehra: Talvez seja por ser de outra geração, de outro século e mundo, mas confesso que não percebo de todo o apelo de influencers virtuais. Já com os reais se sabe que estamos a ver uma imagem projetada que não corresponde ao real do nosso dia a dia. Mas estar a seguir o que não passa de vídeos gerados por IA com mera publicidade? A lógica deste fascínio ultrapassa-me de todo.

Don't trust ChatGPT Search and definitely verify anything it tells you: Obviamente, pensa qualquer um que tenha uma pálida compreensão de como estes modelos funcionam. Infelizmente, sabemos o que vai acontecer. A esmagadora maioria dos utilizadores vai querer fazer exatamente isto, e confiar em absoluto nas respostas.

Focus: Ground Drones at Heart of Ukraine’s Battles Between Tactical Innovations and Combat Realities: Sem querer glorificar a tragédia que é a guerra ucraniana, está a ser um cadinho de inovação criativa nas tecnologias robóticas.

What the Company With the Highest Stock Gain From AI Actually Does Is Extremely Grim: Sabemos que a Nvidia tem sido espetacularmente beneficiada com o disparo da IA Generativa. Mas há outra empresa de hardware que também está a colher benefícios, porque a procura de sistemas de refrigeração para centros de dados disparou.

Protecting Undersea Internet Cables Is a Tech Nightmare: A logística da defesa dos cabos submarinos que sustentam as redes globais.

Google’s Genie 2 “world model” reveal leaves more questions than answers: Sendo a principal, porque é que só vemos demos das coisas supostamente fantásticas que conseguem criar, e nunca vemos produtos finais?

3 things that didn’t make the 10 Breakthrough Technologies of 2025 list: Confesso que desconhecida de todo o conceito de central energética virtual - uma rede que congrega diferentes fontes produtoras de energia e gere a sua distribuição. E, malta, os eVTOLs nunca vão passar de protótipos giros.

Focus: US-made F-35 Stealth Fighter Demonstrates Unmatched Combat Capabilities in Israeli Strike Against Iran: Uma aeronave controversa, cujo desenvolvimento ultrapassou todos os orçamentos e as primeiras iterações se revelaram problemáticas, mas que, a avaliar pela forma como Israel os usou no recente ataque ao Irão, são mesmo uma plataforma temível nos ares.

FlatMac: Building the 1980’s Apple iPad Concept: Por um lado, destaca-se a ideia de dsign que nunca passou do conceito. Por outro, o trabalho do maker que torna tangível, e funcional, algo que nunca passou de um conceito. Seria interessante ver mais projetos de retro-computação experimental que conseguiam tornar funcionais projetos que nunca foram construídos.

The GPT Era Is Already Ending: A IA Generativa está a evoluir, o modelo de chatbot estáa revelar as suas fortes limitações, e agora investigam-se modelos mais avançados. Mas, com isso, disparam os custos e a necessidade de recursos.


Ingram Pinn, 1983: Old media.

Iran’s F-14 Tomcat era ends with the arrival of new Russian Su-35SE Fighters: O fim da carreira de uma das mais icónicas aeronaves do século XX, cuja carreira se prolongou muito além do expectável.

Ucrania ha encontrado un aliado inesperado ante la falta de armas: Rusia y el "efecto boomerang" de sus drones kamikaze: O explorar de vulnerabilidades permite virar a arma automática contra quem a lança.

The Fall of Aleppo Was Oddly Familiar: O recrudescimento de um conflito que se julgava estabilizado, sinal de um certo declínio russo a ser muito bem aproveitado pela Turquia e Israel (edit: entretanto, como a realidade geopolítica se move mais depressa do que este blog, o regime sírio já caiu; não houve dependurar de ditadores em estações de serviço, e a implosão de um regime sustentado pela Rússia e o Irão é uma derrota destes dois regimes).

The Banal Evil of Atrocity Photography: Documentar o indocumentável,  registar o atroz, ou o imperativo burocrático de arquivar o impensável.

A ‘Radical’ Approach to Reclaiming Your Attention: Um olhar para iniciativas de digital detox, no fundo reações algo sideradas de pessoas que se sentem sobrecarregadas pelo mundo digital e não sabem muito bem como lidar com isso.

Bitcoin just hit $100,000: Ah, se há dez anos tivesse comprado umas bitcoins, agora podia reformar-me. Se bem que este disparo das criptomoedas não é positivo, está diretamente relacionado com o resultado das eleições americanas e a expetativa dos mercados que a nova administração traga desregulação, ou, sendo direto, os criptobros esperam terreno farto para vilanagem. Note-se também que que as moedas virtuais são propensas a oscilações que fazem as montanhas russas parecer planaltos.

A playlist of the 100 most streamed songs on Spotify: Fui espreitar a lista, e fiquei tranquilo. Fora alguns prazeres culposos como Another Love de Tom Odell ou Don't Stop Believing dos Journey (bem disse que eram prazeres culposos…), as minhas preferências sonoras continuam bem distantes daquilo que o maralhal de hoi pollois aprecia.

Qué fue de Kim Dotcom, el incalificable fundador de Megaupload que marcó un antes y un después en las descargas: Recordam-se desta personagem, o prototípico techbro que lucrou com o trabalho alheio e se tentou metamorfosear em combatente pela liberdade digital quando foi levado à justiça?

The UnitedHealthcare Gunman Understands the Surveillance State: As reações ao assassinato de um executivo em plena rua têm sido brilhantes. As redes estão inundadas de comentários a heroicizar o assassino, mostrando que socialmente, estamos a ficar fartos dos bilionários e dos seus sequazes, que enriquecem enquanto empobrecem a sociedade. Ninguém está a verter lágrimas pela morte do um presidente de uma empresa notória por negar tratamentos e pagamentos a pacientes com doenças fatais (e isto, malta, é o que nos espera se as vozes anti-SNS levarem a sua avante, um sistema de saúde em que interessa mais o lucro milionário dos operadores do que a vida humana). Para além de seduzir o público com esta versão 2024 da guilhotina que devora aristocratas, é de notar que o assassino conseguiu ludibriar as tecnologias panopticon que nos rodeiam no dia a dia.

Mi móvil me estaba robando todos los tiempos muertos. Hasta que decidí ponerle fin: É um processo que todos temos de fazer, o encontrar pontos de equilíbrio no nosso uso de dispositivos móveis, e escapar à tirania do apelo constante à atenção com que as apps são desenhadas (vejo tantos a criticar a adição aos telemóveis, mas raramente se fala dos mecanismos que estimulam essa adição, talvez porque fazê-lo, levanta questões incómodas sobre práticas e ética das empresas que desenvolvem plataformas e aplicações).

Stop using generative AI as a search engine: É talvez das coisas mais estúpidas que se pode fazer, usar um LLM como um gerador de respostas. E é a grande tendência do seu uso, numa combinação entre a sede das empresas de IA em ganhar utilizadores e a preguiça social coletiva daqueles para quem é mais importante o delegar do que o fazer: "This is all bad design, of course. Technology that actually serves people takes into account human behavior. Maybe there is a way to make generative AI useful, but in its current state, I feel tremendously sorry for anyone gullible enough to use it as a research tool."

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Astounding


Alec Nevala-Lee (2018). Astounding: John W. Campbell, Isaac Asimov, Robert A. Heinlein, L. Ron Hubbard, and the Golden Age of Science Fiction. Nova Iorque: Dey Street Books.

Nunca é boa ideia aprofundar a biografia das figuras de charneira que respeitamos. Acaba-se sempre por perceber as suas falhas pessoais, e isso pode diminuir a forma como os vemos. É sempre complicado perceber que os nossos ídolos têm pés de barro, e podemos lidar com isso de duas formas. A simplista e redutora, em que tentamos apagar a sua memória e diminuir os seus contributos; e a complexa mas correta, que assume que as pessoas que influenciaram estéticas e criadores eram, antes de tudo, humanas, logo imperfeitas, incoerentes, capazes do muito bom e muito mau. Nos últimos tempos a tendência parece pender para a forma intelectualmente mais confortável, especialmente nos excessos da cultura de cancelamento, em que se uma dada personalidade cai no desagrado público é condenada à ostracização e esquecimento. Esta é uma posição simplista, que rejeita a obra apenas com base nas imperfeições da pessoa, e um tremendo erro cultural. Não seguir estes caminhos é raro, e desafiante.

Esta biografia de John W. Campbell tem esse condão. A importância do lendário editor pulp da Astounding (e outras revistas) é fulcral na história da ficção científica. Não é exagero dizer que toda a estética clássica da FC parte do seu trabalho editorial. Wells e Verne mostraram caminhos, mas foi o sentido de editor de Campbell que guiou escritores que se tornaram nos nomes de charneira do género no sentido de escrever histórias onde a aventura acéfala ficava de parte, com o seu cerne constituído por especulação técnica e científica, mesmo que o texto fosse sobre empolgantes aventuras no espaço.

Claro, podemos discutir a validade dessa estética, que evoluiu para as vertentes mais complexas da HardSF. O pulp campbelliano restringe-se aos cientistas e heróis de tez branca, que entre as invenções do presente ou as especulações do futuro resolviam problemas com ciência e tecnologia. De fora ficou a diversidade de género, ou a visão social da FC. Não me parece que isto seja inerentemente criticável. Em parte, estas limitações eram consonantes com o espírito do seu tempo contemporâneo. E, talvez mais essencial, construíram o caminho que permitiu à FC escapar-se ao grilhão das historietas de aventura para adolescentes e se tornasse o género complexo e vibrante que hoje é. Outras literaturas de género não o fizeram, e ou se extinguiram (em parte porque os tempos evoluem, e hoje não nos divertimos com as peripécias de pilotos de biplanos, por exemplo), ou se tornaram estereotipadas, onde as histórias se lêem como uma aplicação chapa 5 das estruturas e estéticas, com resultados previsíveis e banalizados (suspeito que me vão bater por expressar isto, mas é a opinião que tenho sobre géneros com o romântico ou o policial).

Nevala-Lee vai longe no traçar da vida e influência de Campbell, desde os seus começos como editor até falecer. Mostra a sua importância, a forma férrea como trabalhava com os seus autores, como os conduzia e guiava no sentido que ele julgava ser o mais adequado. Se este direccionismo nos parecer excessivo, é graças a ele que temos autores como Heinlein ou Asimov, e tudo o que partiu deles. Mostra, também, um progressivo endurecimento à medida que envelhece, chegando a desmascarar algum racismo e misoginia. Descartar estas expressões como mero espírito do tempo é insuficiente, e esquece que os tempos melhoram porque as pessoas evoluem.

Se Campbell é a figura central desta biografia, o livro detalha as personalidades pessoais e literárias, bem como as relações, entre três das suas maiores criações, escritores que com as suas directrizes, evolouiram para se tornar autores fundamentais, ou, num caso, pontos muito baixos do género. Falamos de Isaac Asimov, Robert Heinlein e L. Ron Hubbard. O retrato de Asimov é piedoso, mostrando-o como um rapaz algo isolado de Nova Iorque que se tornou cientista mas desabrochou enquanto escritor. Um homem de ideias interessantes, escritor prolífico e essencial da FC, mas longe de ser perfeito - a forma desrespeitosa como tratava as mulheres não é esquecida ou menorizada (no fundo, mais por mostrar não ter noção do errado que era o seu comportamento). Heinlein é tratado com respeito, apesar do seu resvalar de conservadorismo excessivo, mostrado como um autor que sempre se superou, com profundas preocupações de progresso social.

Já quando a Hubbard, Nevala-Lee arrasa-o (suspeito que tenha ganho inimigos entre os cientologistas). Mostra-o como um mau escritor que é acima de tudo um consumado vigarista, sempre metido em esquemas e falsificando os detalhes da sua vida. Fundar uma seita de contornos religiosos é o corolário óbvio da desonestidade, e o que surpreende é a forma como o sagaz Campbell se deixou enredar nessa teia pseudo-científica, bem como a incapacidade de perceber a aura de falsidade que envolvia Hubbard.

As histórias pessoais destes autores e editor cruzaram-se numa fiação complexa. As suas relações não foram meramente profissionais, houve amizades, ódios, amores e traições. O livro traça também um retrato do emergir do fandom, e, novamente, não é um retrato simpático. Mostra que a cultura tóxica e o predomianr de personaldiades acintosas, algo que hoje contamina a cultura dos fãs, esteve presente desde o primeiro momento em que os primeiros fãs de FC se juntaram em sociedades e convenções, com lutas internecinas e tremendos choques de personalidades. 

Se admiram cegamente Campbell e os escritores clássicos da FC, não vos recomendo esta biografia. Vai mostrar-vos a complexidade das suas personalidaes, e expor os seus muitos defeitos de personalidade. Não vão conseguir deixar de pensar que esses defeitos condicionaram algumas das bases conceptuais da FC (não por acaso, movimentos futuros, como a New Wave, afastaram-se conscientemente das estéticas e temáticas clássicas). Mas, talvez o importante é não ser intelectualmente simplista e redutor. Estas figuras não foram perfeitas, o seu trabalho também não. Mas foram decisivas para a evolução do género. Sem Campbell, Asimov ou Heinlein (e outros, menos falados mas também importantes), não teríamos a FC enquanto género literário evoluído que temos hoje (no resto da cultura pop, como no audiovisual, a evolução foi menor). Ou, talvez sequer nem tivessemos ficção científica, com as velhas histórias de aventuras no espaço relegadas para o esquecimento, ao lado dos contos empolgantes de pilotos de biplanos nos ares, ou de aventuras de cowboys no velho oeste.