Onésimo Teotónio Almeida (2018). O Século dos Prodígios: A Ciência no Portugal da Expansão. Lisboa: Quetzal.
Com a sua habitual prosa lúcida, incisiva e erudita, Onésimo Teotónio Almeida leva-nos a confrontar uma forte lacuna na história das ciências - o papel nestas desempenhado pelos portugueses na época dos descobrimentos. Estudada geralmente sob perspetivas anglo-americanas, a história da ciência aponta o Iluminismo com o momento de viragem, em que o racionalismo e a busca pela observação empírica e análise do real deu origem ao método científico.
O que Teotónio Almeida se propõe neste livro é mostrar que houve um forte, e necessário, pioneirismo português neste campo durante a época dos descobrimentos, pese embora não tenha vindo a dar os frutos que mais tarde o iluminismo centro-europeu veio a dar. As eventuais razões para essa incapacidade portuguesa (e ibérica, uma vez que Espanha também entra nesta história) são analisadas no final do livro, sem o facilitismo de conclusões fáceis.
O grande ponto de partida é perceber que os descobrimentos portugueses não seriam possíveis sem um esforço científico concertado. Não basta saltar para dentro de um barco e partir pelo mar fora. É preciso o conhecimento concertado da geografia, matemática, astronomia e tecnologia náutica (isto, sem falar do armamento). Isto implica ciência, estudo, investigação, e acima de tudo um espírito que questiona o saber do passado. É esse o ponto onde Teotónio Almeida se centra, o surgir, em tratados náuticos e matemáticos da época, de um espírito crítico que rebate as conceções da ciência escolástica e geografia ptolemaica, por contraste com as novas realidades trazidas pela navegação. Terras e povos que contrariavam os postulados inabaláveis da Antiguidade, e o assumir na necessidade de analisar, de compreender o mundo face à experiência que dele temos, ao invés da fé cega em palavras antigas.
Passar de um saber adquirido pelo repetir do passado e da crença inabalável numa verdade estática para o fluxo da experiência, do analisar o real, desenvolver instrumentos técnicos e de pensamento que melhorem a nossa compreensão, é o dealbar do questionar científico. E isso passou-se cá na era quinhentista, séculos antes do momento em que os historiadores de ciência situam esse dealbar, e, também, numa geografia periférica face à Europa. Teotónio Almeida vai diretamente às fontes, aos textos de Pedro Nunes, D. João de Castro, Zurara, Francisco Sanches e até Camões, para nos mostrar a forma como a luz das Luzes se acendeu por cá, antes do seu fulgor definitivo.
A esse dealbar não se sucedeu um desenvolvimento capaz de o sustentar e fazer evoluir, o que ajuda a explicar o quase total esquecimento deste contributo português para a forma como entendemos a ciência.