Benjamìn Labatut (2022). When We Cease To Understand The World. Nova Iorque: New York Review Books.
É um lugar comum descrever o efeito da leitura de certos livros como o ter levado um murro no estômago. Aplica-se bem a este, um tour de force de erudição que se atreve a desmontar o mito do cientista iluminado, mostrando-nos uma perspetiva visceral sobre a história da ciência. É habitual, em obras que analisam os rasgos de brilhantismo que caracterizam os cientistas cujas ideias moldaram o nosso mundo, que o ponto de vista seja otimista, positivo, mostrando os processos mentais como algo lineares. Labatut não segue esse caminho, pelo contrário, mosra-os sob uma pespetiva febril e visceral.
Esta inversão moral da faísca mental científica sublinha a facilidade com que deixamos a desumanidade tomar conta dos sistemas que construímos. Isso é fortemente sublinhado quando Labatut nos fala do trabalho de Haber, cuja maior contribuição para a humanidade foi o processo de extração de nitrogénio para fertilizante, um dos elementos da reovlução agrícola que alimenta a humanidade, mas que também coordenou o programa alemão de armas químicas na I Guerra, que nos mostrou o horror dos ataques de gás. Um cientista cuja maior preocupação era temer que a sua invenção levasse a um proliferar das plantas, e que aparentemente não se incomodava por outras das suas invenções terem despoletado carnificinas horrendas nas trincheiras.
A outra grande inversão de Labatut prende-se com a forma como mitificamos o génio científico, a sua excentricidade como expressão de brilhantismo. Os retratos que faz de personalidades como o físico Heisenberg ou o matemático Grothendieck mostram-nos pessoas cujo foco extremo e comportamentos obsessivos estão muito para lá da barreira da loucura. De facto, se Labatut tivesse omitido os seus nomes e ofuscado os factos históricos, estaríamos a ler sobre as vidas insanas de loucos alucinados. É uma dicotomia perturbadora, perceber que não há fronteira ténue entre génio e louco.
Este livro é um romance não-ficcional, onde o autor inverte os prismas com que habitualmente se escrevem as biografias. É de uma erudição extrema, interligando a história e a ciência, mostrando as ligações, por vezes simbólicas, entre descobertas e personalidades que superficialmente não estão conectadas. É este outro dos méritos deste exercício intelectual, o mostrar o simplismo de visões focadas em factos ou personalidades isoladas, perante a complexa teia de interrelações que forma o longo devir humano.