terça-feira, 23 de abril de 2024

The Face of War


Martha Gellhorn (1994). The Face of War. Atlantic Monthly Press.

Para quem se interessa pela história dos conflitos, uma coisa é ler os estudos académicos, focados nas tendências, factos e movimentações. Outra, é ler o olhar de que viveu esses momentos, quer como participante e sobrevivente, quer como correspondente. Este livro notável reúne o olhar de uma veterana jornalista, com uma longa carreira a acompanhar conflitos. Apesar do olhar clínico de jornalista, não se oculta sob capas de isenção, é claro em todos os seus textos um profundo respeito pelos que lutam pela liberdade, e uma ácida crítica a todos os que usam o poder militar para explorar e oprimir.

O panorama deste livro é vasto. A carreira jornalística de Martha Gellhorn é longa, e isso reflete-se em textos que nos levam ao âmago de conflitos que vão da Guerra Civil espanhola às guerras sujas patrocinadas pelos EUA na América Central. O foco está sempre no terreno, no acompanhar das vivências dos soldados e sofrimentos dos civis.

Os textos sobre a II Guerra são particularmente tocantes. Começam com um acompanhamento do difícil mas triunfalista movimento das forças americanas na Europa, e terminam com a documentação do horror dos campos de extermínio e do julgamento de Nuremberga. Sente-se o desprezo, a desumanidade, o choque perante o impensável genocídio industrializado, a repelência dos responsáveis nazis, mas sem isentar um povo que, por medo ou fé ideológica, seguiu os seus ditames.

A acidez dos relatos agudiza-se ao cobrir a guerra do Vietnam, onde Gellhorn é implacável a desmontar a violência excercida sobre os vietnamitas numa guerra perdida à partida pela sua insustentabilidade. Ao acompanhar a Guerra dos Seis Dias mostra uma visão favorável da defesa israelita contra o ataque combinado dos países árabes e o seu tratamento dos palestinianos (suspeito que hoje, a visão seria diferente). Não poupa palavras ao documentar os horrores da repressão e guerra suja em El Salvador e Nicarágua, apontando o mesmo dedo de acusação criminosa que apontou aos nazis ao então presidente americano Reagan. O livro termina com uma meditação sobre os perigos do armamento nuclear, muito ao espírito dos medos de destruição mutuamente assegurada dos anos 80.

É deprimente, ler estes textos no nosso momento contemporâneo. Sentimos que o progresso humano foi nulo, que as histórias que Gellhorn nos conta, os seus testemunhos da violência espanhola, nazi, americana, vietnamita,  israelo-árabe, salvadorenha, se passam hoje em dia, nos mesmos contornos, apenas com diferentes protagonistas. Da invasão russa na Ucrânia ao desastre afegão, passando pelo reclamar de defesa genocida israelita em Gaza, à miríade de conflitos menos visíveis mais muito selvagens que se espalham em vários pontos do planeta. Até temos o regresso do espectro da guerra nuclear, invocado por um Putin que aplica o displicente rolo compressor de desperdício humano russo em nome de um passado intolerante. Curiosamente, um dos textos coligidos relata os encontros entre soldados americanos e russos na Alemanha, com Gellhorn a mostrar a humanidade russa, mas também o desprezo pela vida dos seus próprios soldados dos comandantes soviéticos. Um de muitos pormenores que tornam este livro vindo do passado numa obra de arrepiante atualidade.