quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Twenty Things to Do with a Computer Forward 50


Gary Stager, et al (2022). Twenty Things to Do with a Computer Forward 50: Future Visions of Education Inspired by Seymour Papert and Cynthia Solomon’s Seminal Work. CMK Press.

Confesso. Comprei este livro ao engano. Pensava que seria uma coisa, e ao abrir o pacote da encomenda, percebi que não era o que espereva. Contextualizando: descobri este livro através de partilhas de um dos seus autores convidados, o inspirador professor Miles Berry. Foi através dele que fiquei a conhecer o texto original de 1971, que depressa se tornou uma das minhas leituras norteantes em formação, e discussão sobre o papel da tecnologia na educação. Pensei que os contributos seguiam o mesmo caminho, com projetos e ideias práticos. Não é isso o que o livro oferece, e posso-vos dizer que não defrauda o leitor.

Primeiro, um pouco de contexto. Os professores mais ligados à promoção da tecnologia na educação - promoção, no sentido sério de capacitação, de dar às crianças ferramentas avançadas que as estimulem e abram horizontes, e não promotores de gadgets educativos, sabem o quão incontornável é o trabalho de Seymour Papert. Em bom rigor, de Papert e as suas equipes de colaboradores, a começar por Cynthia Solomon. É nele que se encontra o ponto de origem dos movimentos contemporâneos de aprendizagem de programação e robótica por crianças. De uma forma superficial, podemos observar que Papert foi o criador da linguagem Logo, pensada para crianças programarem computadores. Algo que Mitchell Resnick, seu discípulo e herdeiro intelectual, fez evoluir para o ambiente de programação em blocos Scratch, que iniciou o catalisar de uma verdadeira explosão cultural. Recordo, há cerca de dez anos, de por cá se estar a dar os primeiros passos na introdução destas ferramentas na educação, e hoje, mesmo estando no meio deste trabalho, confesso que ainda me surpreende a enorme diversidade de abordagens, platagormas de programação, produtos de robótica acessível que hoje está ao dispor das nossas crianças.

Mas esta visão é redutora. Papert, como os seus seguidores, nunca propuseram que a importância de estimular as crianças a programar era uma capacidade útil para a empregabilidade num mundo progressivamente digital (é esse o argumento que sustenta algumas das maiores iniciativas de learn to code, da Code.org americana à europeia EU Codeweek). A sua visão é mais profunda, prende-se com o estímulo intelectual, o trabalhar formas de aprendizagem que não se baseiam na absorção passiva de conteúdos. A programação surge como desafio intelectual de alto nível, apesar de baseado em conceitos simples, que dá asas às crianças para evoluir com autonomia.

Diga-se que não é uma posição fácil de assumir, digo eu que estou no terreno e sinto na pele as agruras de ensinar nos constrangimentos do sistema de ensino. Não interpretem isto como lamento, qualquer professor que valha o seu sal sabe equilibrar estratégias e pontos de vista, trabalhar dentro de constrangimentos, e encontrar tempos e espaços onde pode avançar por caminhos menos convencionais. Mas noto, nos meus colegas, nalguns pais dos meus alunos (coleciono queixas por "não ensinar as coisas importantes do word"), uma total desistência face à apropriação do computador como estímulo intelectual. Tudo o que ultrapassa usos além da produção de docuementos e artefactos digitais muito básicos, é considerado excessivo, demasiado complexo para as crianças. Na verdade, essa complexidade está mais na cabeça dos adultos do que nas crianças, cuja capacidade para se apropriar deste meios nunca cessa de me surpreender, desde que saibamos como as introduzir nestes mundos (pista: desafiar os miúdos a criar programas que façam cálculos matemáticos pode não ser a melhor ideia, desafiem-nos a programar quadrados que se transformam em estrelas e vão ver como o coro de ooohs! e aaaahs! de contentamento vos aquece o coração).

A base do Logo, tal como a do Scratch, estava na criação de ambientes computacionais abertos, simples de iniciar mas com largos horizontes de exploração, que melhor se definem na metáfora papertiana de low floor, high ceiling, wide walls.  E, não transformar a exploração desses ambientes numa rotinação de exercícios sequenciais (embora haja momentos em que estes tenham o seu papel), mas sim permitir explorações abertas, livres, de acordo com os interesses das crianças.

Todo o livro parte disto, do texto clássico de Papert e Solomon Twenty Things to do With Computers. É um texto que nunca cessa de me surpreender, e também, de me deprimir. Data de 1971, fala-nos do conservadorismo extremo do uso educativo da computação, da capacidade do computador como ferramenta cognitiva de alto nível nas mãos das crianças. E sugere vinte atividades de programação, que começam por meter robots a desenhar e acabam na música. Bem, na verdade, a vigésima sugestão é recursiva, um desafio ao leitor para pensar mais vinte atividades.

Este Forward 50 (ou fd, para quem se recorda do logo) constrói-se de reflexóes e testemunhos, de práticas e ideias. Uns recordam tempos de implementação digital em escolas, outros falam do que se faz, hoje, em escolas e makerspaces. Em comum, a dedicação a uma visão construcionista da aprendizagem, indo além das bases instrucionistas, ao uso de computadores na educação como meio de empoderamento das crianças e não de consumo passivo de conteúdos.

Esperava projetos práticos, saíram-me reminiscências, reflexões e relatos. Diria que nada assenta melhor a um livro sobre este temas: não dar soluções fáceis, mas sim apontar caminhos e recordar-nos que não temos de temer os dragóes que se ocultam nos territórios náo desbravados. Porque, e aqui falo da minha experiência pessoal, quando se comelam a trilhar estes caminhos depressa percebemos que não há regressos, porque percebemos o profundo impacto que têm nos nossos alunos. E isso, é o que nos dá alento nos momentos mais espinhosos.