terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Mort


Terry Pratchett (1988). Mort. Londres: Corgi.

Não é que tenha relutância em meter-me com esta, a mais clássica da séries de fantasia, mas tem sido mesmo falta de oportunidade. Recordo a mordacidade da prosa de Pratchett como o antídoto certo que temperou o onirismo algo pretensioso de Gaiman em Good Omens, e ficou no ar o desejo de mergulhar na sua prosa mais pura. Por bizarria, nunca me cruzei com os seus livros, apesar de ter mantido o desejo de os experimentar no radar. Coisas do acaso das bibliofilias, difíceis de explicar, mas porque todos os bibliófagos passam.

Não poderia ter escolhido melhor livro para iniciar leituras de Discworld, digo eu do alto da minha ignorância sobre uma série que conta com mais de cinquenta volumes. Confesso, foi una certa curiosidade mórbida sobre o tratamento dado à Morte o que me levou a pegar nesta ponta. Mal sabia o que me esperava.

Numa curta sinopse, a história é sobre a Morte, que nalguma crise de meia idade (se é conceito aplicável a seres infinitos) anda com pouca vontade de desempenhar o seu papel, e com imensa vontade de descobrir o que é isso de viver uma vida normal. O corolário será tornar-se cozinheira de comida rápida numa tasca, garantindo que as melhores vitualhas vão não para os clientes que se deliciam com as comezainas, mas para os gatos que infestam as ruas. Para ter o tempo que necessita para se descobrir, a Morte delega as suas tarefas fatais (desculpem, piada básica, eu sei) num aprendiz. Aprendiz esse que não é particularmente talentoso, e num dos seus primeiros trabalhos, vai enganar-se e com isso causar um incidente que irá alterar a realidade do universo. Juntem aos ingredientes a filha adoptiva da Morte, talvez a única pessoa que não se deixa intimidar pela sua voz cavernosa, uma princesa que queria ser rainha e deveria ter morrido, mas por engano não foi colhida, um mago pouco experiente que tenta de tudo para contrariar a forma com o destino esquece a princesa que quer morrer rainha, e um fiel servente da Morte que é na realidade o mais poderoso dos magos de Discworld, que trocou a fama e o poder pela imortalidade como mordomo do palácio da Morte, e o que temos é uma história delirante, cheia de divertidas peripécias, que acabará num final saudavelmente feliz.

Mas o que realmente levamos da leitura é o seu espírito contínuo de bom humor. Pratchett pertence àquela veia do humor britânico de piada certeira, destrambelhamento narrativo e linguagem escorreita, numa montanha russa de imparável divertimento.