quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Parallel Botany


Leo Lionni (1978). Parallel Botany. Nova Iorque: Knopf.

Fiquei algo surpreendido, na banca de alfarrabista da Feira da Ladra, quando vi este livro de relance. Um bem encadernado manual de botánica, pensei, irresistível de espreitar as ilustrações científicas. Mas algo não batia certo. O texto que ia saltitando com os olhos parecia-me em tudo a secura da análise científica, mas as ilustrações eram bizarras. A saltar à vista, a capa, e se se perguntam porque é que um livro de botânica é ilustrado com uma capa a fazer lembrar o surrealismo de Yves Tanguy, pensam como eu. Suspeitei que havia no livro mais do que aparentava, e arrisquei a compra (sendo Feira da Ladra, não falamos de nenhuma fortuna). Algum tempo depois, saboreando um café na manhã quente de dezembro, fui às interwebs em busca do autor deste manual botânico. Percebi que a minha intuição estava correta, que estava perante algo muito diferente do que prometia ser.

Leo Lionni foi escritor de livros infantis e editor de arte em publicações internacionais. Este livro é uma curiosa sátira poética às ciências naturais, um détournement elegante e discreto. No estilo, replica a aridez do discurso científico, cruzando descrição factual, referênciação bibliográfica e dados complementares. Mas, na verdade, são pseudo-factos, pseudo-dados, todo o livro é um exercício de desconstrução poética surrealista. Perfeitamente credível para quem não percebe de botânica, o que o torna, também, um poderoso aviso sobre a forma como é fácil explorar a pseudo-intelectualidade para sustentar falsas credibilidades e, com isso, espalhar o que hoje chamamos de desinformação.

O tema do livro são as plantas efémeras, não pelos caprichos da natureza, mas por serem de uma natureza que está para lá da nossa realidade e tempo. Plantas fugazes, que só se deixam entrever por lentes especiais, quase impossíveis de estudar porque resistem à sua fixação no tempo. Vegetação esotérica, de estranhas proprieades, que se esfuma ao toque humano. Como vos disse, surrealismo poético transmutado em discurso pseudo-científico.

A acompanhar o delírio discreto do texto, ilustrações de perfeito surrealismo fora de contexto, retratando as fugazes plantas paralelas, ou os usos e costumes de tribos inexistentes em geografias irreais. Apesar da óbvia sátira, o livro nunca se descose, é sempre mantido o tom de onirismo em realismo científico. É sátira elegante e poética, não ironia rude.

Este achado de um acaso totalmente apropriado ao tema do livro, vai diretamente para a minha estante de curiosidades literárias esquecidas,  e dos livros que embora não sendo assumidos como tal, são claramente exercícios de ficção fantástica.