Fernanda Botelho (1960). A Gata e a Fábula. Lisboa: Livraria Bertrand
Descobri este romance num acaso de feira da ladra, seduzido pelo design vanguardista antigo da capa. A prosa começou cheia de força, os primeiros parágrafos do livro são um portento de linguagem, mas depressa estabiliza num romance de sensações e sentimentos. Diria que vazio, a busca infrutífera para fugir a essa sensação, é o grande tema deste livro.
Somos levados ao Portugal dos anos 40, para o seio de famílias de classe alta. Pessoas para quem as aparências contam, e as relações familiares são um eterno negócio por vantagens financeiras. O casamento é o meio privilegiado para se garantir uma vida desafogada, quer casando com pessoas financeiramente mais afluentes, quer sonhando com o futuro de potenciais herdeiros. Cruzam-se aqui duas famílias minhotas, cujos filhos parecem destinados a um casamento que unirá o nome aristocrático mas sem dinheiro de uns à riqueza de outros. É um destino a que o complexo Duarte, e a muito senhora do seu nariz Paula, tentarão fugir até um choque final.
Duarte é a principal personagem deste romance, homem que cresce algo vitimizado pelo pai por não ser um típico rapazola amante de tropelias e ser mais dado aos livros. A relação do pai é de um profundo desprezo, é um homem que desde sempre entrou no jogo dos casamentos e heranças para ter uma vida desafogada com rendimentos, que passarão para os seus filhos. Mas como homem do século XX, Duarte incomoda-se com esse destino, procurando outra vida nos estudos e em viagens. De qualquer forma, o peso da tradição acabará por o apanhar, e regressará à aldeia minhota para cumprir o seu destino de casar com a amiga de infância.
Esta é bem conhecida pelo seu espírito independente, algo irreverente, inconveniente e pouco domável. No fundo, trata-se do conflito entre o querer ser livre e os grilhões familiares e sociais que a prendem. A liberdade, encontrá-la-á no final, ao recusar o casamento, conseguindo libertar-se do destino que a todos parecia ser conveniente.
Retrato de um mundo de pequenez, de aristocracia tacanha, do querer viver de aparências e rendimentos, sem nada criar, nada produzir, apenas pensar em esquemas e estratégias para enriquecer. Crítica a uma sociedade conservadora, retrógrada, para quem a autopreservação é o valor supremo. Uma interessante surpresa, vinda de uma escritora que apesar de ter o seu lugar de importância na história da literatura portuguesa, parece hoje um pouco esquecida (bem, nunca tinha ouvido falar dela) fora de círculos académicos.