terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Oresteia - Agamémnon, Coéforas, Euménides


Ésquilo (2008). Oresteia - Agamémnon, Coéforas, Euménides. Lisboa: Edições 70.

Estes textos milenares continuam a tocar-nos, tantos séculos passados após terem sido escritos e representados nos anfiteatros gregos. Por um lado, o confronto de absolutos, que nesta trilogia dita o destino funesto da casa de Atreu. Agamemnon, vencedor das guerras e algoz dos troianos, regressa a casa para ser assassinado pela esposa. Mostrando o quão profunda pode ser a dor que leva à vingança, Clitmenestra disfarça até ao momento fatal o ódio que vota ao marido, por este não ter hesitado em sacrificar a sua filha mais nova para garantir a vitória na guerra. E, no meio de tudo, a infeliz Cassandra, profetisa amaldiçoada com o dom das previsões em que ninguém acredita, e que se deixa levar pelo destino. Mas a mulher também acabará morta, desta vez com um destino ainda mais impensável. É Orestes, o seu filho, que seguindo o imperativo moral de vingar a morte do pai, espeta a sua espada no seio que lhe deu o leite. Um imperativo sublinhado pelo oráculo de Delfos, manifestando a vontade do deus Apolo. A trilogia trágica termina com um julgamento. Apesar de cometido a seguir a vontade de um deus, o crime de Orestes é hediondo, e desperta a ira das Euménides, antigas divindades que atormentam os criminosos até ao inferno. Mas, se o crime de sangue de Orestes é hediondo e digno de perseguição, a culpa não será atenuável por ser um homem que segue os desígnios de um deus? E assim termina a tragia, com um julgamento onde a sábia Atena ouve os argumentos de Apolo, Orestes e das Euménides, e dá o seu veredicto de acordo com a vontade expressa pelo júri no Aerópago. Uma decisão algo salomónica, em que Orestes não sendo perdoado, é liberto da maldição porque a intervenção divina foi o elemento decisivo para o seu crime, e as vingativas divindades são concencidas a tornarem-se, também, protetoras da cidade e de quem faz o bem, embora não percam o seu papel de implacáveis perseguidoras dos piores crimes. 

As consequências das decisões violentas, o papel dos deuses questionado, a ideia que a vontade um júri humano deve prevalecer sobre a vontade de potestades. Questionar, assumir, vincar o humanismo, seguir o destino mas questionando os poderes das divindades. Era assim há 2000 anos, e talvez apenas naquele local do mundo. Ainda hoje, em muitas partidas da Terra, questionar a vontade expressa de seres míticos é algo punível entre censura e morte.