quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Satânia


Judith Teixeira (2019). Satânia. Silveira: E-Primatur.

Um livro, para mim, inesperado (o que só revela o meu desconhecimento sobre as figuras literárias portuguesa do século XX). Satânia reúne duas curtas novelas e uma dissertação da autora, a explicar o seu posicionamento face à arte, aos moralismos e ditames sociais convencionais. É uma leitura luxuriante, de puro prazer nas palavras, mas também nas ideias. Aliás, o asumir da luxúria é um dos temas visíveis nestes contos, tornado particularmente escandaloso por saber que estamos a ler as palavras de uma mulher, espertilhada pela sociedade conservadora portuguesa dos princípios do século XX. 

Satânia fala-nos dos confrontos entre intelecto e carnalidade, das cedências face às convenções sociais, e de como estas pressões dilaceram a alma sensível. Uma mulher só se sente verdadeiramente si quando cede aos braços de um jovem camponês, embora ame intelectualmente o seu marido. Iremos ver que não terminará bem, e encerra de uma forma que coloca a novela nos domínios do fantástico. Insânia toca no ennui de duas amigas da alta sociedade, lânguidas consumidoras da emoção de outros através da sua arte. Uma sensação que não se desvanece quando um jovem poeta, ao mesmo tempo incentivado e desprezado por uma das jovens, se suicida, tomado de amores impossíveis. O livro encerra com um ensaio onde a escritora mostra a sua falta de complacência para com os normativos, para o que esperavam dela, e assume o gosto na sua literatura transgressiva e sensualista.

A prosa é a de sentimentos exacerbados, fortemente expressionista mas com uma elegância decadente. Surpreende pelo abraçar do sensualismo, pela rejeição de compromissos. Uma leitura de puros prazeres, sem filtros que não os da elegância literária.