Confesso, sou daqueles que se recorda de na infância olhar para os escaparates das bancas de jornais e regalar-se com as capas da Gaiola Aberta, o tipo de publicação que deixava em estertores o lado mais moralista do meu ambiente familiar. Vislunbres apenas nas bancas, que a dita revista não chegava a casa. Para a memória, ficam as visões de meninas bem ajeitadas e de trajes reduzidos, o lúbrico chamariz de Vilhena para as suas publicaçóes. Que, apesar da capa de entretenimento sexualizado, eram na verdade visões satíricas corrosivas e implacáveis sobre os pruridos, a moral e bons costumes, e o conservadorismo da alma portuguesa. O autor ficou para a historia como um dos nossos malditos, da sua prolífica obra encontram-se com sorte exemplares nos alfarrabistas, e a Imprimatur fez esse serviço público que foi reeditar alguns dos seus livros.
José Vilhena (1971). Estou Desgraçada. Lisboa: Edição de Autor.
Uma história mordaz e picaresca, bem ao estilo de despertar o interesse espicaçando curiosidades pelo lúbrico e depravado. Uma história, também, sem inocentes, todos os envolvidos só pensam nos seus prazeres, posição social ou dinheiro. Quando uma empregada de limpezas, depois de ser seduzida por um engenheiro cuja esposa a empregou, consegue ser recompensada em tribunal com uma boa maquia, mal sabe as cruzes que a esperam. A procura de homem que a assegure é complicada pela soma. A mãe do antigo namorado, que a odiava, passa a fazer tudo para que o filho reate a relação, porque enfim, aos humores sobrepõe-se os cifrões. Acabará por ser feliz o final, depois de umas tropelias que levam a pobre rapariga novamente à desgraça. E a brincar, a brincar, lá está o retrato implacável da sordidez social, da visão das classes altas endinheiradas como capazes de se safarem com o que querem, mesmo que tenham de pagar por isso, enquanto o povo vive em pobreza, de horizontes curtos e para quem a ilusão de uns trocos a mais soa a verdadeiro paraíso.
José Vilhena (1974). Se Bem me Lembro... Lisboa: Edição de Autor.
Quando um escritor de província desce a Lisboa para apresentar as suas ideias de um programa televisivo à RTP, sobre as suas memórias, só o espera o óbvio desprezo. Resta-lhe um editor mais salacioso, que o conhece por acaso, e que vê nessas memórias uma hipótese editorial. Graças aos seus esforços, podemos hoje ler estas cinco crónicas que nos levam ao passado recente de uma aldeia das Beiras, saboreando a humildade da pobreza, a castidade das recordações de vislumbres de corpos femininos, ou os saudáveis bons costumes da gente de bem, lestas em apontar o dedo aos pecadores mas capazes de perdoar umas discretas libertinagens com as criaditas, ou umas visitas às casas de meninas, porque, enfim, há necessidades que se sentem e é compreensível que sejam saciadas. O que não se admite são poucas vergonhas, libertinagens e pontos de vista imorais ou contrários à pátria e ao regime.
A obra é, obviamente, satírica (deixo o aviso caso peguem nela sem saber quem foi Vilhena). Imitando na perfeição o estilo de um homem de letras provinciano, o texto faz uma crítica corrosiva ao moralismo e bons costumes do portugal bafiento do estado novo; traços culturais que ainda hoje persistem na forma conservadora como apresentamos a nossa sociedade.
José Vilhena (1959). Manual de Etiqueta. Lisboa: Edição de Autor.
Profundamente mordaz e acutilante, uma crítica social que não poupa ninguém. A etiqueta e bons costumes são uma forma de Vilhena colocar a nu os maus costumes sociais e individuais, ou ironizar com a subtileza de uma explosão com os preceitos sociais. Escrito no passado a arrasar os usos de um portugal de outros tempos, mas tirando alguns detalhes de época, não assim tão diferente do de hoje. No seu cerne, a ironia mordaz de Vilhena aplica-se tanto hoje como antigamente.