Becky Chambers (2018). Record of a Spaceborn Few. Nova Iorque: Hodder & Stoughton.
A série Wayfarers representa um olha diferente para a clássica space opera. Tem à partida os elementos clássicos, as vastas paisagens ficcionais, a multidão de alienígenas, a miríade de planetas colonizados, os enredos políticos e o potencial das aventuras no espaço. E, no entanto, não são essas as histórias que Chambers conta. Em vez de ação e aventura, temos o oposto, somos levados a olhar para pessoas normais que vivem nesse mundo ficcional. E, com isso, explorá-lo, não sob pontos de vista abrangentes, mas pelo olhar fragmentado daqueles que são apenas indivíduos numa vasta civilização multi-espécies. Sempre com uma enorme tolerância, um dos pilares filosóficos desta série é a compreensão e respeito intercultural e individual.
A ligação à série é assegurada por uma personagem, irmã do capitão da nave Wayfarer (que, tal como a sua idiosincrática tripulação, só aparecem na série no primeiro livro). Esta é a porta de entrada para um mergulho na sociedade das naves geracionais da diáspora humana. No mundo ficcional destes livros, a destruição ambiental da Terra levou ao êxodo para o espaço, com a humanidade a dividir-se em dois ramos - os que ficaram no Sistema Solar, colonizando Marte e habitando estações orbitais nos planetas mais distantes; e um grupo de naves geracionais, que viajou pelo espaço à procura de um novo destino. Foram nestas que se deu o primeiro contacto com as civilizações alienígenas, cujo conselho galáctico a humanidade viria a integrar. A descoberta de que não estávamos sós no universo, e o contacto com o saber tecnológico e científico das civilizações alienígenas veio abrir uma terceira possibilidade aos humanos, a de colonizadores de planetas terraformáveis (e uma quarta, com um grupo de eco-cientistas apostados em reverter os danos ambientais à Terra de origem). Quanto às naves geracionais, apesar de deixarem de vaguear pelo espaço, não deixaram de ser um dos grandes habitats humanos, povoados por uma comunidade de costumes muito próprios.
É essa cultura de independência, resiliência e relações sociais assentes num forte comunitarismo que iremos descobrir através do olhar de vários personagens: uma mulher solitária cuja vocação é o cerimonial fúnebre que, numa nave geracional, consiste na compostagem dos corpos para recuperar os nutrientes para fertilizante; um adolescente fortemente indeciso sobre o seu papel na sociedade a que pertence; um jovem aventureiro que vem das colónias planetárias em busca de uma vida na comunidade do êxodo; e a arquivista-chefe dos arquivos de memórias das naves, um repositório digital dos registos das vidas dos seus habitantes.
Durante boa parte da leitura, custa a compreender onde quer chegar este livro. Chambers conta-nos as histórias destes personagens sem qualquer intersecção, de forma fragmentária. Ficamos sem perceber a lógica do livro, até um momento catalisador - a morte de uma das personagens, que irá interligar as restantes e levá-las a avaliar a sua forma de viver e atuar na sociedade.
Este terceiro volume da série Wayfarers, um pouco como o anterior, leva-nos a pensar em questóes de comunidade, memóroa e pertença, de sobrevivência ecológica, adaptação ao ambiente que nos rodeia. Mas, também, sobre a necessidade de mudar, de exploração do desconhecido numa perspetiva de desenvolvimento pessoal. De facto, isto é uma abordagem que pega na Space Opera tradicional e a leva para caminhos mais contemporâneos.