Bekcy Chambers (2014). The Long Way to a Small, Angry Planet. CreateSpace.
Uma lufada de ar fresquíssimo num estilo envelhecido, é a forma como melhor consigo descrever este livro. Se há género batido, usado e abusado em ficção científica, é a space opera. Junte-se a isso a também muito usada linha narrativa da personagem novata e algo ingénua que se junta a uma tripulação, e ao longo de aventuras e desventuras acaba por criar laços tão fortes que os tripulantes formam uma familia, e temos o argumento básico de uma imensidão de livros, filmes e séries. A receita é banalizada, e no entanto Chambers consegue fazer dela um livro imensamente delicioso.
Talvez porque ao lê-lo, sente-se nas palavras um enorme otimismo e um amor à ficção científica. Sabemos que estamos a ler mais uma space opera onde um grupo eclético de personagens vive aventuras perante um pano de fundo complexo. Mas percebe-se no tom do livro um deslumbre pela construção de mundos, pelo retrato psicológico dos personagens, que transcende o essencial. Este é um daqueles livros sorridentes, que mesmo nos seus momentos mais tenebrosos, lê-se como luminoso.
Seguimos as aventuras da tripulação eclética de uma nave empregue na criação de túneis no espaço-tempo. São proletários do espaço, os construtores das estradas que suportam uma aliaça galática onde coexistem diversas espécies alienígenas, espalhadas por planetas, frotas e colónias. Uma união galáctica onde os humanos não são uma das espécies importantes, e estão até divididos em duas facções, uma que habita o sistema solar, e outra que entrou em diáspora, fugindo de uma Terra que entrou em colapso ambiental. Um contrato para criar um túnel sub-espacial para as zonas do centro da galáxia, habitat de uma civilização avançada composta por facções em guerra permanente, onde uma dessas facções está a juntar-se à união, vai mergulhar o grupo numa aventura perigosa.
O curioso, é que este lado de aventura e perigo só surge no final. O livro é um longo crescendo onde os personagens interagem, entre si e entre os diferentes espaços que visitam, durante a viagem que os levará ao destino. É como ler um texto sobre acontecimentos que pouco fala dos acontecimentos em si, mas detalha com todos os pormenores o caminho que lá leva. Uma estratégia que funciona, depressa ficamos rendidos aos peculiares personagens, à evolução das suas dinânicas, enquanto que seguindo a clássica estrutura do romance-périplo, somos levados numa viagem que explora o mundo ficcional do livro.
Um elemento muito interessante deste romance está na forma como coloca questões de respeito, identidade e género no seu cerne, sem no entanto se tornar uma daquelas obras que se lê como sermão progressista. O respeito interespéceis é fundamental nas interações, bem como o respeitar das outras culturas, mesmo que causem estranheza. O mesmo se aplica às questóes de género, onde a fluidez e identidade são respeitadas, e o relacionamento entre espécies e diferentes culturas algo de natural (uma das linhas narrativas é particularmente tocante, envolve um romance entre um mecânico e uma Inteligência Artificial consciente). E há aquele pequeno pormenor de uma space opera que inverte papéis, normalmente neste género a humanidade tem a primazia enquanto que os alienigenas verdadeiramente alienígenas são secundários, aqui, é o oposto. Não é algo de inovador, recordo, por exemplo, a série Dread Empire's Fall, que tem uma visão similar. O interessante está na forma refrescante como este livro consegue ser culturalmente atual e progressista, sem se deixar dominar pela necessidade de ser progressista.
É uma história diveritada, um mundo ficcional sólido que intriga e desperta a curiosidade, partindo de uma prosa luminosa que nos deixa cativados pela densidade psicológica dos personagens.