quinta-feira, 23 de março de 2023

A Closed and Common Orbit


Becky Chambers (2018). A Closed and Common Orbit. Londres: Hodder and Stoughton.

Devo confessar que não apreciei tanto este volume da série Wayfarers quando o primeiro. Não por questões estruturais, em termos narrativos Chambers evolui claramente para uma escrita mais ritmada e uma cadencia mais rápida. O que me deixou mais desconsolado foi o foco restrito. Parte do gosto de ler space opera é deixar-nos levar pelo fascínio da exploração dos mundos ficcionais criados pelos autores. Aqui, o foco era o oposto, pegando em duas personagens secundárias de The Long Way to a Small, Angry Planet, e contando uma história que é, essencialmente, uma meditação sobre questões de identidade pessoal e evolução interior do indivíduo.

Numa das linhas narrativas secundárias de The Long Way to a Small, Angry Planet, havia uma história de amor entre um técnico de informática e a inteligência artificial que controlava a nave. Tinham um projeto, o de transferir a inteligência artificial para um corpo-simulacro, incorporando-a num invólucro humano. Uma história que terminou mal, com a IA a ser danificada nas desventuras do primeiro livro, e a perder todas as memórias na sua reiniciação. Mas restou o corpo, e a tensão psicológica de uma tripulaçáo que sentia forte empatia com os seus elementos. A solução vem de um recanto inesperado. Outra personagem secundária, exímia mecânica capaz de arranjar tudo o que tenha díodos ou mecanismos, que decide transferir a IA reiniciada para o corpo destinado à sua versão anterior. A razão para isso está no seu passado. A jovial génio das repações foi uma criança explorada em fábricas de um planeta fora dos caminhos da galáxia, habitado por humanos que modificam os seus genes. Salva-se de um acidente graças à IA de uma nave danificada, que a acolhe e ensina, e ao fim de anos de trabalho, conseguem reparar  a nave e fugir do planeta. A ação desta personagem é uma forma de pagar a dívida para com a IA que a acolheu.

O resto, são duas histórias de crescimento pessoal, adaptação ao mundo, e desenvolvimento de sentimentos de identidade. Chambers alterna entre o passado da personagem humana, e o presente da artificial. Na primeira, mostra a tenacidade de sobrevivência em meios hostis, a resistência ao isolamento, e o papel do acompanhamento caloroso (mesmo que feito por um algoritmo inteligente). Na segunda, os dilemas e dores de crescimento psicológico de uma personalide desconfortável com o seu corpo, que não se consegue definir, e tem de aprender a navegar as interações sociais enquanto mantém a sua verdadeira natureza em segredo. Uma das peculiaridades do mundo de Wayfarers é a sua hostilidade para com modificação genética, e manutenção de algoritmos inteligentes como meros utensílios, não lhes reconhecendo sentiencia mesmo que desenvolvam personalidades.

Todo o romance é uma clara metáfora sobre questões de identidade e género, sobre a luta de indivíduos que não se conforam ou são capazes de se adaptar a sistemas rígidos para manter a sua personalidade. Mas não é um romance panfletário, o otimismo que pervade os livros de Chambers leva a história por outros caminhos.