terça-feira, 11 de outubro de 2022

El Informe Monteverde


Lola Robles (2018). El Informe Monteverde. Crononauta. 

Quando uma linguista chega a um planeta distante, para aprender a língua dos seus habitantes humanos, descendentes  longínquos de colonos cuja nave se avariou na sua órbita, depara-se com uma cultura encantadora, adaptada ao seu meio ambiente. O planeta distante é idílico e os seus habitantes dividem-se em dois grandes grupos. Um, nómada e eternamente jovial, é o mais aberto a interações. Outro, mais isolado, tem a peculiaridade de ser constituído por humanos que perderam a visão, mas desenvolveram outros sentidos e sensibilidades. Mergulhada nas culturas alienígenas, a linguista vai aprender, adaptar-se, e de certa forma transformar-se graças à influência cultural. 

Creio que ao ler este romance clássico da FC espanhola, os paralelos que me saltaram à mente foram com a obra de Ursula K. LeGuin e Shikasta de Doris Lessing. Em parte, porque isto é ficção científica que coloca de lado as tecnologias, futurismos e aventuras no espaço e se centra nas interações entre culturas, na forma como seres de culturas diferentes encontram pontos comuns, recordando assim as mais interessantes obras de LeGuin. O livro assume a forma de memórias e relatórios, recordando um pouco o clássico de Lessing, também na temática, claramente ecológica, feminista e progressista.

Nalguns aspetos, Informe Monteverde é uma revisão do mito do bom selvagem. Robles coloca-nos no ponto de vista de uma académica vinda de uma sociedade avançada, que vai estudar uma sociedade claramente mais primitiva. E, no entanto, estável, adaptada ao seu meio ambiente, tolerante. O fascínio é palpável, percebe-se a sedução com a visão de uma sociedade bucólica. E, no entanto, esta pureza natural é em si uma causa de atraso, de sociedade presa numa eterna adolescência para manter a sua pureza. É de notar que na mitografia do livro, estes humanos descendem de colonos, mas optaram por esquecer a tecnologia e ciência que herdaram. Talvez o personagem mais interessante deste romance seja um muito terciário, um nativo inconformado que depois de visitar a Terra, percebe que a sociedade onde vive poderia evoluir, sem perder as suas raízes, e que acaba ostracizado pelos seus conterrâneos. Essa é a minha leitura, porque a visão da autora é clara, a de mostrar paraísos idílicos idealizados, onde o nomadismo, a alegria e a espiritualidade são o essencial. Faz sentido, dentro de uma FC mais cultural e ambiental.

Robles imagina um curioso mundo ficcional, onde a humanidade teve o seu ponto de origem num planeta há muito desaparecido. As colónias humanas perderam o contacto entre si, até mesmo a memória da origem comum, e só a recuperaram quando algumas se desenvolveram ao ponto de poder regressar ao espaço. Daí esta ideia de culturas de raiz comum, mas evoluídas de acordo com diferentes parâmetros. Um  livro interessante, alinhado com vertentes culturais ligadas ao ambientalismo e progressismo cultural, representativo da boa literatura de ficção científica espanhola.