terça-feira, 28 de abril de 2020

Fall, or Dodge in Hell


Neal Stephenson (2019). Fall, or Dodge in Hell. Nova Iorque: William Morrow.

Se a humanidade tivesse acesso a uma forma de eternidade virtual, o que faria? Mergulharia em mundos de fantasia, expandir-se ia pelo universo, ou tornar-se-ia uma civilização híbrida, com a imortalidade digital a complementar vidas ricas de experiências? A resposta a isso começa a desenhar-se quando o primeiro cérebro consegue ser totalmente mapeado e digitalizado após a morte de um milionário que enriqueceu desenvolvendo jogos de fantasia. A sua personalidade digital acorda num espaço computacional primevo, e sem memórias da sua vida anterior, começa a modelá-lo de acordo com os seus instintos. Não surpreende que este além virtual se defina como se fosse um cenário de uma fantasia do fantástico. E quando outras personalidades digitalizadas o começam a habitar, são condicionadas a esta visão.

Entretanto, o mundo real rende-se à ideia de uma imortalidade digital, e os recursos científicos e económicos são direcionados para a manutenção e expansão das tecnologias computacionais que suportam o além virtual. Os humanos vivos entretêm-se a observar o que se passa  nesse mundo, graças a ferramentas de visualização cada vez mais realistas.  A imortalidade humana é passada num imenso RPG. Tipo DnD, para toda a eternidade. Ou game of thrones, com anjos e sem dragões.

Neal Stephenson já foi um excelente escritor. E, de certa forma, ainda o continua a ser. As suas ideias e premissas são sempre interessantes, e este Fall não foge a isso. Por amarga que nos pareça a ideia de uma imortalidade virtual onde as pessoas percam a memória do que foram e mergulhem numa fantasia medievalista. O problema, que se manifestou no brilhante Cryptonomicon e agudizou-se nas sequelas e prequelas que formam o Baroque Cycle, ao qual este Fall também está ligado, é ter mandado o sintetismo às urtigas. Os seus romances tornaram-se enormes matacões de palavras, onde por cada excelente ideia temos de pisar ovos em resmas de descrições demasiado pormenorizadas, ou enredos paralelos de complexa delicadeza bizantina, mas completamente inúteis para o cerne da narrativa. O final deste Fall são duzentas páginas perfeitamente entediantes, uma espécie de descrição de uma demanda de jogo fantasista em FPV. Li-as na diagonal, já sem paciência para tanta palha. Acho que só os fãs mais die hard de RPGs no medivalismo fantástico apreciariam este pântano. Ler Stephenson tornou-se uma experiência dolorosa, não há pachorra para tanta prosa inútil, por excelentes que sejam as ideias sobre cibercultura e futurismo que nos transmite.