quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Dampyr: O Suicídio de Aleister Crowley


Mauro Boselli, Michele Cropera (2019). Dampyr: O Suicídio de Aleister Crowley. Lisboa: A Seita.

Confesso que Dampyr não é das personagens Bonelli que mais me seduz, em parte pela violência que lhe está implícita, mas a seleção de histórias que tem sido editada por cá estão a revelar-se exceções à regra. Cerebrais e complexas, vão mais longe do que a caça a vampiros com extremo prejuízo. E esta, primeira edição da nova editora Seita, surpreende também noutros aspetos.

Somos transportados a dois tempos. À Lisboa pessoana dos anos 30, com o mítico cruzamento entre o nosso poeta e o mago (ou charlatão) Aleister Crowley. A partir do suposto desaparecimento do mago inglês na Boca do Inferno, tece-se uma história onde esta ravina na Guia é na verdade um portal para outros mundos, e dá acesso a um local muito específico, onde a geometria não é euclidiana, as estrelas no céu estão erradas, onde o grande Cthulhu dorme o seu sono, protegido pela sua prole e pelos inenarráveis shoggots. Crowley elabora um ritual de magia sexual que envolve Ofélia, a eterna noiva de Pessoa, para unir passados e futuros e abrir uma ponta para que, no presente, Dampyr e os seus companheiros sejam atraídos a Lisboa. Onde repetem o ritual e conseguem travar o acordar do grande mal.

O toque lovecraftiano cruza-se com os mitos europeus da era das descobertas, de ilhas perdidas no imenso mar. Mas onde o livro volta a surpreender é no toque pessoano. Pessoa é mais do que um personagem acessório nesta história, e Boselli revela que fez muito bem o trabalho de casa, caracterizando-o, e aos seus heterónimos, com um rigor que vai muito além do que se esperaria numa história de série. O cuidado deste argumentista em retratar fielmente Portugal já era bem percetível nas anteriores edições de Dampyr pela Levoir. Mergulhamos mesmo no mundo de Pessoa, na sua peculiar personalidade e lado esotérico. Se a luta contra o Grande Ancião desperta o olhar pela espetacularidade das pranchas de Cropera, é a Lisboa de Pessoa que realmente cativa nesta aventura onde o personagem titular fica remetido para segundos planos.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Scary Stories To Tell In The Dark


Alvin Schwartz, Stephen Gammell (2019). Scary Stories To Tell In The Dark. Nova Iorque: Harper Collins.

Ainda não vi o filme, quando escrevo estas linhas. Apesar do envolvimento de Guillermo Del Toro, não foi o cinema que me despertou a curiosidade para este livro. Foi num artigo da Slate, que observava dois pontos muito curiosos sobre o livro e o seu autor, que me intrigou com estas histórias. Primeiro, por referir que hoje em dia, um autor como Alvin Schwartz seria impossível nos dias de hoje. Passou a sua carreira enfiado em bibliotecas, especialmente a de Princeton, recolhendo informação para escrever livros temáticos encomendados por editoras. As Stories originais partiram daí.

O segundo ponto intrigante tem a ver com o livro e a leitura. Estes livros são destinados a um público infanto-juvenil, e o seu lado macabro tem levantado muitas sobrancelhas entre os adultos. Ler um artigo sobre livros que volta e meia estão na mira de grupos de cidadãos preocupados com a mente impressionável da crianças, cujo acesso é defendido por bibliotecários resistentes, intriga. Especialmente quando o sucesso do livro se fez por encantar, ou mais apropriadamente, arrepiar, gerações de crianças curiosas, que se atreveram a desafiar as imposições e leram as histórias assustadoras deste livro. Um ato de transgressão essencial, que marca o necessário afastamento do gosto normalizado, um momento formativo de personalidade.

As histórias em si são terror no estado puro. Não no sentido escatológico, Lovecraftiano, cósmico, vitoriano, tenebroso, gótico ou outros qualificativos tão ao gosto dos fãs e conhecedores do género. São histórias simples, recolhas de lendas e tradições. Aquelas histórias que todos ouvimos contadas por alguém que conhece alguém que conhecem alguém a quem estes mistérios aconteceram. Algumas parecem fazer parte do inconsciente coletivo humano, mantendo-se na sua forma essencial ao longo dos séculos. Um excelente exemplo é a história da rapariga que pede boleia numa estrada escura, à noite, que se revela ser um fantasma. Schwartz traça-a aos romanos. Talvez o que mais se aproxima hoje destas histórias são as lendas urbanas contemporâneas, e o creepypasta.

Parte são histórias tradicionais que sobrevivem metamorfoseando-se em diferentes tradições culturais , outras são reflexos dos medos contemporâneos, narrativas de arrepiar que nos ajudam a navegar os terrores da vida moderna. Em conjunto, mostram a intemporalidade do medo, a tendência para enfrentar a escuridão e o desconhecido com narrativas que assustam, mas ajudam a desmistificar as trevas.

As histórias são muito bem acompanhadas com as ilustrações inquietantes de Stephen Gammel. Tornaram-se icónicas, e são francamente atrevidas. Aliás, todo o livro é um atrevimento, entre os lados narrativo e visual. Destina-se a leitores impressionáveis, e atreve-se a impressioná-los com histórias e imagens inquietantes. Um horror poderoso na sua simplicidade.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Monstros Fabulosos



Alberto Manguel (2019). Monstros fabulosos: Drácula, Alice, Super‑Homem e outros amigos literários. Lisboa: Tinta da China.

Um livro que é um docinho para os amantes de literatura. Ou melhor, um festim de gula literária. De Manguel não se espera o típico pequeno apontamento de introdução para leigos, com a história curta dos personagens icónicos que escolheu. Estes são o ponto de partida para pequenos ensaios que cruzam humor, erudição e um forte sentido crítico sobre o mundo contemporâneo.

Não esperem o habitual neste tipo de livros. Estes ensaios são fugas à volta de um personagem ficcional. Tanto nos levam ao gosto pela leitura como às crises de refugiados, elegâncias do erotismo, crítica à falta de ética ou os limites a que o continuum neoliberal nos está a levar. Neste livro, Drácula cruza-se com o Mandarim, Heidi partilha o espaço com o estóico marido da Madame Bovary. Recordamos Sinbad, quer o marinheiro quer o carregador, descobrimos a bondade de Long John Silver. Contos tradicionais coreanos e turcos estão a par dos heróis da cultura pop.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A Recriação do Mundo


Luís Corredoura (2019). A Recriação do Mundo. Lisboa: Cultura Editora.

Luís Corredoura surpreendeu os leitores de FC em português com o seu primeiro romance, Nome de Código Portograal. Este escritor surpreendeu ao abordar uma vertente rara no fantástico nacional, a história alternativa. Nos seus livros seguintes, optou pelo registo entre o policial noir e a aventura de agentes secretos. Livros divertidos, mas já longe do lado ficção científica que despertou a atenção sobre este autor. Com a Recriação do Mundo, Corredoura regressa a dois campos: à história alternativa, e à II grande guerra, que parece ser um dos seus fascínios.

Caveat lector: o profundo gosto que Corredoura tem por esta época histórica é um dos problemas deste livro. Uma parte muito significativa é um longo infodump em que coloca em jogo as suas personagens, enquandrado-as nos acontecimentos históricos. A sabedoria é enciclopédica, mas aqueles longos parágrados sem pausa requerem um esforço de leitura. Que irá ser compensado na segunda metade do livro, quando Corredoura abandona o didatismo e se dedica a recriar a história do século XX.

O outro grande problema deste livro é que pretende ter como pivot as aventuras de um personagem português, judeu comunista que se vê lançado para o centro das pesquisas nazis, e posteriormente americanas, sobre a construção de armas atómica. No entanto, ao longo da leitura, este personagem acaba por ser mais periférico do que fio condutor. Corredoura compraz-se, e muito bem, em usar personagens históricas como os elementos que realmente impulsionam a narrativa. Fá-lo com óbvio gosto, e isso torna o romance ainda mais interessante. A história do matemático aventureiro português, mesmo que de vez em quando Corredoura se lembre dele para criar pontos chave na narrativa, acaba por ser um distante enredo secundário.

Ainda apontaria um terceiro problema a este livro, a curiosa propensão de Corredoura para caraterizar as suas personagens femininas com o apetite sexual voraz das fantasias adolescentes. Algo que já não se enquadra nos padrões contemporâneos da ficção. Diga-se que nisto, o livro é um verdadeiro festim de salsichas, mas nisto está apenas a ser fiel à história. Não a narrativa, mas a dos factos do século XX.

Agora que deixámos os problemas do livro de lado, falemos daquilo que o torna interessante. Demora o seu tempo, porque Corredoura peca por ser metódico, mas quando arranca e ganha voz própria, o livro desafia-nos com uma série de e ses que o autor consegue levar por caminhos inesperados. E se os cientistas alemãos se tivessem revelado capazes de criar bombas nucleares (é aqui que entra o dedinho português, forçado por ser prisioneiro de guerra)? E se as tivessem lançado sobre Moscovo, com o conhecimento de um Estaline que aproveita para gozar o espetáculo? E se a conspiração de Stauffeberg para assassinar Hitler tivesse sido bem sucedida, seguindo-se a restauração da democracia na Alemanha e um armistício com os Aliados?

E se os americanos, também na posse de armas atómicas (sim, novamente, o mesmo dedinho português), tivessem optado por se concentrar na guerra contra o Japão, praticamente abandonando os ingleses? Ainda há outros e ses. Talvez o mais inesperado, e atenção ao spoiler, é a morte de Estaline às mãos de Béria, que permite que Kruschshev assuma o poder e, pasme-se, dissolva a União Soviética e a transforme numa federação de repúblicas. Corredoura não faz por menos, e diverte-se claramente a reinventar a história da Europa. Ou melhor, do mundo.

Apesar de demorar a ganhar velocidade, graças à ênfase que o autor coloca num meticuloso enquadramento, este livro é uma excelente história alternativa. Pega nas histórias da História e atreve-se a recontá-la, na melhor tradição do género.

domingo, 27 de outubro de 2019

URL

Ficção Científica e Fantástico


Robert McCall, 1974: As missões Soyuz-Apollo nunca foram tão belas.

Old Sci-Fi Movies Probably Aren't as Good as You Remember: O que não é exatamente algo que os fãs mais cultos de ficção científica nunca se tenham apercebido. Sabemos que grande parte da Ficção no cinema clássico não era assim tão boa quanto isso, e envelhece mal. Histórias algo patetas, personagens básicas, estruturas narrativas pouco coerentes, maus efeitos especiais, realizadores muitas vezes em modo idgf. No entanto, também reconhecemos a importância das obras clássicas para despertar a imaginação. E se na generalidade estes filmes não eram assim tão bons, deixam-nos sempre com algo, um elemento icónico, uma cena incontornável, um momento visual retrofuturista marcante, ou um conceito interessante. É por isso que os revemos, e não os deixamos cair no esquecimento.

“The Orville”: What Seth MacFarlane’s Series Can Teach “Star Trek: Discovery” About “Trek” [OPINION]: The Orville sempre foi mais fiel ao espírito Star Trek do que os reboots e séries contemporâneas do universo Trekkie. Apostou no aprofundar do humanismo das personagens (mesmo as profundamente alienígenas) , na solidez narrativa, na aventura sem os intensos dramatismos de ST Discovery. E funciona, esta improvável comédia SciFi tornou-se umas das interessantes séries de ficção científica da atualidade.

Cómo ha cambiado la literatura de ciencia ficción en los últimos 50 años: de la distopía al hopepunk: A ficção científica tem sofrido imensas mudanças e evolução como género nos seus pressupostos culturais. Talvez a grande constante seja a sua progressiva diversidade, alargando o espetro da FC da clássica aventura no espaço aos campos sociais, políticos e de identidade. Há quem não goste, eu, pessoalmente, prefiro um género literário amplo e diverso, cheio de ideias e histórias intrigantes. No final do livro, o que conta realmente é a sua qualidade literária.

The Hope In Dystopia: Podem as utopias ser um símbolo de esperança? Parece contraintuitivo, uma vez que a distopia por si representa o imaginar dos piores sistemas sociais. No entanto, nesse ato estão as sementes de revolta contra injustiças, e o aviso vindo da Ficção que nos ajuda a olhar para os problemas da contemporaneidade como ultrapassáveis.


Vincent Di Fate: Aka o ilustrador que me obrigava a comprar a Asimov SF Magazine, quando chegava a Portugal.

The Surprising Trans-Themed Story in Space Adventures #7 from 1953: De facto, deparar com histórias que abordem explicitamente a transsexualidade vindas dos Comics de ficção científica dos bem pudicos anos 50, surpreende. Foi por estas que se gerou o pânico moral que deu origem à Comics Code Authority, uma iniciativa de auto-censura industrial em resposta a pressões de setores da opinião pública, que "limpou" o género espartilhando-o, ditando o fim de muitas vertentes narrativas exploradas por uma indústria que se fixou na banalidade dos super heróis.

The signature film of every major city: Qual é o filme que fica indelevelmente associado a uma cidade? Esta lista tem pontos discutíveis, mas ninguém pensa em Casablanca, o filme, sem associar à cidade marroquina, ou Berlim às Asas do Desejo. Outras cidades têm outros filmes, todos marcantes, e há que adorar Blues Brothers como símbolo de Chicago. Falta Lisboa na lista. Mas, que filme marca a nossa cidade? Fugindo ao clássico popularucho Canção de Lisboa e às visitas de Wim Wenders com Lisbon Story, que tal Três Irmãos de Teresa Vilaverde?

A BEDETECA DE BEJA EM BRUXELAS: LA BANDE DESSINÉE PORTUGAISE EST SUPER!: Os autores portugueses em destaque na Festa da BD de Bruxelas. Pena é que no site do evento não se encontre nada mais detalhado sobre isto.


Tecnologia


The Art of Fugue...Japan' first CG anime film 1968: Pessoalmente, fascinam-me estes artefatos dos primórdios da computação gráfica. O que hoje nos parece básico, foi o resultado de enormes esforços de investigação. Este filme, note-se, usa figuras geradas por computador mas foi filmado fotograma a fotograma a partir da impressão de cada imagem.

Si me das tu número de teléfono es probable que ni imagines lo que puedo averiguar sobre ti: Na verdade, tudo o que o jornalista fez foi encontrar informação publicamente disponível a partir de números de telefone. Um número dá acesso a uma foto de perfil e um nome no telegram ou whatsapp, e a partir daí é cruzar informação das redes sociais. Arrepiante? Depende. Se são daquelas pessoas que nunca refletiram sobre como funcionam as redes sociais e como melhor as aproveitar, pode parecer surpreendente descobrir que as informações que julgavam partilhar em grupos restritos, afinal são acessíveis por todos (os que tenham vontade para isso, e aqui a coisa pode tornar-se séria, com motivações criminosas). Mas se perceberam as suas regras do jogo, sabem que adotar um perfil público trata-se de, em essência, perceber que imagem querem projetar, criar uma persona adequada e controlar os fluxos de publicações que criam. Isto só sublinha a real importância da verdadeira literacia digital.

Resale of E-books Ruled Illegal in EU: Tradução - não haverá alfarrabistas para livros eletrónicos.


Twitter Users Share The Things Kids These Days Can't Do: Não sei qual delas a melhor. Se a incapacidade de bater enfaticamente com os auscultadores do telefone para mostrar fúria (façam isso com um smartphone de gama alta e a fúria logo se transforma em arrependimento) ou o estar habituado a texto cursivo manuscrito, e não como tipo de letra de estilo retro no ecrã.

Kids are surrounded by AI. They should know how it works: Sim, devem. Como professor ligado às tecnologias, ouço muitas vezes a boca de "ah, para que é que lhes ensinas 3D e programação, o que eles precisam de saber é Word e powerpoint e pesquisar na Internet". Pelo menos já evoluíram para incluir competências de pesquisa, penso enquanto lhes tento explicar pacientemente a diferença entre literacia tecnológica e uso de ferramentas (na verdade, a razão pela qual tantos acham importante ensinar estas ferramentas é porque o seu uso representa o ponto máximo das suas competências digitais). Falar e mexer com inteligência artificial é o passo lógico. Não só pelo argumento utilitarista de quanto mais cedo descobrirem, mais longe irão, mas essencialmente porque uma compreensão profunda destas tecnologias é uma condição de cidadania elementar, numa sociedade mediada pelo digital e cada vez mais estruturada por algoritmos.

I create fake videos. Here’s why people believe even the obvious ones: A razão disto é bem conhecida. Estamos mais predispostos a acreditar em ideias que confirmem os nossos preconceitos e enviesamentos cognitivos e ideológicos, mesmo que sejam falsas ou manipulativas. E as provas em contrário não nos convencem precisamente graças a esta predisposição. No entanto, muito interessante esta nota de esperança, mostrando que talvez esta crise das imagens falsas seja uma questão geracional: "For my generation and generations before, particularly those of us who saw the transition from film to digital photography, the trust in the image is there to be broken. For my son and subsequent generations raised on media, the trust, it seems, was never there in the first place".

How the Internet has changed the way we write — and speak. It’s not all ALL bad: Os males que a internet está a fazer à literacia e uso da língua é uma refilice comum. No entanto, talvez o que o mundo digital veio trazer foi a aceleração da evolução linguística, com o espalhar rápido de expressões vernaculares que se tornam parte da normalidade falada. Como estamos a viver essa transformação, isso parece-nos estranho ou arrepiante, quase uma degradação, mas a verdade é que as línguas evoluem, não falamos como falaríamos há meio século ou mais, nem usamos as mesmas expressões. Se ouvir dizer lolada pode irritar o ouvido, recordem-se que já ninguém diz que vai à pharmácia.


Leonardo da Vinci’s mechanical lion recreated: Um dos autómatos clássicos do renascimento, que só sobrevive por apontamentos nos diários de Da Vinci e em relatos da época, reconstruido.

YOUR NEXT ROBOT NEEDS GOOGLY EYES, AND OTHER LESSONS FROM DISNEY: Recordo que uma das coisas que encanta quem mexe com o robot anprino Nandy é que o posicionamento da carenagem do sensor HR-SR04 faz parecer que o robot tem olhos. Há uma razão para isso, é psicológica. Empatizamos com mecanismos que tenham traços antropomórficos. Algo tão simples como colar googly eyes é o suficiente para nos despertar reações de carinho para com os mecanismos.

The Myth of Technophobia: É, de facto, paradoxal. Sempre que uma nova tecnologia potencialmente transformadora nos chega às mãos, a reação pública parece sempre ser uma de rejeição absoluta. E, no entanto, as tecnologias pegam, ganham tração e nornalizam-se. Pessoalmente, recordo o momentpo em que os telemóveis começaram a tornar-se produto de consumo, e do consenso geral que usar aquilo era uma bimbalhice, mais sinónimo de ostentação do que de modernidade. E agora, ninguém concebe a vida diária sem o seu dispositivo móvel. Ou seja, esse padrão de rejeição pública de novas tecnologias não se traduz na sua real aceitação.

Algorithms Are People: Novamente, o perigo dos algoritmos black box. Se não sabemos como operam, ou sob que pressupostos foram programados, como é que podemos garantir a fiabilidade dos seus resultados? Essencialmente, confiamos as nossas decisões a sistemas de apoio que desconhecemos a forma como nos ajudam a tomar decisões.

Fake Photo Or Real? Check If An Image Is Morphed Or Edited: Um belíssimo achado do Jorge Candeias. Dicas sobre como identificar indícios que uma imagem seja falsa, técnicas de backsearch e ferramentas de análise. Um recurso fundamental para perceber a fiabilidade da imagem na era da manipulação digital.

iPad Pro leak suggests tablet photography just won’t die: Curiosamente, o iPad Pro seria o único dispositivo Apple que eu remotamente consideraria adquirir, para poder modelar em 3D no FormIt e no Shaper3D. Mas depois recordo-me do que realmente faço, e da inutilidade de ensinar a criar 3D em dispositivos móveis com um Apple a alunos que só podem usar Android. Por isso fico-me pelo Onshape para os mais avançados, e o 3DC.io para os pequeninos. Mas estou a desviar-me do tema. De facto, usar um tablet para tirar fotos é algo ridículo, mas as lentes têm lugar nestes dispositivos. Para, por exemplo, realidade aumentada, fotografia rápida de referência, ou fotogrametria. Fatores que ajudam a explicar a continuidade das câmaras em tablets, mas que se calhar não são as que passam pela cabeça daqueles turistas com um ar algo pateta, a tirar fotos aos monumentos com os seus grandes tablets.

7 Software to Create Stunning 3D Environments: Estou verdadeiramente surpreendido com esta lista, porque a maioria dos programas são bem antigos. Foi com o Bryce que iniciei há doze anos o caminho do 3D na educação. Só isso é indicativo da idade, e longevidade, destas sugestões de software para criar ambientes 3D.

Books Won’t Die: A morte dos livros tradicionais, sempre muito anunciada, com protótipos e projetos de tecnologias que irão tornar livro impresso obsoleto…  só que não. Notem que isto não é uma diatribe anti-livros digitais, antes uma observação que a tecnologia elementar da literacia e do livro simplesmente funciona, e tem-no feito ao longo de centenas de anos. Modificar esta base tecnológica tem produzido experiências que vão do interessante ao absurdo. Mas o conjunto de páginas encarnadas com letras e ilustração continua a ser uma tecnologia estável, acessível por ser fácil de descodificar, e imbatível.

En 2010 Huawei hizo un vídeo de cómo imaginaba la tecnología de 2020... y a día de hoy es más hilarante que visionario: O artigo consegue perder completamente a lógica do porquê destas visões serem pertinentes. Fica-se pelo ridicularizar o obsoleto nestas visões do futuro vindas do passado. Mas é mesmo por isso que são interessantes. Percebemos como o nosso futuro evoluiu a partir das visões que tínhamos. E percebemos que a contemporaneidade não evolui de forma linear.

Modernidade


*A new pic of the forthcoming interstellar comet.: Outro objeto interestelar a atravessar o nosso sistema solar. A grande questão: o que é que fazemos se ele parar?

Here’s what happened in the impact crater the day it did in the dinos: Mau dia para se ser dinossauro. E agora, graças à recolha de vestígios geológicos nas profundezas do golfo do México, estamos mais próximos de perceber como, realmente, se processou o impacto do asteróide cujas consequências levaram à extinção dos dinossauros.

Death by helicopter: Uma para o arquivo de coisas de ironia muito negra. Fazer o primeiro salto de pára-quedas e ir parar em cima de um helicóptero com  os rotores em funcionamento. O acaso na realidade, por vezes, bate o imaginário do horror aos pontos.

Hitting the Books: 'Dirty bomb' fears spawned America's nuclear spy force: Não é "o que é que teria acontecido se Hitler tivesse desenvolvido uma bomba atómica", mas sim se os responsáveis pelo armamento nazi se tivessem apercebido do potencial do material radioativo para criar armas sujas. Não é precisa uma explosão nuclear para contaminar uma zona com radioactividade. Um dos medos que acelerou o desenvolvimento do projeto Manhattan.

Houthi Drone Strike Has Damaged Half of Saudi Oil Facilities: Não leiam isto com um óbvio "lá vem mais um aumento dos preços dos combustíveis". O intrigante é a capacidade de uma milícia rebelde usar drones para incapacitar a produção de petróleo num país que tem investido boa parte dos proventos dessa atividade em sistemas de armamento avançado.

French city makes its buses free, spurring new ridership and decreasing car use: Enquanto por cá as iniciativas para reduzir os custos do transporte público parecem estar a ser ativamente bloqueadas pelos operadores, ao não reforçar carreiras para responder ao aumento da procura, noutros países experimentam-se formas mais avançadas de soluções de mobilidade urbana. Tornar o acesso a transportes públicos gratuito não é nenhum tiro no pé económico, muito pelo contrário. A economia depende do movimento, da liberdade de circulação, e quanto maior for a capacidade das pessoas circularem, maior o potencial estímulo para a economia local. Já repararam que primeiro vêm as autoestradas e depois os centros comerciais? O outro grande argumento é ambiental, retirar os carros das cidades, diminuindo emissões e melhorando a habitabilidade e qualidade de vida das zonas urbanas. Algo que não se faz apenas com ruas cosmeticamente ajardinadas, parquímetros e trotinetes elétricas, são precisas soluções de transporte que realmente tornem o automóvel como a opção menos lógica no espaço da cidade.

WHY ARE BOOKS THAT SHAPE? FROM CODICES TO KINDLES, WHY THIS RECTANGLE STAYS GOLDEN: Confesso que apesar de sofrer de bibliofilia crónica profunda, não suspeitava das complexas razões para os livros terem a forma que têm. Em parte, o seu tamanho é ditado pela necessidade de manuseabilidade. Mas não sabia que a proporção dourada ou as harmonias pitagóricas eram fatores no design do formato dos livros.

GNU founder Richard Stallman resigns from MIT, Free Software Foundation: O escândalo Epstein está a ter repercussões inesperadas nos meios académicos ligados à tecnologia. Para quem não tem prestado atenção a estas coisas, o caso prende-se com os comportamentos criminosos de um bilionário amante de meninas menores de idade, com uma propensão para as voar de jato privado para a sua ilha pessoal nas caraíbas. Para além da pedofilia, Epstein tinha outro fetiche - socializar com a elite intelectual. Era um contribuinte financeiro entusiasta para organizações como a Edge ou o MIT Media Lab. Instituições que, quando os seus comportamentos criminosos se tornaram do conhecimento geral, continuaram a aceitar entusiasticamente os seus dólares de forma anónima. E dado o hábito de Epstein em convidar cientistas, artistas e pensadores destacados para festas e férias na sua ilha. de repente uma parte substancial da intelligentsia tecnológica ficou sob suspeita de conivência ou participação ativa nos comportamentos criminosos do bilionário. Os media focam-se em personalidades mediaticas como ex-presidentes americanos ou membros da família real britânica, alimentando teorias da conspiração sobre o suicídio de Epstein na prisão. Mas fora do foco da escandaleira dos telejornais, as repercussões são muito mais fortes. Este escândalo já levou à demissão de Joi Ito da direção do MIT Media Lab, por ter continuado a aceitar o financiamento de Epstein sob forma anónima, depois dos crimes virem a público. John Brockman, editor da fantástica Edge, está a ser queimado pela sua associação a Epstein. Lawrence Lessing, cuja acutilância nos domínios legais da sociedade digital é ímpar, descredibilizou-se a defender Ito e os financiamentos secretos de Epstein. Nicholas Negroponte também não está a escapar a este mau ambiente. Marvin Minsky, apenas um dos pais da inteligência artificial, poderá ter estado envolvido em crimes sexuais. Agora cai Stallman. co-criador do GNU Unix (sem o qual não teríamos linux ou android), depois de uma atabalhoada defesa do indefensável. São gigantes intelectuais da tecnologia que estão a cair. Mostra que a sedução do dinheiro e poder corrompe profundamente.



Why this creepy melody is in so many movies: A marcante frase musical do Dies Irae, tantas vezes interpretada pelos grandes compositores, e hoje usada até à exaustão na composição musical para cinema como forma de sublinhar sentimentos de angústia ou medo. Nunca me tinha dado conta que uma das partes mais assombrosas da Fantastique de Berlioz é uma variação da frase musical que identifica um Dies Irae.

The best architecture of the 21st century: Parece que não, mas já vamos com quase um quinto de século XX. Tempo suficiente para registar quais os imóveis mais marcantes da arqitetura contemporânea.

I Was Never Taught Where Humans Came From: Os professores não são máquinas, que replicam conteúdos educativos sem visão pessoal ou crítica (bem, os maus são-no). Mas até que ponto deixa de ser legítimo trazer os nossos sentimentos e opiniões para a sala de aula? Talvez quando estes interfiram ativamente com a verdade científica, ou procurem enviesar as opiniões dos alunos. O artigo é sobre um daqueles casos à americana, onde parece ser aceitável que um professor não ensine partes essenciais do currículo de ciências por razões religiosas, ou se o ensinar, arrisca-se a ter chatices com os zelotas. E por cá, isto será possível? Bem, nós professores somos humanos. Há poucos dias ouvi claramente um colega, que suspeito ser de línguas, na sala ao lado, avançar com uma diatribe anti-acordo ortográfico (is that still a thing?) com uma turma de quinto ano, sem apresentar qualquer ponto de vista contrário. Suspeito que estes meninos de olhos esbugalhados acabadinhos de chegar à nova escola não tenham percebido nada da conversa. Pessoalmente, quando o tema da aula toca em assuntos sobre os quais tenho opiniões fortes, não deixo de as referir, mas tenho o cuidado de mostrar que há outros pontos de vista. Porque no fundo é para isto que são precisos professores, para guiar e apontar caminhos, dar a liberdade de os escolher não para debitar matérias ou indoutrinar em crenças ou ideários.

Skorzeny Was to Kidnap Stalin, Churchill & Roosevelt in WWII: As histórias da história da II Guerra não cessam de surpreender. Aparentemente, havia um plano para assassinar os líderes aliados em Teerão, de que os soviéticos se aperceberam. Ou, por outro lado, talvez este plano audaz nazi tivesse sido uma mistificação para levar o presidente americano a dormir na embaixada soviética no Irão, que estava convenientemente cheia de escutas.


sábado, 26 de outubro de 2019

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

The Grand Dark


Richard Kadrey (2019). The Grand Dark. Nova Iorque: Harper Voyager.




Suponho que este seja um rito de passagem para escritores do fantástico. Nalgum momento da sua carreira literária, têm de escrever o livro onde o urbanismo fantasista seja o foco. Para alguns, isso é praticamente a carreira deles - China Miéville é o exemplo que salta à mente. Outros ficam-se com a narrativa onde o world building urbano é a essência literária. Com este Grand Dark, Richard Kadrey junta-se ao clube dos urbanismos feéricos.

Sabem a que tipo de cidade me refiro. Não retrata a banalidade da arquitetura internacional trazida pelo alto modernismo abstrato de Le Corbusier. Também não é a metrópole galáctica das infindas variações de Trantor na ficção científica, do O'Neill orbital à cidade planetária. Nem o neo-medievalismo acastelado com toques de orientalismo da fantasia. São urbanismos imaginários híbridos, complexas geografias que mesclam elementos vitorianos (ou fin de siécle, para os mais europeístas), toques de exótico, elementos tecnológicos e densas texturas de bairros habitados por estranhas populações. No fundo, versões mais carnudas do imaginário das cidades invisíveis de Calvino.

Kadrey, depois de uns anos a explorar o divertido filão das aventuras sobrenaturais de Sadman Slim, muda de registo com a sua intrigante Lower Proszawa. Como a descrever? Tem a decadência jazz age de Berlim durante a República de Weimar, talvez a sua grande fonte de inspiração (toda a sucessão de nomes germânicos ajuda a criar esta impressão). Não escapa a um certo ar pós-apocalíptico, com luxo e ruínas num pós-guerra periclitante. Socorre-se de um estilo entre o steam e o dieselpunk, robots mecânicos dotados de inteligência artificial dividem a cidade com criaturas híbridas produzidas por engenharia genética, sobreviventes mutilados da guerra que ocultam as feridas debaixo de máscaras de ferro, e os habitantes díspares entre a pobreza e o luxo. O ambiente é libertino e opressivo, numa cidade dominada por um governo imperialista, vigiada por uma implacável polícia secreta combatida por diversos grupos rebeldes. Há dois grandes pólos, que irão focalizar a narrativa. O decadente teatro Grand Dark, onde a população vem ver violentas peças de extremo grand guignol, com a morbidez mitigada pela representação ser feita por marionettes robóticas controladas pelos atores. A imensa fábrica Schonen Maschinen, motor económico da cidade, onde são produzidos formidáveis armamentos, complexos mecanismos dotados de variáveis graus de inteligência artificial, ou criaturas híbridas produto da engenharia genética. Toda a vibração transmitida pela cidade tem o seu quê de uma Metropolis (a de Fritz Lang, não a de Siegel e Shuster) com elementos que espelham a nossa preocupação contemporânea com genética e inteligência artificial. No entanto, apesar de interessante, esta Lower Proszawa de Kadrey tem o seu quê de formulaica, de construir um mundo ficcional misturando os elementos estéticos necessários. O que, do que conheço deste autor, se aplica à generalidade das suas obras.

Há uma história a fazer de linha condutora para o mergulho do leitor em Lower Proszawa. Um dos problemas deste livro é o tempo que demora a ganhar ritmo, cerca de metade é um longo périplo pela cidade, enquanto Kadrey nos vai mostrando as peças do seu xadrez narrativo. Ajuda, neste aspeto, que o personagem principal seja um ciclista mensageiro, que faz do atravessar as ruas da cidade a sua vida.

Jovem e inocente, a escapar da pobreza extrema de onde veio mas sem se atrever a sonhar com mais do que a sua vida ao serviço de uma empresa de correio, enamorado e correspondido por uma jovem atriz que lhe dá acesso ao mundo boémio da cidade, este personagem irá descobrir que o mundo, afinal, não é tal como o percepciona. O seu emprego como correio torna-o um agente insuspeito da temível polícia secreta, sem que tal disso aperceba até se ver metido numa confusão catastrófica. Os seus melhores amigos são agentes das forças rebeldes que se revoltam contra o regime. E a mulher que ama talvez não seja totalmente humana, numa cidade onde os poderes instituídos andam a experimentar com a mistura não natural de genética e inteligência artificial para criar novos cidadãos, mais obedientes do que as massas infetas da cidade.

Quando a história ganha energia, revela-se um tour de force em ritmo imparável. Ficamos até ao final para perceber como as diferentes linhas narrativas convergem para solidificar o mundo ficcional, e somos surpreendidos a todos os passos por uma nova possibilidade. O grande elemento iconográfico é a cidade, mas a narrativa que Kadrey engendra no seu interior é em modo alta aventura, imprevisível, decadente e high tech distorcido. Vale a pena o mergulho nas ruas de Lower Proszawa.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Lost+Found=MFR2019
























Maker Faire Rome: aqueles dias em que todos os caminhos maker vão dar a Roma. Este ano, estive lá com o projeto As TIC em 3D. Uma experiência fantástica, uma honra ter sido aceite, e claro, representar o que se faz em Portugal no maior evento maker da Europa, com expositores de todo o mundo, ainda aguça mais a ponta do orgulho. Mas o verdadeiramente importante é o aprender, e este é um evento por excelência para sair de lá com novos saberes e ideias.