segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Amadora BD 2018


Esta foi a edição em que me perguntei porque raios me dei ao trabalho de pedir acreditação para fotografar o festival sem os assistentes me chatearem, se não há nada de interessante para fotografar. E, também, assinar uma declaração de consentimento no âmbito do RGPD criada pela câmara da Amadora que está mal construída e viola o RGPD.

Já vinha preparado. Os comentários à pobreza franciscana do festival nas redes sociais colocaram-me de sobreaviso. Bem, algum, porque também conheço bem a predisposição dos fãs de BD portugueses para o zurzir no Amadora BD. É uma espécie de desporto do fandom. Mas dou-lhes razão. Ao entrar nos pavilhões do festival, imperava a desolação. A um sábado à tarde, creio que estariam presentes mais pessoas ligadas à organização do que visitantes. Mergulhar nas exposições não me deu muito para ver.


O destaque ao Brasil é um tema deveras contemporâneo, dado o recente contexto de eleições fraturantes no país, e de facto foi uma exposição com sumo, que nos trouxe o trabalho de autores brasileiros contemporâneos. Boa exposição, mas não sei se se justifica como de charneira. Recorde-se que graças à Polvo, parte desses autores já são editados em Portugal, e têm tido mostras em edições anteriores do festival. Esta exposição pouco trazia de novo.

A outra exposição de charneira, dedicada ao autor em destaque, vencedor dos prémios Amadora BD no ano passado, só a consigo definir com um credo!. Não que Sousa Lobo seja um mau desenhador. Aliás, a sua obra é muito pictórica, com um forte sentido plástico. Mas representa um lado muito experimental da banda desenhada que, se deve ter lugar na edição e apreciação crítica, não é muito esplendorosa. Isso estava patente numa exposição fria, austera, um tipo de exposição que vou alegremente ver ao CCB ou ao MAAT, mas que no contexto do Amadora BD, se traduz por um grande vazio. Se calhar estou a ser reducionista e a rejeitar Sousa Lobo por ser demasiado cerebral. Mas, de fato, foi a outra exposição de charneira, que não atraía de forma alguma a atenção. Para rematar, o piso um tinha uma retrospetiva de desenhadores premiados em festivais de banda desenhada europeus.


Os espaços amplos do piso inferior estavam um pouco mais animados, pelas apresentações de livros a decorrer. Já as exposições mantinham o ar desertificado. Destaco, por deprimente afinidade profissional, a dedicada aos cartoons de Álvaro.


As pranchas com o espantoso traço de Luís Louro para o seu mais recente livro.


A mise-en-scene da exposição dedicada a Salazr e Maria, recente edição da Polvo de um autor francês que nos descobriu pelas memórias da sua ama portuguesa.

Ainda neste piso, destacaria algumas excelentes surpresas gráficas no concurso de banda desenhada para alunos do secundário, havia por lá pranchas extraordinárias de miúdos com imenso talento. A exposição antológica de Artur Correia tinha também muito a descobrir, e refletir sobre a história da banda desenhada e ilustração infantil em Portugal.

Chegado ao fim da visita, a sensação foi de ter visto muito pouco. Este foi de facto o Amadora BD menos ambicioso de que me recordo. Não frequento o festival pelos programas paralelos de apresentação de livros e sessões de autógrafos, nada contra, apenas não é a minha cena. As exposições que visitei tinham muito pouco sumo, estavam abaixo do nível esperado do festival. Aliás, sejamos honestos, há bastante tempo que o festival se tem revelado bastante medíocre, embora tenha sempre pontos de interesse. Este ano, o único ponto de interesse foi ter-me abastecido de leituras de BD de autores portugueses e brasileiros (com exceção para Mizuki, e imensa pena por ter deixado ums Breccia muito apetecíveis na Dr. Kartoon, mas a combinação salário merdoso de professor mais propinas da pós-graduação obrigam-me a ser ainda mais cuidadoso este ano). Para ser honesto, as livrarias foram o maior ponto de interesse do festival, este ano.

Poderia ser uma questão menor, mas o Amadora BD não é organizado por amadores (embora pareça). Tem um orçamento substancial, a máquina organizativa de uma Câmara Municipal por detrás, e a projeção de ser o mais internacional dos festivais portugueses. No ambiente cultural português, o Amadora BD é o elefante na sala, mas nos últimos anos tem estado tão acomodado ao estatuto de too big to fail que se reduz, cada vez mais, à insignificância.