quinta-feira, 31 de maio de 2018

Julia: O Eterno Repouso



Giancarlo Berardi, Sergio Toppi (2018).  Colecção Bonelli #04 Julia: o eterno repouso. Lisboa: Levoir.

E se por momentos pensarem que estão a olhar para a Audrey Hepburn, isso não é coincidência. Mas não esperem que Julia seja uma série de histórias sobre uma jovem bela e cheia de vida que desconhece o fascínio que exerce sobre os homens que a rodeiam. Este fumetti está muito longe de Breakfast at Tiffany's, apesar da óbvia e assumida referência visual. Julia é uma criminóloga, estudante académica das artes criminais, colaboradora da polícia de Garden City, que acaba sempre por se envolver mais do que gostaria nos casos que ajuda a investigar. Vive sozinha, num casarão mantido pela sua fiel empregada, de visual inspirado em Whoopy Goldberg (e, pelo aspeto simiesco que o ilustrador lhe deu, suspeito que este não seja grande fã desta atriz), tem como melhor amiga a avó, que vive num lar, e conduz um velho Morgan. Dedicada à criminologia, não tem grandes relações para lá das amizades profissionais com os polícias da cidade.

Nesta aventura, Julia irá investigar um macabro homicídio num lar de idosos no centro da cidade. A história não é a de um crime linear, acabará por se revelar um suicídio aproveitado pelos residentes do lar para regressarem à memória pública, como forma de protestar contra o iminente encerramento do edifício, ameaçado pela gentrificação da zona. É um policial calmo e bem montado, que segue os seus passos lógicos até à revelação final.

Neste quarto volume da coleção Bonelli, a Levoir traz-nos um personagem já conhecido dos leitores portugueses. Policial é o género em evidência, e Julia nisso intriga por ser uma vertente muito soft do policial procedimental, quase sem violência e com muita introspeção, uma espécie de Crime Disse Ela do fumetti, com uma protagonista mais atraente. Não sendo, pessoalmente, fã do género, sublinho que a aventura está bem montada, com uma técnica narrativa que mantém o interesse na leitura. A ilustração está a cargo de Sergio Toppi, esse fantástico desenhador italiano, que aqui tem o seu grafismo pessoal domado pelo espartilho estilístico da série.

terça-feira, 29 de maio de 2018

Espirais


A boa surpresa da semana, entregue via DHL: a edição em português da Devir - Brasil de Uzumaki, de Junji Ito. Por lá é o quarto volume da Tsuru, coleção que por cá já nos trouxe autores como Jito Taniguchi e Shigeru Mizuki. O que é que esta edição tem de especial para mim, para além, claro, ser um trabalho awesome de um dos meus mangaká favoritos? A editora da Devir desafiou-me a fazer um texto curto sobre o autor, para esta edição. Deu imenso prazer, e fui recompensado com um dos livros. Como pormenor divertido, notei algumas diferenças formais entre o meu texto e o que está publicado no livro. Ou seja, o meu português foi traduzido para brasileiro...

É coisa pouca, mas não deixa de dar um certo gosto ver o nosso nome impresso nas páginas de um livro. Muito obrigado à Devir pelo desafio, muito por culpa do trabalho que tenho feito para o aCalopsia. Seria interessante que este autor chegasse também ao público português. Como a Tsuru também é por cá editada, talvez a Devir, cuja estratégia cuidadosa de edição respeito, ampliando a gama de obras disponíveis sem saturar o mercado com lançamentos em catadupa (ou seja, aquilo que a Goody faz, que é quase dumping editorial), eventualmente nos faça chegar uma edição portuguesa de Uzumaki.

Mundo Sem Estrelas


Poul Anderson (1967). Mundo Sem Estrelas. Lisboa: Editorial Panorama.

A tripulação de uma nave de transporte comercial que segue em direcção a uma civilização recém-descoberta no espaço intergaláctico despenha-se num planeta desconhecido, não identificado na sua rota. As hipóteses de salvação são mínimas, é preciso reconstruir um dos salva-vidas para que um dos tripulantes siga até ao planeta de destino e monte uma missão de salvação. Tempo não é problema, os humanos deste futuro são praticamente imortais graças ao progresso da medicina, mas os tripulantes precisam de mão de obra para os ajudar a reparar a nave.

O contato com os indígenas do planeta é inevitável. Seres bípedes inteligentes de aspeto vagamente marsupial, estão divididos em duas grandes facções. Uma, mais selvagem, de tribos livres no hinterland planetário, e outra, com uma civilização de construtores navais que domina as zonas costeiras. Há uma outra espécie inteligente no planeta, anfíbios descritos com aspeto similar a golfinhos com poderes telepáticos, fundadores de uma civilização milenar que fez evoluir por indução mental a outra espécie inteligente do planeta, utilizando-os como os utensílios que a sua morfologia não permite usar. São deuses para os civilizados, e demónios para os selvagens. Esta civilização é estática, teme a mudança, e decide manter cativos os tripulantes da nave acidentada. Estes percebem que a sua única opção é acicatar uma guerra civil que mantenha os seres dominados por telepatas à distância. Tudo isto num planeta de um sistema solar no espaço intergaláctico, sob um céu onde raras estrelas se vêem.

O que segura este livro é a história de Valland, um vagabundo do espaço que se contenta em vaguear pelos sistemas trabalhando a bordo das naves comerciais. Tudo o que quer é regressar ao planeta Terra de vez em quando, ostensivamente para visitar a sua esposa, à qual é tremendamente fiel num futuro onde a fluidez de relações é a norma. Um imortal antiquado, mantém bem vivas as memórias do passado terrestre antes da imortalidade e expansão espacial, com forte pendor para cantar velhas canções do século XX. A sua personalidade gregária e sentido histórico serão o elemento que serve de fio condutor a esta história.

Mundo Sem Estrelas é uma típica obra de aventuras pulp, vinda dos tempos em que a FC se podia permitir voos especulativos imaginários sem grande preocupação de fiabilidade científica. Abundam planetas habitados, todos com atmosfera compatível com os humanos, cheios de vida nativa inteligente, a humanidade tornou-se imortal graças a um soro, e deixa de temer as vastidões do espaço-tempo intergaláctico. Uma leitura divertida para quem conhece o estilo da FC clássica.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Comics


2000AD #2082: Os Survival Geeks, talvez a mais atípica série do alinhamento da revista britânica, estão de regresso. Divertido aceno à cultura pop geek, esta série segue as aventuras de um grupo de fãs que vive numa casa à deriva pelos continuums espácio-temporais. Que, nas suas aventuras, adoptou um simpático Cthulhu, porque enfim, nenhum geek o pode verdadeiramente ser sem invocar o seu lado lovecraftiano.

Black Panther #01: Suspeito que este título não vá granjear amigos a Ta-Nehisi Coates. Argumentista que, recordemos, é um jornalista e ensaísta defensor da cultura afro-americana, com um olhar muito crítico sobre o branqueamento do passado esclavagista dos estados unidos. Aos comandos do personagem mais africano da Marvel, Coates dá-nos agora esta prometedora mas nada politicamente correta space opera futurista. Há uma óbvia ironia em ter um escritor afro-americano a projetar um futuro onde os descendentes de uma nação africana fundam um império hegemónico, baseado na expansão militarista, estratificação social, violência institucional e esclavagismo. Que Coates não tem medo de trazer o peso da reflexão geo-política aos comics já se tinha notado no seu reviver da personagem, essencialmente uma longa meditação sobre o fardo do poder, os sacrifícios exigidos pela democracia e a adaptação das tradições milenares às exigências da modernidade.

domingo, 27 de maio de 2018

URL


An online collection of high-res scans of M.C. Escher’s prints: Já fui mais fã do trabalho do clássico Escher. A mestria técnica é inegável, bem como a criatividade matemática. Mas, fundamentalmente, é formalista, essencialmente um longo exercício de estilo. No entanto, não deixa de ser visualmente intrigante.

American Capitalism Is Suffocating the Endless Possibilities of Space: Ir ao espaço, colonizar as estrlas. Utopia para os 1%, mais do mesmo para a restante humanidade, presa ao pesadelo neoliberal?

Why ‘Fahrenheit 451’ Is the Book for Our Social Media Age: Mal imaginaria Ray Bradbury que a sua crítica à acefalia dos mass media se tornaria tão acutilante na corrente era das redes sociais, tão presa ao imediatismo e a uma banalidade acelerada.

The Weird, Dangerous, Isolated Life of the Saturation Diver: Uma profissão rara, nos limites da resistência humana: mergulhador de profundidade.



The History of Robots: From the 400 BC Archytas to the Boston Dynamics' Robot Dog: Não muito profunda, mas a mostrar que a robótica é algo de milenar. Os mitos já fazem referência a criaturas artificiais instiladas com o sopro da vida, e mecanismos que simulam criaturas já são conhecidos desde a antiguidade clássica.

How much is a human worth?: O Nuno Reis, do Sci-Fi World, muito certeiro e assertivo: "Old jobs will disappear faster than new ones can be created. Unless we can prepare a new generation is less than a decade to be more than computer savvy and take the jobs of the future, we will have a huge gap between the I.T. people and the others. The ones with high paying jobs and the ones without a job."

FacialRecognition Tech Is Creepy When It Works—And Creepier When It Doesn’t: Para lá do pesadelo de atentado à privacidade, o reconhecimento algorítmico ainda levanta outras questões. A fiabilidade não é total, com consequentes problemas de injustiça levantados quando alguém é erroneamente preso por causa de um erro de software.

Google Duplex will call salons, restaurants, and pretend to be human for you: Não há grandes surpresas aqui, é mais uma questão de quando. Esse quando começa a ser agora. Tudo o que for rotineiro ou rotinável será algoritmizado.

Digital Forensics Reconstructs Seven Lost Masterpieces: Alguns quadros são famosos precisamente pela sua invisibilidade, tornados lendários pelo seu desaparecimento. Com as tecnologias contemporâneas, e muito trabalho cuidado dos historiadores de arte, poderemos voltar a ver obras que imaginávamos perdidas para sempre.

Watch these newly discovered film clips from the glamorous birth of Technicolor: artefactos fantásticos, vindos dos primórdios do cinema a cores.

Glitch Capitalism: How Cheating AIs Explain Our Glitchy Society: O real problema da automação não é a tecnologia em si, são os aproveitamentos dela em nome de um neoliberalismo arrasante, que considera o humano como desperdício na incessante otimização de lucro.

Should I use an algorithm here? EFF's 5-point checklist: Sabemos que o enviesamento dos dados de origem para os algoritmos é um problema de efeitos potencialmente nocivos. Face à tendência de automatizar tudo, porque não analisar antes de aplicar? A EFF tem aqui cinco pontos de análise pertinentes.

 
 Antologia «Dentro da Noute: Contos Góticos»: O Projeto Adamastor continua o seu esforço de digitalizar a literatura portuguesa, com foco especial no fantástico, e nesta antologia reúne contos góticos de autores portugueses e brasileiros. Como sempre, um trabalho de excelência, que respeito enormemente. Tentei colaborar com este projeto, estão sempre a precisar de ajuda nas digitalizações e leitura das primeiras versões dos textos digitalizados, à caça de erros e incorreções, mas não tinha tempo para me dedicar como era necessário.

Remembering Tom Wolfe, One of the Central Makers of Modern American Prose: O obituário crítico da New Yorker ao trabalho de uma das vozes marcantes, e especialmente gritantes, da literatura americana do século XX. 

Even With a Name Like Aloha Wanderwell, You’ve Probably Never Heard of Her: Vidas extraordinárias, cujos factos rivalizam com as mais bizarras ficções, depressa esquecidas pela marcha da atenção humana.

Evidence of an Alien Ocean Found in Defunct 1990s Spacecraft Data: Mais do que a notícia em si, é pertinente recordar como nunca podemos considerar algo totalmente estudado e conhecido. Mesmo uma nova análise a dados antigos, com novos instrumentos e metodologias, nos trará algo de novo.

Darpa's Next Challenge? A Grueling Underground Journey: Depois dos carros autónomos e dos robots andarilhos, o próximo desafio da DARPA: robots capazes de se deslocar no subsolo.

Why 'Stories' Took Over Your Smartphone: Porque, argumenta Ian Bogost, este talvez seja o primeiro formato narrativo totalmente nativo da internet móvel: "But since 2007, people have been filtering their lives through the window of the smartphone. That name is vestigial now, because it’s only incidental that an iPhone or a Pixel is a telephone. Instead, it’s a frame that surrounds everything that is possible and knowable. A rectangle, as I’ve started calling it. The rectangle now frames experience. Information is rectangle-shaped, retrieved from searches in Google or apps or voice assistants. Personal communication comes in the form of a list of bubbles spilling down a rectangle. The physical world can be accessed by a map scaled to the boundaries of the rectangle, which can also provide way-finding through it. Music, movies, and television appear on these screens, and increasingly there alone. The rectangle is also an imaging device, capable of capturing a view of the world in front of it and the operator behind it".

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Doctor Who: Heroes and Monsters Collection

 

Justin Richards, et al (2015). Doctor Who: Heroes and Monsters Collection. Londres: Puffin.

Uma antologia de contos curtos, com aventuras dos vários Doctor Who, dos seus companions, amigos ou inimigos, um pouco por todo o tempo e espaço. Algumas são detalhes de episódios da série, outros remetem para momentos-chave, a maioria são pequenas vinhetas que exploram o universo Doctor Who. Leitura leve, sem complicações, como é habitual com este personagem. Pensado para crianças, encanta adultos, e é dos raros universos de ficção científica que assume o lado pulp de sense of wonder sem ser pretensioso. Sabe sempre bem mergulhar neste universo ficcional. Nas palavras do décimo Doctor, allons-y?

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Dylan Dog: A Saga de Johnny Freak



Tiziano Sclavi, et al (2018). Colecção Bonelli #03: Dylan Dog: A Saga de Johnny Freak. Lisboa: Levoir.

O terceiro volume da coleção Bonelli é um brinde para os fãs do Old Boy. Dylan Dog regressa ao público português, depois da edição de Mater Morbi, e é um regresso muito especial. É a primeira vez que em Portugal se editam histórias de Tiziano Sclavi, o seu criador e melhor argumentista da série (apesar de Roberto Recchioni e Paola Barbato terem aguentado muito bem o manto de excelente argumentistas de Dylan Dog).

O volume colige duas aventuras do detetive dos pesadelos. Em Johnny Freak, Sclavi conta-nos uma história decididamente perturbadora, longe do registo sobrenatural mas bem dentro do incómodo. Apesar da sua forte conotação ao sobrenatural, as aventuras de Dylan Dog são suficientemente ambíguas para atravessar géneros, do policial ao fantástico, e até ficção científica. Nesta saga, o tom é decididamente grand guignol.

O protagonista é um jovem surdo-mudo, excecionalmente dotado para a pintura e música, mantido em cativeiro pelos pais numa cave. Estes adoram o seu primeiro filho, vítima de uma doença rara, e conceberam Johnny para ser repositório de orgãos e membros para o primogénito. Sempre que um dos seus orgãos falha, este é amputado a Johnny para os substituir. Quando este quase morre num fogo na casa de família, conseguindo escapar apesar das suas enormes deficiências físicas, cruza-se com Dylan Dog, que aturdido com a profunda maldade deste caso, fica especialmente sensibilizado com Johnny. A história acabará mal, com o irmão, que o odeia e aos seus pais pelo que estão a fazer para o manter vivo, a conseguir assassinar este surdo-mudo deformado cujo olhar atravessa o coração. Sclavi não poupa o leitor, manipulando as suas emoções, levando ao máximo a sensibilidade narrativa, entre a monstruosidade de alguns personagens e o carinho de Dylan Dog.

Na segunda história coligida neste volume, O Coração de Johnny,  o tom grand guignol segue decididamente para o gótico. O desesperado irmão do falecido Johnny Freak, às portas da morte, vinga-se daqueles com que se cruzou, a começar pelos próprios pais. No entanto, uma centelha da bondade de Johnny Freak mantém-se no seu coração. Se Sclavi exagera deliciosamente no chocante, o estilo visual segue um toque de grotesco gótico, muito apropriado à história.

Revista H-alt #06



Nesta sua sexta edição, a revista H-alt confirma o seu papel no panorama editorial português: espaço entre o fanzine e a edição tradicional, que dá voz a novos criadores. Assume um papel internacional, com intercâmbios com publicações similares que levam as nossas novas vozes a outros públicos, e nos trazem novos autores brasileiros, ingleses e americanos. Em todas as edições a revista traz-nos uma mescla de estilos visuais e narrativos, frescos, pouco experientes, cruz na sua incipiência, e sempre prometedores. Tem-se notado da parte do editor um progressivo trabalho de curadoria, demonstrado na contínua evolução positiva do nível qualitativo da revista. A H-alt tem um merecido lugar no panorama da BD portuguesa, espaço para novos talentos crescerem e se desenvolverem.

terça-feira, 22 de maio de 2018

Dampyr: Aventuras em Portugal



Mauro Boselli et al (2018). Coleção Bonelli #02 Dampyr: Aventuras em Portugal. Lisboa: Levoir.

Não consigo perceber se o artifício editorial para atrair leitores de escolher aventuras de um personagem passadas em Portugal é parolice ou simpático aceno aos fãs. Dampyr, o caçador de vampiros que por ser filho de uma união entre vampiros e humanos tem um sangue letal para os filhos da noite, chega aos leitores portugueses na coleção Bonelli da Levoir. Quando andei a descobrir o fumetti, confesso que este não foi um personagem que me atraiu muito, talvez pela monotonia da sua premissa. Harlan Draka, o dampyr, e o seu amigo Kurjak andam pelo mundo sempre à caça de vampiros, para os destruir, com o fim último de eliminar o sempre esquivo arqui-vampiro Gorka. É o tipo de premissa linear completamente aberta, que sustenta narrativas que são fundamentalmente variações da mesma história. Nisso Tex e Dylan Dog são mais abertos, permitem maior variação narrativa. Apesar desta minha má opinião do personagem, dei por mim a apreciar muito as histórias coligidas nesta edição, muito em parte pelo cuidado visual evidenciado pelos ilustradores.

Esta edição colige duas histórias de Dampyr. Em O Esposo da Vampira, por Mauro Boselli e Alessandro Bocci, um grupo de cineastas dirige-se a um castelo em ruínas no interior transmontano, para filmar um filme de terror de baixo custo. O seu realizador oculta um segredo familiar, envolvendo uma vampira que sustenta todo um clã aristocrático irlandês, do qual este é o último descendente. Criatura essa que depois de travada na Irlanda, séculos atrás, reside agora nas ruínas do castelo português onde foi tornada vampira. O argumentista prestou atenção aos pormenores, criando locais portugueses inexistentes mas credíveis, e o ilustrador não lhe ficou atrás. Em Tributo de Sangue, de Giovani Eccher e Maurizio Dotti, um casal de amigos do Dampyr em férias no Porto descobre o temível segredo por detrás do vinho envelhecido numa das caves de Gaia. Um segredo que envolve uma atrocidade contra judeus, há séculos atrás, e a influência de um dos demónios que Dampyr combate.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Comics


Uber Invasion #13: Captain Rogers? Assim loirinho, de olhos azuis, e queixo quadrado? Ainda por cima, super-ser (a série Uber imagina a II Guerra sob o efeito de pesquisas nazis que criam super-soldados). Percebemos a piada, Kieron Gillen.


X-Men The Wedding Special: sobre este arco narrativo, duas observações. Primeiro, estará a Marvel a tentar copiar o sucesso do casamento de Batman e Catwoman, que Tom King está a preparar com o seu habitual metódico brilhantismo? Segundo, Chris Claremont, o argumentista que de facto definiu os X-Men, está de regresso. Será para durar?

domingo, 20 de maio de 2018

URL



Multiplicity: A cidade de Paris, vista em simultaneidade pelos milhões de olhares partilhados no Instagram. Essencialmente, a dèrive situacionista amplificada pela lente do telemóvel: "Today, we collectively and continuously document our city experience on social media platforms, shaping a virtual city image. Multiplicity reveals a novel view of this photographic landscape of attention and interests. How does Paris look as seen through the lens of thousands of photographers? What are the hotspots of attraction, what are the neglected corners? What are recurring poses and tropes? And how well do the published pictures reflect your personal view of the city?"

João Abel Manta: um problema difícil: Pedro Piedade Marques, designer e historiador da edição em Portugal, recorda a personalidade do pintor e ilustrador que nos legou as imagens icónicas do 25 de abril.

Our fiction addiction: Why humans need stories: De facto, o Épico de Gilgamesh não só é similar em temas e estrutura aos sucessos da cultura popular, como as suas palavras ainda nos fazem sentido, séculos após séculos da sua fragmentada origem suméria. O mesmo pode ser dito de outros textos fundadores da literatura mundial, ou as histórias vindas da noite dos tempos que perduram nos mitos e tradições. Não resisto a citar Doctor Who: "we're all made of stories in the end, just make it a good one".

Ink-Stained Pixels Uma breve história dos leitores de livros eletrónicos antes da predominância dos Kindle. Esqueceram-se do Memex de Vannevar Bush, e esquecem que há mais leitores de ebooks para além dos Kindle, resmungo eu como ex-dono de um Cybook, e agora leitor inveterado num Bq Cervantes. Curiosamente, o texto do livro na imagem (um Rocket eBook, nunca tive nenhum mas gostaria de ter tido) recorda-me que um dos primeiros livros que li em formato eletrónico, no meu clássico (e ainda funcional, se o ligar) PalmPilot, foi o mesmo First Men on the Moon de H.G. Wells que está na foto, disponibilizado pelo Projecto Gutenberg.

 
50 Pulp Cover Treatments of ClassicWorks of Literature - Guns, Broads, Beefcake, Literariness
: Os divertidos resultados de emparelhar grandes clássicos da literatura com capas da estética pulp. Há ali pelo menos um livro, o de Edgar Allan Poe, que de certeza que tem edições com capas de horror pulp.

Did Math Kill God?: Compreender a matemática como a linguagem que nos permite descrever as estruturas do universo abalou o poder dos mitos e religiões sobre a sociedade humana: "mathematical analysis, with its “abstract and functional thinking about natural processes,” would ultimately rid science of any lingering religious beliefs. As a result, “a new mindset, the analytical temper, was in the making.”

Sci-Fi’s Mind-Blowing Cities Never Fail To Fascinate: O fascínio do espaço urbano nas visões da Ficção Científica.

After Math: Robot revolutionaries: Drones controlados por criminosos para impedir operações comerciais, empresas de ride sharing a apostar em automóveis autónomos, robots kawaii que nos conquistam.

I watched an entire Flat Earth Convention for my research—here’s what I learned: O objetivo? Perceber como a desconfiança da ciência se tornou uma forma de rebeldia contra as instituições clássicas.

How to Make Sense of Digital Transformation 2.0: Dizer que a economia e sociedade serão irremediavelmente transformadas pela robótica, big data e inteligência artificial é hoje um cliché. Mas como é que se processa essa adaptação ao digital nas organizações? Um guia sóbrio, neste artigo.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Tex: A Lenda de Tex



Stefano Biglia et al (2018). Coleção Bonelli #01 Tex: A Lenda de Tex. Oeiras: Levoir.

Para iniciar a coleção dedicada às personagens Bonelli, a Levoir não arrisca e aposta num valor seguro. Tex é bem conhecido dos leitores de BD portugueses, contando com um activo clube de fãs, edições regulares quer importadas do Brasil, quer pela Polvo. Para a maioria dos leitores, talvez seja a única personagem Bonelli que realmente conhecem.

Tex é um caso curioso. É, ainda hoje, o título mais popular da editora italiana. Tem o seu quê de anacronismo, é um dos poucos exemplos a atrair público na cultura pop contemporânea que um género, o western, que foi imensamente popular nos anos 50, com todo um legado cinematográfico, na banda desenhada e literatura popular. Género que hoje apenas sobrevive como memória cultural, com o gosto popular afastado dos mitos da vida na fronteira do velho oeste. Tex, personagem de BD italiana, é o único que contraria a extinção do western enquanto género na cultura popular de massas. Não sendo um personagem (bem como um género) que me atraiam particularmente, é de respeitar a resiliência no gosto dos leitores de um título continuamente editado há setenta anos, de acordo com o excelente texto de introdução de Mário Marques.

Neste primeiro volume da coleção, a Levoir colige quatro aventuras do temível e justo ranger do Texas. Em O Último da Lista, Tex enfrenta um velho conhecido, caçador de recompensas que anda atrás de vingança por um crime do passado, eliminando metodicamente todos os antigos elementos de um bando criminoso, até chegar ao último, hoje um pacato proprietário de hotel que deixou há muito para trás o seu passado. O Mescalero Sem Rosto coloca Tex no encalce de um renegado índio especialmente perigoso, interligado consigo pela violência do passado. Chupa-Cabras encontra Tex a cruzar-se com um professor universitário que está em expedição ao oeste, em busca das míticas criaturas, que lhe irão provocar a morte. O livro termina com Desafio na Velha Missão, história ambígua em que Tex tem como missão libertar a jovem esposa de um oficial do exército dos seus raptores índios, mas a verdadeira relação entre o índio e a mulher branca não é a de raptor e vítima.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Dylan Dog: Lacrime di pietra; Il Generale Inquisitore; In fondo al male



Carlo Ambrosini (2015). Dylan Dog #350: Lacrime di pietra. Milão: Sergio Bonelli Editore S.p.A..

O agora reformado Inspetor Bloch apaixonou-se por uma mulher mais nova, antiga bailarina cega que vive com a mãe. Intervém quando as vê a ser aparentemente ameaçadas por um criminoso, que conhece dos tempos em que coordenada investigações na Scotland Yard. Irá sofrer uma forte desilusão, ao descobrir que afinal a mulher com que se estava a envolver é uma prostituta, com a mãe a gerir os clientes. As coisas complicam-se, embora não para Bloch, quando se percebe o método da matriarca para ser ver livre de clientes indesejáveis, que envolve uma serração e os esforços do marido da filha, alcoólico inveterado. Sendo uma aventura de Dylan Dog, há um elemento de sobrenatural na figura de uma estátua de santa portuguesa, que partilha o nome e a origem com a prostituta e sua família. Uma estátua com poderes vingativos. Diga-se que a associação lusitana dos personagens é muito pateta, entre a visão de portugueses como criminosos e nomes supostamente portugueses que não existem na nossa língua. Para o argumentista, ir procurar nomes verdadeiramente portugueses deve ter sido esforço insuperável. Apesar da minha aparente irritação, este é um pormenor menor numa história bastante medíocre de Dylan Dog.



Fabrizio Accatino, Luca Casalanguida (2016). Dylan Dog #353: Il Generale Inquisitore. Milão: Sergio Bonelli Editore S.p.A..

O encontro casual de Dylan com o ator principal de uma série de filmes de culto ingleses mergulha-o num verdadeiro horror. O ator fala-lhe dos mistérios do desaparecimento do realizador, que se suicidou após o seu terceiro filme, e do envolvimento de uma personagem obscura que lhe financiou a obra, a partir de um guião muito específico sobre a história do grande inquisidor de bruxas. Ao investigar, por curiosidade, este rumor, Dylan acabará por descobrir que existe uma linhagem de inquisidores até ao dias de hoje, homens que utilizam a justificação de purificar bruxas para indulgir no mais violento sadismo assassino. Por pouco, Dylan quase se torna a sua mais recente vítima.


Ratigher, Alessandro Baggi (2015). Dylan Dog #351: In fondo al male. Milão: Sergio Bonelli Editore S.p.A..

Inspirando-se na capa do album Houses of the Holy dos Led Zeppelin, esta aventura do Old Boy leva-nos a uma vila remota na Escócia, cuja costa contém vestígios da giant's causeway. Dylan Dog é lá levado por uma rapariga escocesa, que o contrata para procurar a melhor amiga, desaparecida. Uma vez lá, o mistério torna-se num descobrir de quem a matou, mas há um velho marinheiro que avisa que um mal maior vem a caminho. Uma noite, o mar retrocede e revela os mistérios das profundezas, o caminho para o mal profundo que se esconde sob as ondas, nas formações rochosas da calçada. Os mitos da calçada dos gigantes, a estética dos anos 70, a iconografia das vilas isoladas do norte escocês e laivos de Rhyme of the Ancient Mariner cruzam-se nesta aventura.

terça-feira, 15 de maio de 2018

Monster


Naoki Urasawa (2006). Monster Volume 1. São Francisco: VIZ Media.

20th Century Boys já me havia mostrado que Naoki Urasawa tem uma enorme capacidade de entretecer diversas linhas narrativas nos seus mangás. Este Monster é um excecional exemplo.

A história gira à volta de um jovem neurocirugião japonês a trabalhar na Alemanha dos anos 80, sob orientação daquele que é o seu ídolo científico. Este é apenas um oportunista, que se aproveita da sua posição de chefia para apresentar o melhor trabalho dos seus subordinados como se fosse seu, dando preferência no hospital público que dirige ao tratamento aos ricos e poderosos, mesmo que isso custe a vida a pacientes pobres. Delfim deste médico sem escrúpulos, ao ponto de estar noivo da sua filha, o médico japonês perde a sua posição preferencial quando se recusa a interromper uma operação delicada a uma criança com uma bala na cabeça para operar um político influente. A vingança não durará muito. O seu chefe morrerá envenenado, e o japonês recuperará a sua posição no hospital. Já a criança, filha de um casal de políticos da Alemanha de Leste violentamente assassinados no seu exílio no ocidente, desaparece sem deixar rasto. Décadas depois, o médico japonês irá salvar a vida a um criminoso atropelado, suspeito em casos de assassinatos violentos, e irá descobrir o destino da criança cuja vida salvou numa operação que lhe ia custando a carreira: tornou-se um assassino amoral.

Até ao final deste primeiro volume, ficamos sempre em suspense sobre quem será o monstro do título do livro. A teia narrativa que Urasawa tece é envolvente, não levando a história por caminhos óbvios.

domingo, 13 de maio de 2018

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Here Are The Highlights of ILA Berlin 2018 Air Show: Um bocadinho de aerospace pr0n para os fãs de máquinas voadoras.

Algorithmic Transparency Is the Next Disruption for Tech Companies: Uma proposta interessante: estender a transparência para lá das opções disponíveis ao utilizador, para o próprio código dos algoritmos que sustentam as aplicações.

City as Character: A cidade enquanto a verdadeira personagem de obras marcantes da literatura, quer seja Ulisses de Joyce, Berlin Alexanderplatz de Döblin, ou Manhattan Transfer de DosPassos. Diga-se que o que melhor recordo da leitura de Joyce é a vivacidade das ruas de Dublin, cidade que quando visitar, será para seguir nos passos de Bloom e Dedalus.


Secret Nazi experimental plane was an epic piece of vaporware: Aparentemente, o Horten Ho229 nem seria capaz de voar, apesar de ser uma das primeiras experiências de aeronaves de asa inteira (e veio a influenciar o design do B2 Spirit). Fascinante, a ideia de promover aeronáutica avançada quase impossível de chegar além do protótipo como forma de auto-preservação dos engenheiros.

eBay, Organized Crime, and Evangelical Christians: The Ethical Minefield of Studying Ancient Civilizations: Esta história lê-se como uma aventura de Indiana Jones, se este fosse um moralista empedernido. Cidades perdidas, tabuinhas sumérias raras com encantamentos, contrabando arqueológico em zonas de guerra e cristãos extremistas que enriqueceram com lojas de artesanato e decoração. Há aqui argumento para filme...

We Who Are Alive: The End Times On Screen: O sempre intrigante We Are The Mutants mergulha nas suas memórias dos apocalipses low cost da televisão dos anos 60 e 70.

“MUTE” (“MUTE”) Duncan Jones (2018) Inglaterra / Alemanha: Vale a pena ler esta crítica ao filme Mute. nem que seja pela expressão com que qualifica a corrente geração de cinema de efeitos especiais de encher o olho e conteúdos vazios que canibalizam outros media: produções de teletubbies para crescidos. Em cheio, esta.

Every Culture Appropriates: A noção de apropriação cultural, vista com padrões diferentes dependendo da minoria a que se pertence, analisada sob uma perspetiva de cultura como algo não-estanque, permeável às influências de uma sociedade global.

When algorithms surprise us: Um breve catálogo de experiências de machine learning que correram de forma muito, muito inesperada. Treinados para resolver problemas com constrangimentos bem definidos, estes algoritmos encontraram formas surpreendentes de dar a volta às restrições. Começa com um algoritmo treinado para reconhecer ovelhas em fotos que decidiu aprender a reconhecer prados, e passou a identificar fotos de prados como sendo de ovelhas. Segue com, entre outros exemplos, um algoritmo treinado para simular aterragens em porta-aviões que explorou um bug de programação em que despenhar uma aeronave contra a pista daria uma aterragem perfeita. Bizarrias feéricas do machine learning, que apesar de divertidas, sublinham o que pode correr mal com a utilização destes algoritmos.

The meaning of life in a world without work: O mais interessante nas ideias de Yuval Hariri é a forma inesperada como nos leva a pensar em diferentes perspetivas, vertentes inesperadas sobre assuntos que estão muito moldados a uma direcção conceptual. Estamos preocupados com o impacto da automação e robótica no emprego, com a visão de um futuro cheio de desempregados, sem ocupação com significado económico, em busca de soluções, e uma resposta possível não só já existe como tem sido uma constante na história humana. A ritualização religiosa como jogo, uma ocupação sem qualquer sentido para além daquele que lhe é atribuído (uma ideia que poderia estar muito bem aplicada a outros sectores, como o militar, por exemplo), e, essencialmente, a visão que na entropia universal, o sentido das coisas é atribuído por nós:  "In the end, the real action always takes place inside the human brain. Does it matter whether the neurons are stimulated by observing pixels on a computer screen, by looking outside the windows of a Caribbean resort, or by seeing heaven in our mind’s eyes? In all cases, the meaning we ascribe to what we see is generated by our own minds. It is not really “out there”. To the best of our scientific knowledge, human life has no meaning. The meaning of life is always a fictional story created by us humans". Às vezes, Hariri parece ser o mais próximo que podemos chegar da visão que um alienígena teria sobre a humanidade.

sábado, 12 de maio de 2018

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Astrofísica para Gente com Pressa


Neil deGrasse Tyson (2017). Astrofísica para Gente com Pressa - Uma Viagem Rápida e Iluminante ao Cosmos. Lisboa: Gradiva.

No que toca à divulgação científica, deGrasse Tyson é o herdeiro intelectual de Carl Sagan e, em menos medida, de Stephen Hawking. Sagan era um gigante nisto, influenciou toda uma geração, e o seu estilo marcante, misto de conhecimento sólido com sensação de deslumbre está bem patente na forma como Tyson aborda o divulgar da ciência. Coligindo artigos escritos para a National Geographic, abordam conceitos elementares de física e astrofísica. O estilo é coloquial, e isso perde-se um pouco na tradução.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Points of Impact


Marko Kloos (2018). Points of Impact. Seattle: 47North.

O mais recente livro da série Frontlines mostra o problema de se ter uma série de sucesso. A premissa está esgotada, resta contar a mesma história de sempre, variando os ingredientes. Em Points of Impact, Andrew e Halley são colocados a bordo da mais poderosa e recente nave de combate terrestre. Reunindo a experiência militar norte-americana e o know-how técnico europeu, esta é uma nave concebida para sobreviver a ataques diretos dos quase invencíveis alienígenas, com armamento capaz de os destruir. Um casco reforçado, dois canhões de partículas de alta energia e uma carga de mísseis acelerados com propulsão por bombas nucleares capazes de acelerar ogivas a velocidades próximas da luz (uma referência de Kloos ao projeto Orion, um dos mais esandecidos, no entanto lógicos, projetos de criação de naves espaciais mais rápidas dos que as propulsionadas por motores químicos). E, claro, um poderio militar inagualável, numa nave capaz de transportar milhares de soldados. Com todos os tripulantes a envergar um uniforme azul. Pergunto-me se Kloos está aqui a fazer referências a Star Trek.

A história em si não traz nada de novo, pelo contrário, regressa a alguns dos livros anteriores. O primeiro cruzeiro operacional da nave, para treinos e testes, leva-nos a Arcadia, a colónia secreta que foi refúgio de uma elite que abandonou a Terra na sua hora de maior aperto (os eventos de Chain of Command). Essa missão é interrompida com a notícia da chegada de naves alienígenas a outra colónia, uma lua gelada com abundância de água que já havia sido palco de combates em Angles of Attack. Aí, o novo orgulho da frota terrestre mostrará o seu valor, aniquilando as naves inimigas em órbita, mas a vitória será amarga. O poderio militar em terra não é suficiente para derrotar os alienígenas, a colónia é evacuada e o planetóide irradiado com bombas atómicas para negar o seu uso. Enquanto a ação se desenrola, Andrew vai-se questionando sobre o seu papel como militar, cada vez mais cansado da rotina do combate.

O que remedeia o livro é a capacidade narrativa de Kloos, imbatível quando entra em acção. Mas as premissas começam a revelar-se estafadas, toda a série se resume à guerra contra um inimigo imbatível, usando armas cada vez mais evoluídas mas as mesmas tácticas. Kloos não dá um passo lógico, o do uso de armas biológicas para travar alienígenas quase impossíveis de derrotar. Fazer isso aceleraria o ritmo da série, e perder-se-ia o foco tradicional da FC militarista nos equipamentos militares futuristas.

terça-feira, 8 de maio de 2018

Fields of Fire



Marko Kloos (2017). Fields of Fire. Seattle: 47North.

Ficou prometida no livro anterior uma nova aventura, uma operação decisiva contra os invasores alienígenas que ocupam Marte. Este livro cumpre-a, embora Marko Kloos não seja um autor de FC militarista que goste de narrativas fáceis. Haverá de facto um ataque a Marte, mas a colónia não será reconquistada. As únicas vitórias que podem ser reclamadas estão no aniquilar das invencíveis naves extraterrestres em órbita marciana, o salvar de alguns sobreviventes da invasão refugiados no planeta, e a progressiva união entre as diversas nações e blocos terrestres, cada vez mais a colocar as dissensões e velhas rivalidades de lado para empunhar armas contra um inimigo comum.

Parte do livro é a descrição da tremenda batalha na superfície marciana, com Andrew sempre no centro da ação. O objetivo de recapturar o planeta é gorado pelo comportamento adaptativo dos insondáveis alienígenas, que se revelam capazes de aprender e usar as táticas de combate terrestres. Como já é característica nesta série, é acção pura, em escrita escorreita que mantém o interesse do leitor.

Há uma grande vantagem em colocar o ponto de vista narrativo de uma saga de FC no ponto de vista de um soldado no terreno. Com isto, Kloos não tem de se preocupar em desenvolver muito os alienigenas que fazem o centro da premissa da série. São descritos com enormes, quase quadrúpedes, funcionando em manadas e totalmente incompreensíveis. No entanto, ter humanos a combater o que seria comparável a manadas de bois gigantes esgota-se depressa, e Kloos vai-se dando ao trabalho de aprofundar a sua criação. Ficamos a saber que estes aliens têm comportamentos inteligentes, são sensíveis a ondas rádio, e as suas naves são bio-constructos, usando a matéria orgânica dos planetas que capturam para construir novas naves. Acaba por ser um conceito inquietante, a de seres gigantescos quase invulneráveis, com os quais não parece haver forma de comunicar, que exibem comportamentos de enxame e sinais de inteligência, não utilizam tecnologias identificáveis e propagam-se viralmente. Descontando a habitual ideologia de sentido único militarista, este é um dos aspetos interessantes da série, este conceito de que enfrentamos uma espécie extra-terrestre com a qual toda a comunicação é impossível.

Outro aspeto que este livro aborda é a história pessoal dos personagens principais, o intrépido soldado (agora tenente) Andrew e a sua amada esposa, a não menos intrépida piloto Halley. É um mergulho profundo nos estereótipos deste género de ficção, com personagens ocas, ecoando ideais de abnegação militar e sentido de dever acima de tudo, compreendidos apenas por aqueles que também sentem os mesmos apelos. Claro que isto é FC militarista, essencialmente uma boa desculpa para histórias de combate futurista, não podemos esperar dela profundidade psicológica e literária. É narrativa de entretenimento, muito bem feita, divertida e de leitura compulsiva.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

InSight



É sempre divertido saber que em novembro, o meu nome faz parte dos milhares que aterrarão em Marte com parte da iniciativa Send Your Name to Mars da missão InSight.


Dois milhões no total, dezoito mil portugueses. Como nunca lá poderei ir, pelo menos o meu nome fica a ganhar pó marciano. Como código, num chip. Não devo ocupar muitos bits.

domingo, 6 de maio de 2018

URL


 A Doom Mod Where You Make Friends With Demons: O clássico DOOM, jogado do ponto de vista dos monstros. Que afinal são criaturas simpáticas, constantemente atacadas sem aparente justificação por um marine enlouquecido. O jogador controla um demónio, que percorre os labirintos do jogo a evitar o doom guy e a curar os companheiros abatidos. O mais clássico e marcante dos jogos first person shooter, revisto sob uma premissa pacifista.


The Robot Revolution: Se a nossa visão de trabalho e vida profissional se reduzir ao rotineiro, ao repetir as mesmas ações de forma constante, estaremos condenados à irrelevância. Um robot, e um algoritmo, fazem o mesmo de forma mais rápida e eficiente. Mas se introduzirmos criatividade, flexibilidade e intuição, elementos humanos, na equação, esta tecnologia torna-se aumentativa do nosso potencial. Não por acaso, os resultados mais promissores estão no emparceiramento de robots com humanos. O problema? A ganância capitalista, a pensar em curto prazo, maximizando lucros com investimento em robótica para poder livrar-se de pagar salários aos trabalhadores humanos. A questão fundamental? Esta caixa de pandora não volta a fechar, as sociedades têm de ser capazes de fazer escolhas, e isso requer cidadãos informados, competentes, flexíveis e com fortes literacias técnicas e humanistas.

The economics of artificial intelligence: Não o mito da inteligência artificial completa, mas as ferramentas de IA restrita que já hoje estão no mercado, nas indústrias e serviços. A tecnologia evolui, os custos diminuem, a computação alastra. Destaco um pormenor, que mostra o valor da IA como tecnologia aumentativa das capacidades humanas: "We use both prediction and judgment to make decisions. We’ve never really unbundled those aspects of decision making before—we usually think of human decision making as a single step. Now we’re unbundling decision making. The machine’s doing the prediction, making the distinct role of judgment in decision making clearer. So as the value of human prediction falls, the value of human judgment goes up because AI doesn’t do judgment—it can only make predictions and then hand them off to a human to use his or her judgment to determine what to do with those predictions".

Style Is an Algorithm: Na era dos algoritmos, o conceito tornou-se a metáfora que sentimos mais actual para todos os aspetos do comportamento humano.

Nukes in the Age of AI: As problemáticas de automatizar armas. A lógica binária não se ajusta a situações cinzentas, e no caso de armas, as consequências podem ser catastróficas.

Colecção Bonelli 3 - Dylan Dog: A Saga de Johnny Freak: João Lameiras faz uma apreciação crítica do terceiro volume da coleção Bonelli da Levoir, dedicado ao meu querido detetive dos pesadelos.

Os últimos anos de Dostoiévski: Uma visita à casa de Dostoiévski, pelo olhar de Nelson Zagalo.

The Problem With Believing Coding Is No Longer Important: Essencialmente, ceder à tentação de automatizar pode-nos colocar na situação de deixarmos de ser capazes de compreender os sistemas dos quais dependemos: "the capacity to solve problems as well as the ability to understand how technical systems work and improve upon them will only grow in importance as technical systems come to govern more of our daily processes".

On inhumane technology: Do leve empatar à disrupção total dos nossos padrões. Como definir a desumanidade em tecnologia?


Where Have All The Wild Concepts Gone?: Recordar aqueles carros de sonho que nunca passaram de conceitos.

Here's Some Rare Footage Of The SR-71 Blackbird Testing: Esta relíquia da guerra fria ficou para a história como uma das mais espantosas aeronaves de todos os tempos.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Chains of Command



Marko Kloos (2016). Chains of Command. Seattle: 47North.

Uma aventura curta e sangrenta da série Frontlines. Desta vez Andrew Grayson vai compreender a dureza do comando, numa missão secreta para castigar as elites que abandonaram a Terra no seu momento mais crítico e recuperar as naves que levaram consigo. A proposta é irrecusável. Enquanto as forças militares da Terra se unem para lançar uma ofensiva para recuperar Marte, um oficial de operações especiais dá a Grayson uma missão secreta: acompanhar uma força de reconhecimento ao refúgio dos traidores à Terra. Estes escolheram um destino não mapeado, um sistema planetário mais distante do que os limites conhecidos da colonização, onde terraformaram em segredo um planeta para ter condições em tudo iguais às da Terra. Claramente, um refúgio oculto para elites.

Mais do que uma oportunidade de regressar a missões activas, esta será uma promoção, e Andrew deixará de ser um eterno soldado. Com isso vem a descoberta das agruras do comando, do sentimento de responsabilidade quando se tem a cargo não os companheiros do pelotão mas toda uma unidade militar. A missão é arriscada, altamente secreta e, improvavelmente, também contará com a sua mulher. As forças especiais só querem os melhores veteranos.

Depois de uma rápida atualização para avançar a história pessoal dos personagens e o contexto do mundo ficcional, Kloos mergulha-nos naquilo que faz melhor, o relato detalhado de ação militar. As equipes de reconhecimento são lançadas para o planeta, mas a missão depressa se altera para combate ativo, e entre o uso dos soldados comandados por Andrew como diversão e truques sujos levados a cabo pelos elementos das forças especiais, a coisa descamba numa conquista planetária contra forças superiores, conseguida com ajuda de ameaças nucleares. Como sempre, Kloos está o seu melhor ao jogar com a iconografia da FC militarista, mantendo a ação num ritmo elevado, com a curiosidade do leitor sempre desperta, a querer saber como a narrativa se desenrola, mesmo sabendo que o seu final é previsível.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Angles of Attack


Marko Kloos (2015). Angles of Attack. Seattle: 47North.


Diga-se que Kloos é implacável na forma como estrutura o grande arco narrativo da sua série. Esperamos a todo o momento que se decida a resolver decididamente o grande macguffin da história, com o momento em que a Terra consegue travar a invasão alienígena. Este não será o livro onde isto acontece. Kloos arrasta este ponto narrativo lógico o mais que pode. Prefere focar-se nas relações ilógicas entre as autoridades que governam o planeta.

É a outra grande linha narrativa da série, a forma como este futuro não é de paz e prosperidade, mas restrições e conflitos. Não existe uma Terra unificada, os blocos regionais e países competem entre si pelo domínio militar nas estrelas. Os recursos estão sempre nos limites, divididos entre o alimentar de enormes núcleos populacionais, terraformar planetas extra-solares e equipar forças armadas, que levam sempre o  melhor do bolo económico. Um estado de conflito constante que só a iminência da invasão da Terra consegue anular, e mesmo assim de formas inesperadas. Frente a uma ameaça maior, as elites globais unem-se para escapar, abandonado o planeta.

São atitudes que desmoralizam os aventureiros da série, cada vez mais conscientes do seu papel de defensores e não de meros seguidores de ordens. A acção  passa-se em vários sistemas, e numa Terra onde as populações se organizam em milícias para combater governos cada vez mais desacreditados. E, finalmente, parece haver indícios de um potencial virar da maré da guerra interestelar, com uma derrota dos alienígenas na órbita e superfície terrestres.

Diga-se que esta série é de leitura compulsiva. A acção é interminável, mas o que desperta realmente a curiosidade é tentar perceber como Kloos irá resolver o grande cerne narrativo. É, também, uma série de ideologia atípica no âmbito desta vertente de FC. Os temas habituais, honra, dedicação, estão lá, mas o tom é de uma progressiva desconfiança face à autoridade, bem como um elogio à insubordinação face a potenciais injustiças.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Lines of Departure



Marko Kloos (2014). Lines of Departure. Seattle: 47North.

Se o primeiro livro desta série tinha o seu quê de heinleinianismo modernizado, este segue mais na onda  Forever War, focado em guerras intermináveis, embora sem tanto desenvolvimento introspetivo das personagens. Afinal, isto é FC militarista pura, não se espera uma grande profundidade sentimental.

Apesar da sua superficialidade, o autor tenta gastar algumas páginas a aprofundar a relação dos dois grandes personagens da série, o soldado Andrew e a piloto Halley, fazendo evoluir a sua relação e mostrando um pouco da vida na Terra sobrepovoada. É sol de pouca dura, esta fase despacha-se depressa para nos levar o que interessa, a sucessão de aventuras em combate. Afinal, a Terra está a perder uma guerra interestelar com uma civilização alienígena que captura metodicamente as suas colónias terraformadas, e para piorar a situação, a ameaça de extinção não parece ser suficiente para unificar as diferentes fações terrestres. O soldado Andrew tanto se vê em combate contra alienígenas como contra russos e chineses. É um ponto de vista anormal, o expectável é que neste tipo de ficções as partes desunidas se unam para derrotar ameaças externas, mas Kloos não segue este caminho até ele se tornar inevitável.

Andrew será mergulhado numa sucessão de missões violentas. Primeiro, em missões retaliatórias  contra os mundos capturados pelos alienígenas. Em seguida, numa conquista de colónia sino-russa, que corre muito bem até ao aparecimento de uma nave alienígena em órbita. Para salvar a vida, Andrew é obrigado a desobedecer a ordens, e ao regressar à Terra sofre consequências. É embarcado como parte de uma missão secundária, de contornos penais, que despacha para um rochedo esquecido um grupo de soldados que revelaram atitudes rebeldes, entre os quais a comandante da sua primeira unidade militar. A situação no rochedo quase se torna de guerra civil, quando se descobrem abandonados pelas lideranças que fecham os pontos de acesso super-lumínicos, que os alienígenas sabem utilizar para capturar as colónias terrestes. Uma tentativa mal concebida de militarizar as zonas civis leva a um  motim, e a combate aberto entre forças terrestres. Como este livro é uma sucessão contínua de peripécias, mal esta situação fica resolvida e os nossos heróis deparam-se com a presença de uma nave alienígena no seu sistema, e conseguem o impossível, aniquilando a nave. O livro termina com uma revelação terrível, vinda de uma frota combinada de sobreviventes sino-russos e norte americanos, que revela a presença de alienígenas no sistema solar, com Marte ocupado e a derrota terrestre iminente.

Este livro é pouco mais do que uma sucessão de descrições de acção militar, algo que Kloos faz muito bem, com um ritmo imparável. O livro não é especialmente profundo, mas é bem escrito e diverte o leitor.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Terms of Enlistment



Marko Kloos (2013). Terms of Enlistment. Seattle: 47North.

As influências da FC militarista de Heinlein são bem evidentes neste divertido Terms of Enlistment. A combinação de futurismo com fascínio pelo militarismo, esse clássico tema heinleiniano, sustentam o livro de Marko Kloos, escritor alemão residente nos EUA. No entanto, o tom da obra não segue a vertente clássica do heroísmo e dedicação à honra da causa marcial. O que leva os personagens a dedicar-se à vida militar não é uma vontade abnegada de atingir a glória, mas escapar a vidas sem sentido numa Terra com excesso de população.

Neste futuro especulativo, a humanidade espalha-se em colónias planetárias, mas não o faz de forma unificada. Na Terra, os velhos blocos geoestratégicos mantém as rivalidades, expressas em guerra aberta no espaço, com combate direto no planeta-mãe proibido após algumas guerras nucleares envolvendo entre chineses, russos e ocidentais. A maioria da população vive uma existência desocupada em gigantescos bairros sociais, onde as suas necessidades básicas são asseguradas, e pouco mais. A única forma de escapar a este destino é ser escolhido para embarcar em naves colonizadoras, ou juntar-se às forças armadas.

É este o percurso que Andrew, o jovem protagonista, segue. Quer-se manter longe da vida de crime ou de indolência que o espera, e tentar ir para o espaço. Terms of Enlistment é um clássico romance périplo com aventura de descoberta de identidade. Seguimos a sua entrada nas forças armadas, com um rigoroso treino inicial, as suas primeiras experiências numa unidade de defesa territorial chamada a intervir em qualquer ponto do planeta. Acompanhamos os combates em que se vê envolvido, e o caminho que segue após uma situação especialmente violenta, que o deixa gravemente ferido e em risco de se tornar bode expiatório dos erros dos seus superiores. A intervenção de uma sargento especialmente dura safa-o desta, e consegue chegar ao serviço nas forças espaciais, conseguindo ainda a proeza de ser destacado para a nave onde está a namorada, que conheceu durante o treino inicial e com quem consegue manter uma relação, apesar das adversidades da vida militar. Parece uma história simples, e esperamos que os personagens se vão envolver em infindos combates nos planetas colonizados contra oponentes russos e chineses, mas Kloos termina o livro com um inesperado primeiro contacto violento com uma civilização alienígena, tecnologicamente mais avançada e imparável. O que parecia ser uma história de carreira militar torna-se numa aventura de guerra interestelar.

Kloos toca as teclas certas deste sub-género de FC. Tem uma capacidade narrativa sintética e decidida, mantendo o leitor agarrado à história, mesmo que seja previsível. A construção das personagens segue a iconografia típica da FC militarista, embora Kloos as mantenha sóbrias e não caia no exagero da apologia da violência ritualizada. Não sendo um livro extraordinário, é uma leitura leve e bem concebida.