Lo and Behold: Reveries of the Connected World (Werner Herzog, 2016)
Não consigo libertar-me da primeira crítica que li a este documentário do lendário cineasta Werner Herzog, no Kottke.org, creio. Dizia algo como famoso cineasta deslumbra-se em conversa com cientistas e líderes tecnológicos, e de facto é uma boa caracterização deste Lo and Behold. Deslumbramento com as origens, infraestruturas e possibilidades do mundo digital é talvez a palavra que melhor descreve um documentário que não parece pretender dar respostas a questões. Antes, é o registo meditativo de um percurso de aprendizagem pessoal, do olhar de um homem - o realizador, à descoberta do que para ele é um novo mundo. É uma perspectiva com a qual empatizo, recordando o meu fascínio crescente com a história da tecnologia digital, da evolução de algo que se tornou prevalente para os nossos dias. Herzog traz o seu olhar muito próprio ao mundo da internet, o que se traduz em entrevistas intrigantes, onde as palavras são contrabalançadas pela capacidade do realizador em captar um misto de fascínio e inocência no rosto dos entrevistados. As suas estéticas contemplativas conseguem traduzir a poesia dos servidores interligados por cabos, nos padrões aleatórios de luzes a piscar com o tráfego binário, ou a inocência humana daqueles com que se cruza. Os seus documentários têm o seu quê de experiência zen.
É sintomática a forma como Herzog inicia Lo and Behold. Com acordes do início de Das Rheingold de Wagner em crescendo, simbolizando o conceito de fluxo, um dos grandes temas inerentes a este documentário, mostra Leonard Kleinrock a contar a história do IMP-1 e da primeira mensagem enviada pela internet. Esperava-se que seria log, de log in, mas o computador receptor no SRI crashou antes de receber a letra g. Nos registos ficou a primeira mensagem ficou registada como lo, que Kleinrock, com o ar deslumbrado de quem reflectiu muito sobre esse momento, refere como parte da expressão inglesa de surpresa lo and behold!, em prenúncio de todo um novo território a desbravar. Suspeito que se dissermos the imp messaged lo, as in lo, and behold, talvez a expressão mude de sentido.
Parte daí uma viagem documentada a diferentes vertentes deste mundo conectado que tanto fascina Herzog. Com a sua maliciosa inocência, tanto entrevista personalidades de charneira como Robert Khan (um dos criadores da arquitectura da internet), Ted Nelson (criador do conceito de hipertexto, nunca na sua opinião utilizado da forma que defende como a correcta), Lawrence Krauss, Sebastian Thrun, Kevin Mitnick ou Elon Musk, como cientistas, especialistas em cibersegurança, astrofísicos, famílias vítimas de bullying online ou os habitantes da zona protegida de radiações perto do rádiotelescópio de Green Bank, que encontram no isolamento radiológico necessário para a ciência a cura para a sua hipersensibilidade às ondas electromagnéticas das redes celulares e wifi. Da origem da internet à robótica e inteligência artificial, Herzog dá-nos o seu retrato deslumbrado do mundo em hoje vivemos. Um mundo em que monges budistas parecem meditar olhando para os estritos confins do ecrã do seu smartphone, onde as mudanças sociais e comportamentais possibilitadas pelo alastrar das tecnologias de comunicação nos surpreendem e chocam, embora como Lawrence Krauss observa ao extrapolar um futuro de isolamento humano no meio de redes, IA e robots, maybe for them, it will be good, ilustrando a forma como a percepção do que consideramos socialmente bom e aceitável muda com o passar do tempo.
Apesar do deslumbramento, a isenção de Herzog é admirável neste documentário. O fascínio é inerente à descoberta. Habituados como estamos a tecnologias que se banalizaram no nosso dia a dia e simplesmente funcionam, cuja infraestrutura nos passa despercebida, este olhar cheio de sense of wonder recupera o deslumbre pelo progresso tecnológico.