terça-feira, 19 de abril de 2016

Transgalactic: A Novel


James Gunn (2016). Transgalactic: A Novel. Nova Iorque: TOR.

É uma daquelas marcas de contemporaneidade, diria. Uma space opera passada no futuro profundo a meter-se com o muito cyberpunk tema das inteligências artificiais. Foi um rumo inesperado para a segunda parte de uma história que se iniciou com o classicismo de Transcendental.

O primeiro volume da nova série deste veterano da Ficção Científica distinguiu-se pela profundidade com que explorou o seu intrigante mundo ficcional. Utilizando o artifício Chaucer in Space, levou-nos aos vários mundos imaginados numa federação galáctica tolhida pela burocracia, através das histórias de vários peregrinos em busca de transcendência nos ermos entre os braços da galáxia. Uma transcendência bem real, alicerçada em artefactos deixados para trás por uma desconhecida e aparentemente extinta civilização avançada. Desaparecida, mas deixando como rasto os portões no espaço tempo que permitiram às civilizações que alcançaram as estrelas transpor as distâncias cósmicas. E deixou algo mais, um artefacto mítico, num planeta perdido, capaz de conferir transcendência a quem o utilizar. Tecno-mitos, tecno-religiões, périplos e as intricacias de uma sociedade interestelar que não vê os humanos com bons olhos, considerando-os demasiado disruptivos da estabilidade social, foram os ingredientes do primeiro livro do que suspeito vir a ser uma trilogia.

O segundo segue um outro caminho. Dois amantes, transcendidos, descobrem-se sós em planetas estranhos. Existe, de facto, uma máquina de transcendência, mas os esoterismos decaem quando nos é revelado que se trata de um teleportador, um engenho que destrói o utilizador na origem e o reconstitui no destino, eliminando imperfeições no processo de cópia. O livro segue o caminho pouco interessante do périplo de dois amantes separados que atravessam a galáxia para se reencontrar, apesar dos episódios da viagem terem a sua piada.

No entanto, há um ponto inesperado de interesse neste livro. Há medida que mergulhamos na viagem dos amantes, cada qual vindo do seu recanto, apercebemo-nos de algo transversal à história, um elemento conspiratório que define o mundo ficcional dos romances. Algo que tem tudo a ver com inteligência artificial, com os medos que a especulação sobre o seu potencial desperta. A estabilidade civilizacional, no livro, é atingida através da inteligência artificial e automação, que libertam os habitantes das sociedades planetárias no que de facto é um futuro pós-escassez. Planetas e civilizações são geridas por IAs interconectadas com uma entidade central, no centro de um governo que se intitula galáctico mas mal controla um dos braços mais pequenos da via láctea. Um governo fossilizado na burocracia, que obedece a um único ditame: estabilidade acima de tudo, a qualquer preço, mesmo que implique guerras ou extermínio de civilizações tidas como ameaçadoras à ordem estabelecida.

O que é que leva civilizações inteiras a refrear os seus impulsos naturais, quaisquer que eles sejam (e Gunn salienta bem o carácter alienígena da maior parte desses impulsos), em busca de uma inércia consensual? A resposta está na sentiência das Inteligências Artificiais que controlam os mais ínfimos detalhes da vida dos habitantes planetários, assegurando-lhes segurança e conforto. Entidades que, tendo sido programadas para assegurar o bem estar dos seres que tutelam, continuam a seguir esta programação à risca. Tão à risca que visam eliminar qualquer elemento que entendem como ameaça à ideia de uma estabilidade pura, segura, confortável. Algo, por exemplo, como a promessa transcendentalista deixada por artefactos de uma civilização esquecida.

James Gunn segue o caminho da FC tradicional, colocando a tónica num humanismo progressista assente na ciência, tecnologia e necessidade absoluta de explorar além das fronteiras do desconhecido. Forças vistas como estabilizadoras, consensuais, procuras de equilíbrio são consideradas danosas num panorama geral de progresso. É a herança directa do optimismo de Clarke ou do progressismo a qualquer custo de Asimov, actualizada com o ideário das sociedades pós-escassez e especulações sobre a natureza do ser em inteligências artificiais.