quarta-feira, 8 de julho de 2015
Red Storm Rising
Tom Clancy (1987). Red Storm Rising. Berkley.
Li de relance, em entrevista à WIRED, que este foi um dos livros que inspirou P.W. Singer sobre o recente Ghost Fleet, uma muito interessante especulação realista de uma guerra entre potências globais num futuro próximo. Livro muito interessante em pontos de vista especulativo e tecnológico, não muito em termos literários. A tradição de imaginar guerras futuras é centenária no domínio da ficção científica e especulativa. O que disitngue livros como Ghost Fleet ou este Red Storm Rising é basearem-se em premissas muito plausíveis, inerentes às situações geoestratégicas de momentos históricos bem definidos. Também se assinala uma certa tendência de visão de superioridade e resiliência americanas face a inimigos capazes de, numa primeira fase, os levar às cordas para que depois, com luta e esforço, sejam esmagados pelo engenho yankee. Coisas de uma ficção popular que conhece bem o seu mercado primordial.
Red Storm Rising é hoje um anacronismo, quase artefacto arqueológico sobre um tempo que já passou. O romance imagina o que aconteceria numa guerra convencional entre a União Soviética e o ocidente, baseando-se para isso nas tecnologias militares e visões estratégicas vigentes no final dos anos 80 do século XX. É uma especulação de futuro a curto prazo de um passado que já se esvaiu, hoje praticamente esquecido.
Como escritor pop especializado em thrillers, Clancy obriga-nos a seguir a acção imparável do livro. Os infodumps e especulações sobre geostratégia espicaçam a curiosidade (especialmente para leitores que, como eu, se pelam por este género de especulação) mas o romance lê-se como a crónica de uma guerra que nunca aconteceu. Os pontos de vista dispersam-se para que o leitor consiga perceber a vastidão de possibilidades e zonas de combate, focalizando-se no Atlântico Norte, Islândia e uma Alemanha que à data ainda se dividia em dois países.
O romancista é preciso nas suas descrições. A Islândia, ilha estratégica para controlo do oceano Atlântico, é tomada num raide arriscado por brigadas soviéticas. Aí, um punhado de sobreviventes corajosos com acesso a um rádio vai mantendo os comandos da NATO informados sobre a evolução da situação, permitindo aniquilar as forças aéreas que ameaçam os comboios navais. É na via naval que Clancy se detém com mais detalhe, com linhas narrativas que seguem as aventuras de submarinos de ataque e uma história muito longa e repetitiva sobre um comandante de fragata encarregue de proteger navios mercantes dos insidiosos submarinos soviéticos. Não é por acaso que este autor se tornou famoso pelas histórias claustrofóbicas em submarinos. Aqui usa e abusa disso.
Quanto aos combates de terra, Clancy traça um retrato de pura guerra de atrito na Alemanha, com as forças combinadas da NATO a tirar partido da sua superioridade tecnológica para desgastar e eventualmente travar uma fortíssima ofensiva soviética. Para manter o interesse o autor vai salpicando com operações decisivas de forças aéreas em arriscados combates e não esquece o potencial dos satélites e das armas concebidas para os destruir em órbita. Mas sem naves espaciais. O romance é de ficção especulativa, não científica. Os satélites russos são destruídos com mísseis lançados por caças em grande altitude.
Dos primeiros ataques fulminantes aos combates de atrito que alteram o rumo da guerra, somos levados a uma especulação plausível do que seria uma guerra entre a URSS e o ocidente sem recorrer a armas nucleares. Essa hipótese acaba por se colocar, no final do livro, quando os dirigentes soviéticos se apercebem que perderam a guerra, mas Clancy resolve esta linha narrativa terminal com um golpe palaciano que elimina a facção aguerrida do Politburo e põe fim a uma guerra indesejada. Quanto ao casus belli, é causado por um ataque de terroristas islâmicos num campo petrolífero russo que esvazia os depósitos soviéticos. Como dar a volta às reservas que se esgotam? Planeia-se invadir o médio oriente e, para isso, começa-se por neutralizar a NATO na Europa. Faz sentido. Certo, não, não faz nenhum sentido, mas é uma razão como qualquer outra para atear o rastilho de uma guerra ficcional. Quanto aos terroristas recordo que este livro data dos anos oitenta. Os mujahedins afegãos dos tempos da intervenção soviética no país foram os progenitores dos nossos contemporâneos Al Qaeda e Isis.
Seria o retrato traçado por Clancy neste livro plausível? Creio que é a pergunta que faremos, daqui a alguns anos, sobre Ghost Fleet. Hoje, guerra no Afeganistão tem um significado totalmente diferente, a Guerra Fria e a União Soviética são passado histórico, recordado com carinho pelos fãs da ostalgia ou por aqueles que perante o mundo contemporâneo fragmentado e multipolar suspiram pelos tempos em que a coisa global era mais simples. Quando os actores no palco global mudam, estas especulações ficam como nota de rodapé a histórias de um possível que não aconteceu.