segunda-feira, 4 de novembro de 2013
The Man in the Box
Na New Yorker desta semana a jornalista Jill Lepore dedica oito páginas àquela série televisiva que primeiro se estranha e depois se entranha. O foco está na evolução de uma personagem que irá comemorar no próximo dia vinte e três cinquenta anos a cativar audiências de gostos muito específicos. A jornalista olha com atenção para a origem da série e focaliza-se na energia que Steven Moffatt lhe tem dado, tentando traçar um curioso paralelo entre a evolução do inefável Doutor e a visão introspectiva de um Reino Unido cujo papel geoestratégico primordial entrou em erosão acelerada após o final da II Guerra. É um grande salto conceptual ver reflexos de decadência imperial, medos da guerra fria e saudosismo imperialista nas aventuras bizarras de uma personagem excêntrica que atravessa os tempos a lutar contra alguns dos mais extravagantes alienígenas ficcionais. Mas a visão do poderoso Doutor como irremediavelmente impotente é interessante. Observar de que apesar de todas as suas lutas contra as mais inverosímeis ameaças o senhor do tempo é impotente para lutar contra as reais atrocidades históricas é muito pertinente, algo que a mitologia da série resolve com o artifício dos pontos fixos no fluxo temporal.
O perfil de Moffatt como fanboy e idealizador contemporâneo da série é traçado com um olhar crítico a alguns dos mais icónicos episódios, dos quais se destaca o brilhante Blink. A convoluta complexidade de uma história que saltita entre tempos cronológicos na luta contra arrepiantes estátuas devoradoras de tempo é talvez um dos mais brilhantes momentos da série. Ficamos a conhecer uma das coreógrafas que anima alguns dos bizarros alienígenas que enfrentam o Doutor mas não é fã de Daleks. E, claro, Daleks. Como não adorar o cruzamento entre chaleiras, desentupidores e batedeiras que é apresentado como uma amálgama mecânica de carne e robótica sobrevivente a um apocalipse nuclear? Só grito exterminate na marcante fabulosa voz modulada é suficiente para despertar a atenção. Curiosamente, foi essa sonoridade o que me levou a ver um episódio da série até ao fim e a ganhar gosto pelas aventuras do Doutor sem nome.
Doctor Who é um daqueles estranhos artefactos culturais. Ficção científica descomplexada, caracteriza-se pela leveza da abordagem e entretenimento puro de cada episódio. Não é FC séria, brinca despudoradamente com os conceitos mais hard da hard sf mas cativa. É leve mas ao mesmo tempo complexo, com grandes linhas narrativas que se vão construindo a partir de pequenos detalhes em episódios individuais. É uma série para toda a família que conseguiu a proeza de atrair uma audiência de culto. O carácter hiperbólico das actuações, nalguns casos a roçar a histeria, é outro dos detalhes que contra todas as expectativas cativa. Sublinha a excentricidade de uma série quintessencialmente britânica. Este whoviano confesso já sabe o que vai fazer no dia 23 de novembro. Certamente que não estarei sozinho.
(Infelizmente o artigo completo está por detrás da paywall da revista. Mas francamente. Precisam de uma sonic screwdiver para dar a volta à coisa?)