sexta-feira, 1 de novembro de 2013
Gun Machine
Warren Ellis (2013). Gun Machine. Nova Iorque: Mullholland Books.
Por muito que admire, aliás, venere Warren Ellis, admito que este brilhante argumentista e guru do futurismo não é grande romancista. Já o tinha notado em Crooked Little Vein e nota-se profundamente neste Gun Machine. Não que a sua prosa seja desinteressante ou as ideias banalizadas. Estamos a falar de Ellis, por isso preparem-se para uma avalanche narrativa de ideias poderosas que mexem com a mente como só este autor consegue. Penso que a questão reside mais na evidente superficialidade com que Ellis desenvolve os seus personagens, quase caricatura exagerada que extrapola algum pormenor obsessivo da personalidade humana e resume os resume a uma única dimensão de personalidade. É um artifício que funciona lindamente nos comics, sendo uma das imagens de marca do autor. Infelizmente, dentro da tradição romancista esta falta de personalidade retira espaço à narrativa e reduz o foco do livro.
Lendo Gun Machine fiquei com a sensação que as personagens pouco interessam, são meros peões num jogo mortal que é pouco mais do que uma desculpa narrativa para o contar da verdadeira história. A cidade é o personagem mais bem desenvolvido do livro, com cada episódio de aventura partilhado pelos personagens a revelar uma nova faceta. Ellis vê a cidade como uma acumulação sedimentar de tempos históricos por onde se move a hipermoderna infraestrutura da era digital. Não por acaso a história segue os trâmites previsíveis da história policial procedimental, permitindo que a cada passo nos seja revelado mais sobre a ideia de espaço urbano em colisão com a tecnologia.
Esta assimetria está patente no mote da narrativa. Ao investigar uma chamada de rotina o parceiro de um discreto detective é abatido por um assassino profissional. Ao investigar a ocorrência depara-se com um apartamento cheio de armas únicas, todas traçáveis a assassinatos específicos. O detective apercebe-se que a disposição das armas representa uma forma de codificação de informação, meticulosamente criada por um assassino que vê e vive na cidade em que habita não como uma selva de betão mas como as florestas primevas dos tempos pré-coloniais. Leitor voraz, o detective apercebe-se desta ligação de colisão histórica na atemporalidade urbana. Com o auxílio de dedicados e autistas cientistas forenses consegue capturar o assassino, e no caminho desmascarar uma conspiração onde seguranças privados, responsáveis policiais e financeiros se uniram para controlar a médio prazo os destinos da cidade.
Ellis mantém a estrutura ao nível do rotineiro policial procedimental televisivo, replicando-a até naquele ponto em que a acção dá um sacão e todo o mistério que se foi acumulando é resolvido num ápice. É esse o embrulho colorido que oculta uma reflexão profunda sobre a nossa relação com os espaços urbanos, o seu tempo próprio e as forças que apoiadas em conjugação até há pouco impensáveis de tecnologias e procedimentos modelam o mundo que nos rodeia. Por detrás de uma boa história policial Ellis dá-nos uma lição de hipermodernidade galopante onde o inverosímil é na verdade tecnologia bleeding edge. Como Charles Stross, Warren Ellis é um daqueles autores dotados da capacidade de transmitir as ideias radicais que estão a metamorfosear a nossa sociedade ao grande público através de histórias empolgantes.