segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Leituras

The Horror, the Horror: Que horror, o Terror. Parece que afinal essa coisa das histórias de fantasmas e criaturas ocultas nas sombras tem um longo historial que se estende na longa tradição literária europeia e explode na era da razão, onde a substituição da crença no sobrenatural pela racionalidade libertou os escritores para jogar com os elementos iconográficos do género. E, credo!, parece que atraiu mais do que os escritores esquisitóides do costume e até tem uma coisinha ou duas para nos ensinar sobre o espírito humano. Para além de ser um mimo à imaginação. Esta crítica ao novo livro de S. T. Joshi, o académico reconhecido pela sua vasta obra à volta de Lovecraft, lê-se como um menu saboroso de autores a descobrir ou redescobrir.

The Future (According to Corporations): Fiquei fixado na expressão flatpack futures, que descreve na perfeição as visões limpas e higiénicas de um amigável futuro, dádiva dos esforços técnicos da corporação transnacional que apesar da solidez e cultura conservadora não tem medo de se envolver com tecnologias bleeding edge. São visões de limpeza cirúrgica, onde utilizadores quase feudalizados movem-se facilmente por entre ambientes tecnológicos imersivos criados em  laboratórios de R&D devidamente marcados com logotipos de grandes corporações. Como o artigo mostra, são visões que não requerem grande imaginação, sentido crítico ou capacidade de conceber futuros e que reflectem visões destiladas pelos departamentos de marketing. Da minha experiência, são extremamente eficientes. Quando mostro aos alunos visões de futuro, por interessantes que achem visões as mais saibrosas, ficam sempre transfixados nestas design fictions. Deixa-me sempre assustado, particularmente depois de ler que estas visões  can have a sedating effect, (...) relieve you of your responsibility to think about how the new technologies should be used. Subjacente está uma mensagem de deixemos os gurus do departamento de marketing pensarem como utilizar a tecnologia e não cansemos os nossos preciosos neurónios.

Space oddity: a glossary of science fiction. Or sci-fi. Or whatever it's called: Damien Walters a tentar pôr ordem na nomenclatura e acrónimos que designam os géneros e sub-géneros de ficção científica. E a falhar, sem grande surpresa. A selva de acrónimos, géneros e sub-géneros é vasta e confunde os melhores. A explosão criativa neste domínio torna difícil montar um cercado dentro do qual se possam distinguir claramente as vertentes. Por abrangente que seja, há sempre alguns que se extraviam. Sobre a validade da questão das ficções de género destaco a visão coerente do Viagem a Andrómeda. Pessoalmente, faz-me jeito poder, como se dizia, chamar os bois pelos nomes com uma nomenclatura que distinga géneros e vertentes da ficção científica e fantástico. Ajuda a orientar na vastidão de possibilidades da especulação ficcional, mas há que manter em mente que a ficção científica partilha com os gatos a impossibilidade de viver em rebanho.

Students gleefully teach admins that mobile device management is hard: Esta lê-se como umas páginas do Little Brother do Doctorow. Técnicos que ficam chocados depois de verem os ipads bonitinhos que com tanto esforço rolaram de forma segura, prevenindo todos os imponderáves, a ser hackados e apropriados pelos alunos? O que me surpreende é que tenham ficado surpreendidos. Introduzir tecnologia em ambientes educativos segundo pressupostos meramente administrativos geralmente dá em desastre (por cá corrigido ou equilibrado pelo sobrecarregado grupo de professores que acumula a gestão de sistemas com tarefas lectivas). Perguntas incómodas: achavam mesmo que os alunos não iam tentar modificar nada? Se sim, ou são admins muito crédulos, inflexíveis ou incapazes de compreender a capacidade e curiosidade natural das crianças. Se o objectivo era o de disponibilizar equipamentos aos alunos, porque não envolvê-los no processo em vez de lhes dar para as mãos dispositivos com uma lista do que se pode ou não fazer? Dica sobre psicologia adolescente, e não só: o não é um convite à acção. Pessoalmente, neste tipo de projectos penso que as melhores estratégias são as que mantém os equipamentos na escola como propriedade comum ou o BYOD. Ambras trazem os seus problemas de gestão administrativa e hardware. O BYOD (bring your own device) parece-me nisto a mais prometedora, porque mantém o equipamento como algo de individual e possibilita a integração num espaço pedagógico comum. E, essencialmente, preserva a liberdade. Costumo prestar atenção as estas experiências americanas de introdução de tecnologia na escola, geralmente na revista Tech & Learning (que se lê como um catálogo corporativo de venda de dispositivos tecnológicos, mas enfim, isso seriam outras conversas). Algo que observo é a ausência de liberdade de escolhas nestas iniciativas, que recorrem sempre à uniformização e imposição de um padrão de uso assumido como respeitável. São formas de intervir agradáveis às administrações escolares, mas que esquecem que, como William Gibson acertou, the street finds its own uses para a tecnologia. Fechar, proibir e limitar normalmente é contraproducente.

domingo, 29 de setembro de 2013

Oráculo


Poderia centrar esta reflexão em diversos aspectos que vão da museologia à pedagogia, mas honestamente não estou com muita vontade de o fazer. Isso é o que está na mente de todos, e a presença neste encontro despertou outros impulsos neuronais. Prefiro centrar-me em algo que ouvi de passagem nas discussões de final de painel.

Alguém observou que “temos muita dificuldade em conceber o futuro”, em particular nos dias que correm. Levantei o nariz do tablet (lamento, mas o cérebro é multitarefas e estar concentrado numa coisa de cada vez é tão à século XX) e apeteceu-me dizer que não, não é nada difícil, leiam alguma ficção científica que isso passa. Contive-me a tempo, porque usar esta expressão no meio de distintos docentes normalmente granjeia-me olhares de condescendência hostil que traduz a intensa inveja que os fãs de géneros mais sérios têm dos nossos jetpacks. Há um método para esta loucura. A FC é vendida aos desconhecedores com uma poderosa força oracular mas tudo o que realmente faz é extrapolar a contemporaneidade em gedankenexperiments que sublinham o que pode correr mal nas tendências tecnológicas e culturais do momento. Imagina-se o futuro para melhor compreender o presente. Posso sorrir com a inventividade maquiavélica do conto O Teste de João Barreiros, escrito há mais de vinte anos, mas fico com a sensação arrepiante que no corrente neoliberalismo selvático cratista este futuro imaginário tem o seu quê de possível num sistema de ensino a duas vias, de qualidade privatizada para minorias afluentes e massificado à exaustão para o lúmpen matéria-prima da nova ordem global. Note-se que a perplexidade e revolta com este caminho para o qual nos empurram esteve patente em boa parte dos momentos do encontro. Depois pego neste Zero Hours, que curiosamente me chegou às mãos durante o encontro (sim, outra vez aquela coisa do multitarefas), e penso que sublime crítica é à hiperflexibilização laboral. Experiências de pensamento, que levam ao extremo as linhas-guias do momento contemporâneo e nos ajudam a tomar consciência de para onde realmente estamos a ir.

Depois desce-se um andar e mergulha-se num museu que visto pelos percursos previstos é um acervo cronológico que fala da história das comunicações em Portugal. Visto pelo olhar paralelo do fanboy de literaturas de género é um intrigante depósito com elevada densidade de dead media por metro quadrado, despertador de sonhos cyberpunk com os sonhos digitais arcaicos de entranhas impressas a silicone. Quando o cobre substitui o circuito integrado e a válvula o chip em engenhos envoltos em madeira os sonhos tornam-se electropunk e Tesla diviniza-se em realidades alternativas onde o mecanicismo a vapor domina. Onde quero chegar com isto? Posso ver o museu com o olhar pedagógico previsto nos itinerários, ou posso deixar a imaginação em dérive. Derivando encontro outros sentidos que obrigam a reflectir sobre o que está à vista mas não se limitam ao previsível. Afinal, conceber futuros é fácil. Difícil é construí-los.

Não por acaso, ou talvez por isso, ou como diria Jung, inconsciente colectivo, ao lado do Museu das Comunicações decorria um encontro de fãs de Anime. Vestidos a rigor em cosplay dos seus personagens favoritos, mergulhando e partilhando os seus universos de fantasia que para serem compreendidos obrigam à leitura em diversas línguas e alguma proficiência técnica. Eles concebem, desenham e montam futuros. A divergência de interesses com o encontro de professores parece abismal mas é fundamentalmente similar: partilha de experiências e alargar do conhecimento do mundo. As mutações conceptuais geracionais são uma característica evolucionária mas a disseminação de experiências é uma necessidade constante. Conceber o futuro requer conhecer o passado para compreender o presente. E chega, que está na hora de embarcar no foguetão com destino a Alfa Centauro.

(A culpa foi do Encontr@rte.)

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Comics


Criminal Macabre The Eyes Of Frankenstein #01: É habitualmente interessante esta série de fantasia urbana noir de Steve Niles. Protagonizada por Cal McDonald, um detective privado com demasiadas ligações ao submundo oculto e com a sua sorte acaba promovido à condição de morto-vivo, Criminal Macabre mistura elementos do policial com horror. Desta vez o detective regressa em modo de missão humanitária, ajudando o monstro de Frankenstein a recuperar a visão. Suspeito que a páginas tantas a missão implique algum arrancar de olhos a uma qualquer incauta criatura para substituir os orgãos falhados do monstro. Mas há outros perigos à espreita, com um parto maldito e a eterna guerra entre mortos-vivos e vampiros.


East of West #06: O que é que faltava no historicamente alternativo western futurista distópico com três cavaleiros do apocalipse às turras com o quarto na américa alternativa? Juízes capazes de dispensar justiça instantânea. Ou colocando a questão noutro ponto de vista: para expandir o universo de East of West Hickman homenageia o clássico Judge Dredd com juízes justiceiros texanos.


Jupiter's Legacy #03: O fascismo inerente à ideia de seres super-poderosos que se escondem atrás de máscaras e justiceiros especialistas em punir o mundo com as suas ideias de justiça é  posto a nu por Mark Millar neste Jupiter's Legacy. A arte quase inocente de Frank Quitely mal disfarça a violência conceptual de um argumento centrado na tomada do poder global por um grupo de heróis convencido da certeza das suas soluções para os problemas humanos, independentemente da opinião do resto da humanidade. Millar não é primeiro a sublinhar este lado totalitário do género mas é curioso como o faz dentro do registo de inocência colorida do género. O argumento tenebroso contrasta com as cores vivas e brilhantes da página. E honestamente, pensem um pouco. Se o Superhomem ou qualquer outro ser poderoso das vinhetas existisse realmente, acham mesmo que se contentaria em perder tempo nos ciclos de eternos combates contra vilões e não se lembraria de impor uma solução mais duradoura?


The Mysterious Strangers #04: Decididamente Chris Roberson tem uma costela retro. Já se tinha notado no interessantíssimo iZombie, e está à solta neste Mysterious Strangers que emula aquelas séries televisivas de aventuras misteriosas dos anos 60 e 70 que agora está na moda recriar. Começa logo nas primeiras páginas, sempre com uma introdução cinemática ao estilo televisivo, e mantém no fortíssimo tom retro que marca a ilustração. Ter uma história em que uma banda de rock chamada The Scarabs entra numa fase psicadélica e invoca criaturas do além-espaço travadas à última hora por canções pop ajuda a marcar o tom. É visível uma bem humorada homenagem aos Beatles.


Clive Barker's Next Testament #04: Com doze floppys para ocupar, Barker está a desenvolver as nefandas aventuras do demiurgo Wick muito lentamente. Lento, mas não entediante. É uma construção paciente que tijolo a tijolo nos leva em passos decisivos em direcção à derrocada. A cada edição o caprichoso Wick lembra-se de mais uma atrocidade para atormentar o gado humano, e sempre em espiral de violência. Das atrocidades locais escala à alteração das leis da física que permitem o voo de objectos mais pesados que o ar, e tudo o que voa cai. Para manter a humanidade assustada reescreve outra lei física e o espectro electromagnético fica suspenso, e ninguém comunica. A seguir? Tornar o planeta mais aprazível com o abate da espécie humana. É bom ler Barker, e melhor ainda num comic original que não é mais uma repetição do eterno Hellraiser.

(Nota: floppy, descobri recentemente, designa o comic editado regularmente em revista. Coisas que aprendo com o mooc Comic Books and Graphic Novels do Coursera/Universidade do Colorado.)

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Ficções

Zero Hours: Criada como antevisão preditiva para visões de futuros londrinos, esta história de Tim Maughan extrapola a corrente tendência de precarização extrema nas relações laborais num futuro próximo. Trabalhadores competem em mercados online para contratos de tempo reduzido. O que se oferecer para trabalhar por menos, ganha o contrato. No final da tarefa, magra recompensa pelos trocos recebidos, acumula pontos que permitem desbloquear emblemas de realização de trabalhos que poderão dar acesso a melhores leilões de contratos. Gamification e precariedade laboral com a tecnologia digital a desempenhar um papel decisivo na flexibilização numa futura sociedade onde todos estão à venda em troca de migalhas são os grandes temas deste conto. O lado preditivo da FC não é um oráculo de futuros mas uma extrapolação extrema de tendências contemporâneas que nos ajuda a perceber o que pode correr mal em vertentes éticas, sociais, técnicas ou económicas. Em poucas páginas Maughan leva ao extremo as práticas hoje já existentes de hiperflexibilização e mostra-nos um retorno às condições sociais vitorianas com tablets e acesso ubíquo à internet. Curiosamente, anda por aí um reality show sobre camionistas que é muito similar: as equipes de filmagem acompanham as aventuras de camionistas que vencem licitações online de transporte ao mais baixo custo. E isto, senhores, é o sonho molhado dos neoliberais.

Equoid: Quando não anda a escrever space operas anti-austeritárias ou futuros próximos onde o virtual e o real colidem, Charles Stross entretém-se a colidir arcanas criaturas monstruosas do além com a árida burocracia de uma agência secreta encarregue de defender o reino unido de ameaças paranormais, cuja designação é carinhosamente traduzível como serviço de lavandaria. Sublinhando as intricacias labirínticas inerentes às burocracias que atormentam um especialista em demonologia computacional nos seus recontros com criaturas do além. Stross, desta vez em modo de conto, diverte-se a desmontar o mito dos unicórnios com uma visão lovecraftiana de monstros gastrópodes que se propagam mimetizando simpáticos cavalinhos com a fálica concha na testa e especialistas em atrair criaturas humanas ou não para devorar e ganhar energia para o processo de gestação. Um perspicaz veterinário de província detecta um surto num estábulo que alberga cavalos geneticamente modificados da polícia e pede ajuda aos serviços, que enviam o desafortunado demonólogo armado com um dossier repleto de cartas de Lovecraft onde este descreve os horrores arcanos dos monstruosos unicórnios. Uma dose curta da bem humorada ficção de horror com toque lovecraftiano, servida com doses saborosas daquele tipo de sarcasmo que Stross tão bem escreve.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

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Dose diária


A Bang! está em força neste Setembro. Depois da primeira edição brasileira, inaugura agora um website que dará maior visibilidade aos conteúdos da revista. Artigos interessantes e um design limpo e funcional, com o simpático bónus de ter RSS, facilitando a leitura regular para os fanáticos de leituras em feeds (hiper-útil para quem acompanha muitos tópicos num número por vezes demasiado grande de sites). Já está adicionado ao meu Feedly.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

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Leituras

Why Today's Inventors Need to Read More Science Fiction: Curiosamente, no dia em que saiu este artigo estava num encontro/congresso de professores onde ouvi alguém dizer que temos muita dificuldade em imaginar e conceber o futuro. Leiam ficção científica, apeteceu-me dizer, mas já sei que neste tipo de círculos a simples referência ao género desperta olhares de condescendência hostil. Já no MIT ler FC é muito recomendado. Não para prever futuros ou brincar aos cowboys no espaço com rayguns a brilhar mas para estimular a criatividade na engenharia fugindo à armadilha do espelho retrovisor. A defesa deste curso começa com o habitual argumento do carácter preditivo do género, a mais banalizada das formas de vender FC aos desconhecedores. Mas melhora. Quando os investigadores falam da influência das suas leituras favoritas no trabalho que desenvolviam sublinham algo de muito importante. As ideias futuristas por si são, no seu melhor, experiências mentais que extrapolam futuros baseados nos presentes contemporâneos dos autores. No seu pior ou mais escapista ou meramente divertido são apropriações da iconografia por outros géneros, trocando-se a capa e espada pela raygun ou sabre de luz, a caravela pela nave espacial ou o oeste dos pioneiros pela vastidão galáctica. A FC é relevante pelas questões que levanta sobre a nossa relação simbiótica com a tecnologia e pelas hibridizações que inspira. Isso é particularmente patente nas palavras de um dos investigadores ao descrever o momento em que se apercebeu que o seu trabalho no domínio da realidade virtual tinha uma ligação directa com Bradbury e Stephenson, apesar de não estar a tentar replicar com tecnologia os sonhos imersivos de The Veldt ou Snowcrash. Imaginando possibilidades, a FC ajuda os criadores a desenvolver novas possibilidades. Entretanto o currículo do curso está online e as leituras onde se baseia fazem-no parece o clube literário de sonho dos mais eruditos fãs de FC.

Mind Technology: Steve Wheeler a roçar o transhumanismo enquanto explora a difusa mas decisiva influência que as tecnologias digitais estão a ter nos nossos processos de pensamento. Misto de argumento McLuanista com as ideias de Howard Rheingold, reforça o papel do digital enquanto tecnologias cognitivas, que não só nos permitem aceder a vastas quantidades de informação mas que ao fazê-lo modificam formas de pensar.

The Internet Of Things Might Try To Kill You: Se pode ser concebido, desenhado e construído pode ser hackado e utilizado para fins muito díspares dos originais. É esta a reflexão em forma de aviso deste artigo, bom contraponto aos deslumbramentos com os milagres das novidades tecnológicas. Se alguém concebe um novo serviço ou tecnologia outros depressa encontram forma de a tornear para os seus objectivos. Sejam estes cibercriminosos, terroristas ou operativos de estados-nação. A NSA é talvez o melhor exemplo contemporâneo de deturpação tecnológica em nome de interesses obscuros. Enquanto confiamos cada vez mais do nosso dia a dia à automação e sistemas digitais, convém reflectir sobre o que pode correr mal.

Sexting, Shame and Suicide: Artigo arrepiante que traz à mente as palavras de Virilio sobre cada nova tecnologia trazer consigo uma nova catástrofe potencial. Neste caso, observam-se casos limites de comportamentos de risco nos adolescentes agravados pela facilidade de exposição trazida por tecnologias de difusão de informação. Utilizadas sem consciência das consequências dos actos por adolescentes emocionalmente incapazes de gerir a potência das bombas atómicas digitais que têm em mãos.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

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Comics: Fagin The Jew; Citizen Rex.


Will Eisner (2003). Fagin The Jew. Nova Iorque: Doubleday.

Desgostoso com a abundância de estereótipos raciais nos comics (aos quais a sua própria obra não é estranha) Will Eisner revisita a mais clássica das obras de Dickens sob o ponto de vista de um dos seus mais tenebrosos personagens. É um curioso virar do jogo. Eisner aplica a técnica usada por Dickens para sublinhas as extremas injustiças sociais da Inglaterra do século XIX com o propósito de demonstrar o o anti-semitismo como racismo absurdo. No caminho resume muito bem o clássico Oliver Twist, agora narrado pela voz de Fagin que nos mostra como se tornou criminoso graças a combinações similares das injustiças que se abateram sob o jovem Oliver, agravados pelo racismo prevalente sobre a condição judaica.

Para além destas mensagens que ainda hoje não estão de todo desactualizadas, este livro dá-nos o esplendor do traço único deste ilustrador na sua fase madura de grande mestre dos comics. Eisner homenageia as suas raízes enquanto aponta o dedo contra esterótipos na cultura popular aos quais ele próprio, por força da profissão, não era avesso. Note-se que o grande mestre que nos legou esta e outras tão grandes e belas obras de banda desenhada também imortalizou iconografia racial no caricatural companheiro negro de Spirit. Eram outros tempos, e outras as pressões editoriais para conformar ao gosto dos públicos.


Mario Hernández, Gilbert Hernández (2011). Citizen Rex. Milwaukie: Dark Horse.

Sempre tive um problema com os irmãos Hernández. Se lhes admiro a escolha de temáticas e curiosa mistura de soap opera com ficção científica, o traço cru de estilo quase adolescente repele-me. Este Citizen Rex não é excepção. Compreendo a profunda homenagem à FC clássica que encantou infâncias nesta história de robots inteligentes, crimes tecnológicos e urbanismos futuros. Mas a desconexão entre um estilo narrativo arrítmico e entrecortado com a extrema simplicidade do grafismo a preto e branco torna este um livro confuso e dissonante. A iconografia bate certo com a narrativa mas o estilismo não. Sempre tive a sensação que o estilo gráfico dos Hernández congelou ali na altura dos seus dezassete anos, que foi a altura em que eu os descobri e me encantaram, inicialmente. No caso deste livro é uma pena. A história sobre uma futura conspiração onde um robot autónomo é reactivado por um grupo de criminosos e industriais de intenções nefandas é uma belíssima brincadeira com os lugares comuns da FC. Mas aqueles desenhos, aqueles desenhos...

domingo, 22 de setembro de 2013

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3D Alpha 2013

Com o arranque do novo ano lectivo o 3D Alpha prepara-se para recomeçar as actividades de exploração criativa das tecnologias digitais. Este ano, para além do habitual foco na criação em multimédia e 3D, esperamos conseguir trabalhar com realidade aumentada e Scratch. Na realidade aumentada o desafio é o criar um percurso narrativo que misture espaços reais e elementos 3D. Resta saber se o conseguimos atingir, mas o processo de exploração promete. Trocamos o Augment pelo Aurasma, que promete facilitar o trabalho de geolocalização. Quanto ao Scratch, é uma extensão lógica para um projecto que nasceu em Educação Visual e Tecnológica, teve fases interdisciplinares e agora estrutura abordagens à disciplina de TIC. Apesar do foco intenso no 3D, o principal objectivo é o de mostrar às crianças e jovens ferramentas avançadas e dar-lhes espaço para descoberta e criação de acordo com os interesses individuais. O potencial do Scratch é reconhecido e, no nosso caso específico, algo a incluir numa sequência de aprendizagens que se envolve dois anos curriculares permitindo alargar a panóplia de experiências dos alunos. Não faria sentido repetir técnicas e aplicações.

Se bem que muitos, ao regressarem, perguntaram logo se podiam continuar a usar o minecraft, a continuar projectos no Sketchup ("professor, eu durante as férias estive a expandir o meu trabalho, posso usá-lo como projecto final?") ou perguntaram se poderiam experimentar outras aplicações. Um chegou a sugerir o Endorphin. A ver vamos. A metodologia continua a mesma. Experimentar, criar e depois pegar no que se descobriu para produzir um produto multimédia final num qualquer suporte/tecnologia à escolha do aluno. Antes de mais, importa que cada um descubra qual o seu interesse individual, qual a vertente preferida, da vasta panóplia de ferramentas digitais quais as que lhe são mais significativas.


A boa notícia é a aceitação de apresentação deste projecto na sexta International Conference of Education, Research and Innovation. Mostra que o projecto tem pés para andar e sublinha que não seria possível sem o entusiasmo e criatividade dos alunos. Neste tempos difíceis que atravessamos, estas pequenas vitórias dão-nos ânimo para não desistir. Enquanto os novos projectos não começam a chegar à web, podem ir visitando o 3D Alpha para ver o que a combinação entre tecnologia digital e criatividade juvenil pode gerar.

sábado, 21 de setembro de 2013

Santa Trindade








Em modo dérive no Museu das Comunicações, um espaço onde a densidade de dead media por metro quadrado é avassaladora. No meio dos dispositivos obsoletos de comunicação, computadores arcaicos, câmaras e gravadores, brilham as placas de microchips das estações de comutação, ponteiros paralisados apontam fixamente para valores em mostradores, intricados mecanismos seguram fitas que já não correm pelas bobines, e os dínamos acompanham intocados tubos de crookes. No meio de tanto latão polido e silicone apetece gritar louvores à santa trindade de Tesla, Marconi e Shockley. Os objectos em exposição libertam o cyberpunk e o electropunk dentro de nós. Note-se que a excitação com as ideias de tecnologia não são coisa nova. Os delírios com mecanismos a vapor do steampunk e a mesclagem homem-computador onde o virtual mergulha do real do cyberpunk espelham o entusiasmo dos futuristas com o automóvel, a aeronave e a velocidade. Cada nova geração encontra a sua forma de apregoar o amor à máquina.

(A visita fez parte do Encontr@rte 2013, ponto de encontro de ideias optimistas sobre cultura e educação.)

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sexta-feira, 20 de setembro de 2013

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À deriva no Encontr@rte, Fundação Portuguesa das Comunicações/Museu da Comunicação.

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Comics


2000 AD #1850: Numa publicação com um historial tão longo como esta há sempre altos e baixos. As edições mais recentes pareciam particularmente em baixo de forma, com linhas narrativas pouco interessantes e ilustração desinspirada. Nem Dredd, pedra basilar da revista, se safava. Nem sequer o popular Slaine, o bárbaro escocês com problemas de género que apesar da ironia de Pat Mills nunca me cativou. Sword and Sorcery raramente despertam alertas no meu radar. A última edição sofreu uma limpeza geral, notando-se perfeitamente que a conclusão dos diferentes arcos narrativos que compunham a revista foi apressada para dar lugar a algo de novo. E parece ter funcionado. Esta renovação traz-nos Dredd com uma nova e sólida aventura com candidatos a juízes (porque, enfim, 2000 AD sem Dredd é impensável), Damnation Station se não convence pela história deslumbra pela ilustração (saiu de lá a imagem). E... para terminar em beleza, a despertar um sorriso aos fãs das ficções a vapor, o clockpunk de Ian Edginton e INJ Culbard. Brass Sun está de regresso, levando-nos de volta aos mundos que compõem o gigantesco planetário mecânico deste mundo ficcional.


Batman #23.3: Depois do inevitável crossover de verão, a DC deu descanso aos artistas e argumentistas do alinhamento principal e brindou-nos com um mês dedicado aos vilões. Os heróis andam misteriosamente desaparecidos e o seu lugar foi tomado pelos super-vilões. Ou não muito misteriosamente, se leram o crossover Trinity War. Eu não li. A minha paciência para ler estes arcos narrativos enredados ao longo de todo o universo para vender mais comics já se esgotou nos tempos do Invasion. Sim, há assim tanto tempo. É só um mês, e a seguir volta tudo ao normal, se bem que com DiDio aos comandos "normal" é metáfora simpática para desastre. Apesar das tropelias que o universo DC anda a sofrer, este Batman, digo, Penguin está muito bem escrito. O argumentista não se restringe para traçar um retrato do personagem como amante implacável da violência e a ilustração segue à risca o ambiente narrativo com um curioso toque realista aplicado ao Pinguim, que de vilão caricatural se torna num seboso gorducho baixinho com nariz ponteagudo e um apetite insaciável por poder.


Justice League #23.3: Na mesma sequência a Liga da Justiça é substituída por uma história muito insana de China Miéville, que leva a sua revisão surreal de Dial H para as páginas de uma das âncoras da DC. Desta vez o mostrador está preso no E, o que significa que o discar dá origem a um novo e bizarro vilão. Nestas histórias disca-se muitas vezes. A sublinhar a surrealidade de Miéville está a ilustração, em que a cada prancha corresponde um diferente ilustrador. Esta edição da Justice League vai ficar para a história dos comics como objecto de colecção.


Kiss Me Satan #01: Porque há mais vida para além de B.P.R.D. e das milhentas séries Star Wars, a Dark Horse lança uma nova mini-série que mistura as premissas mais batidas do terror na cultura popular contemporânea: demónios, vampiros, lobisomens, anjos e bruxas. Todos à solta na cidade de Nova Orleães, só para sublinhar a iconografia de horror. Parece-me que os vampiros não brilham nem no escuro nem ao sol, o que à partida é um ponto positivo. A história toca no também batido ambiente grimdark, desta vez com um anjo caído arrependido que anda em fuga de esquadrões de demónios assassinos enquanto aceita missões vindas da divindade para ganhar o perdão. Nesta missão tem de proteger bruxas videntes de bandos de lobisomens criminosos que as querem estraçalhar para proteger o segredo do macho-alfa, ou lobisomem-alfa. Entendem-me, certo? O líder da matilha. Nada de inesperado ou particularmente criativo, mas no entanto esta primeira edição manteve o interesse do princípio ao fim. A escrita é sólida e bem ritmada com ilustração realista a dar bom acompanhamento. Contra as previsões, esta série parece promissora. Assume-se como um baralhar e voltar a dar das premissas mais banalizadas do terror, mas está a fazê-lo muito bem.


Numbercruncher #03: Eis deus, ou como Si Spurrier o caracteriza, o contabilista mor da grande repartição celestial. A história aproxima-se do seu final, mas continua imprevisível. A caça ao matemático capaz de enganar as regras do jogo das almas tornou-se um suplício repetitivo, mas o nosso pouco simpático agente celestial começa a perceber que a sua presa vai criando pequenas alterações no real a cada nova encarnação. Parecem pequenas, gestos mínimos, mas alterações diminutas em grandes equações podem gerar resultados imprevisíveis. Suspeito que a conclusão de Numbercruncher irá ser daquelas que provoca curtos-circuitos neuronais.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Electric Warrior


Este é um comic bizarro, mesmo pelos padrões da indústria nos anos 80 do século XX. Escrito por Doug Moench e ilustrado por Jim Baikie, Electric Warrior é um elemento esquecido da invasão britânica na DC que mudou radicalmente o panorama conceptual do género. Ao contrário do Swampthing de Moore ou do Sandman de Gaiman, esta série acabou num esquecimento imerecido. Publicada pela DC, não chegou ao estatuto de prestígio da Vertigo nem tinha elementos capazes de ser inseridos na continuidade clássica da editora. Depois de se ler as aventuras do guerreiro eléctrico fica-se a perceber que este não tem lugar num panteão que inclui alienígenas com poderes conferidos pelos fotões solares ou cavaleiros das trevas. Apesar de ter uma intuição que um cruzamento entre Electric Warrior e Lobo seria intrigante.


A ficção científica e os primórdios da era digital influenciam a estética deste comic. O traço por vezes rude de Jim Baikie tenta recriar visões mecanicistas onde se cruza a iconografia industrial modernista, patente nas vastas cidades que remetem para a Metropolis de Lang, com o psicadelismo da na altura incipiente estética cibernética. Baikie não é muito bem servido pelo estilo gráfico dos comics. O seu estilo de futurismo expressivo que ajudou Skizz a tornar-se numa das grandes histórias de Alan Moore para a 2000 AD fica neste Electric Warrior totalmente esmagado pelas cores fortes.


Já Doug Moench esforça-se no argumento por trocar constantemente as voltas ao leitor. A série começa por nos mostrar um mundo futuro onde nas grandes cidades os privilegiados vivem no topo, enquanto a estratificação social se vai reflectindo até às ruas habitadas pelos Zigs, considerados escória humana pelas elites. Fora das cidades habitam os Prims, amantes da vida natural que abandonaram intencionalmente a tecnologia e a cultura urbana para regressarem ao estado de bons selvagens. Sendo um comic dos anos 80 claro que ainda podemos contar com bandos ameaçadores de mutantes deformados. A defesa dos privilegiados é feita pelos guerreiros eléctricos, robots semi-autónomos interligados no ciberespaço. Nada mau, para uns anos 80 que mal conheciam a internet mas já sonhavam com universos virtuais. Uma anomalia num projecto experimental provoca num deles, Lek-903, um surto de consciência que lhe desenvolve a vontade própria. Perseguido, refugia-se nos níveis inferiores da cidade, onde se apaixona por Kinsolving, uma mulher de idade avançada cuja memória lhe fala de tempos muito diferentes daqueles que julga viver.

Um robot apaixonado por uma anciã? Não temam, ainda ficará mais esquisito.

Num dos enclaves primitivos uma antropóloga citadina vai provocar tumultos no coração de Derek Two-Shadow, guerreiro-artista que tem um passado na cidade e gosta de passar os dias a pintar bucólicas quedas de água e a fazer amor com a loira primitiva. Digamos que viver ao natural tem as suas vantagens. A missão da antropóloga partiu da vontade do líder da cidade, que percebe que pode aproveitar o espírito libertário dos Prims para um projecto ultra-secreto motivado por uma descoberta inquietante do seu astrónomo.

Entretanto, Lek luta, foge e ganha poder como defensor dos oprimidos e eficaz combatente de robots. Acaba por ser capturado ao tentar libertar a sua amada das garras dos robots às ordens do líder da cidade. Também entretanto o líder lança uma ofensiva contra os primitivos para capturar espécimes masculinos. O conhecimento cibernético adquirido com os acidentes de Lek vai servir para criar uma nova geração de robots, desta vez mesclas entre homem e máquina, cyborgs semi-conscientes às ordens das elites. O que poderia correr mal? As peças de Lek são aplicadas ao corpo de Two-Shadows. Duas personalidades tão fortes mesclam-se e conseguem escapar ao domínio electrónico dos controladores. E sim, concluíram bem. Temos agora um poderoso cyborg com dupla personalidade... e para complicar, os amores com a velhota Kinsolving e a namorada loura de Derek. Há por ali uns bizarros momentos a três cujos contornos freudianos não escapam por completo aos leitores mais atentos.

Há mais. Temos revolta nas cúpulas da cidade, guerra entre Prims e robots, golpes de estado que são revertidos com uma união entre cyborgs, prims, zigs, mutantes e os antigos líderes da classe dominante. E temos o segredo que levou o líder da cidade a iniciar o programa de criação de cyborgs, uma ameaça que paira sob o planeta. Moench é implacável, e deixa-nos muito tempo a pensar que possivelmente este mundo futuro está ameaçado por um asteróide. Afinal vai mais longe. O astrónomo detectou uma vasta frota de naves espaciais que se dirigem para a órbita do planeta. E quando as naves nos são reveladas acontece isto:


Bizarro, certo? Afinal a Terra futura será invadida por forças americanas e soviéticas combinadas? Afinal não é a Terra no futuro? Afinal... a verdade final, quando revelada, é outra reviravolta conceptual brilhante. Doug Moench passa grande parte da série a convencer-nos que estamos numa distopia futura, e finaliza com um tirar do tapete ao leitor. Os habitantes deste mundo de desigualdades foram cobaias numa elaborada experiência científica. A longa história do planeta foi-lhes implantada hipnoticamente, e o planeta que julgavam ser a Terra afinal não o era. Dez anos depois do arranque da experiência, os cientistas voltam para analisar os resultados, reverter o controle hipnótico e fazer regressar os ratos de laboratório à Terra. Só que não contavam com o cyborg de personalidade digital e humana mesclada, para quem não é nada difícil travar a suposta invasão. Como bónus, depois de descobrirem a verdade sobre as suas vidas, os habitantes da experiência decidem continuar a viver as vidas artificiais. A série termina com um todo-poderoso Lek a embarcar numa nave para se dirigir à Terra para ensinar à humanidade umas lições sobre humanidade.

Electric Warrior é um daqueles personagens tipicamente resultantes da ressaca do sucesso comercial do filme Robocop. Subitamente, os cyborgs eram cool e o mercado foi invadido por dezenas de clones metálicos, lutadores sobre-humanos que mesclavam o homem com a máquina, ou robots violentos com bom coração. Recorde-se, por exemplo, Rom Spaceknight e a sua eterna luta contra os Dire Wraiths. Dos exércitos róbticos e semi-humanos que povoaram as vinhetas de banda desenhada, quase todos caíram no esquecimento. Este não foi excepção, apesar do argumento fortíssimo de um Doug Moench que a cada nova edição provoca reviravoltas narrativas que derrotam quaisquer expectativas criadas pelos leitores.

berardo_bent


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Cinco livros para descobrir a ficção científica

Ponto de partida em Damien Walter, que na sua coluna do Guardian propôs cinco livros a sugerir àqueles amigos naturalmente avessos a literaturas do género fantástico. Particularmente na ficção científica, que costuma despertar alergias ou olhares condescendentes quando se fala nela em círculos pouco habituados a voos de imaginação que vão além do convencional. Refira-se que a coluna regular de Walter é um dos mimos deste jornal de referência global que para além de ter coragem para enfrentar os gigantes da espionagem também publica o ecologismo inteligente de George Monbiot, o activismo de Naomi Wolf ou as observações sobre o apocalipse pop-cultural de Charlie Booker. A secção Comment is Free é uma lição diária de pensamento claro e certeiro.

O João Campos pegou, e muito bem, na ideia, referindo cinco livros que do seu ponto de vista são indicados para despertar a curiosidade dos afligidos com iliteracia científico-ficcional. Encarei estas sugestões como um desafio, bom exercício mental que obriga a tentar olhar para os livros e autores favoritos procurando formas de os tornar apelativos a desconhecedores deste género literário. Não é tarefa muito fácil. Os anos a alongarem-se que me pesam no lombo têm-me ensinado que a bibliofagia é coisa rara entre nós, mesmo entre os sectores mais bem preparados da população. Já visitei muita sala de estar onde livro é coisa rara, e os que há ficam-se pela obra pop-literária de erudição cosmética do momento, geralmente exibida com um certo orgulho intelectual cuja desmontagem já me custou muitos olhares furiosos. Contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que vi um colega de trabalho a relaxar entre aulas na sala de professores de livro na mão, talvez tantas quantas uma conversa de café conseguiu chegar aos gostos literários. Sempre senti viver num país onde todos consideram importante ler mas poucos realmente se dedicam a esse prazer. O sucesso contemporâneo da cultura g33k permite que ao falar de FC e fantástico já não seja fulminado com expressões do género credo isso que infantilidade, mas mantém-se aqueles olhares condescendentes de pois, tu lês essas coisas, não enfrentas a noite com os mais recentes exercícios mentais umbiguistas de aridez narrativa dos senhores e senhoras que são verdadeiramente importantes e normalmente provocam sonolência ao fim de meio parágrafo.

Certo. Já estou a ir por caminhos por onde não queria seguir. Paremos por aqui e adiante com as minhas cinco sugestões para leitores alérgicos à ficção científica.


E que tal começar de mansinho, com a prosa de encantos de Italo Calvino? Certo, As Cidades Invisíveis não são ficção científica mas rondam muito de perto as literaturas do fantástico com o périplo de Marco Polo pelas cidades imaginárias e paisagens de fantasia que deliciam Kublai Khan. Este livro sempre me fez pensar nas vistas perspécticas de fantasia da pintura e gravura barroca. Calvino não é nada estranho à FC, com contos que revelam reverência e compreensão do género. Depois destas cidades de imaginação o salto conceptual para o new weird de Vandermeer ou Miéville fica facilitado.


Seria muito previsível sugerir Ballard por causa do inimitável Crash.  E para um público pouco habituado aos voos imaginários da FC o catastrofismo de Drowned World e o surrealismo hiperreal de Myths of the Near Future ou Vermillion Sands é capaz de ser uma dose demasiado forte. O cruzamento entre a dissolução da frottage e a geometrização dos sentimentos aplicado à narrativa clara e precisa é o que mais encanta neste autor, que nos ensina a ver o mundo com lentes mediadoras da imaginação. Hello America é talvez o seu mais acessível romance para o neófito em ballardianismos. Escrito com a habitual clareza clínica de Ballard num ritmo imparável, reconstrói a américa iconográfica como paisagem de sonho enquanto define um futuro ficcional onde o norte do continente foi abandonado e está pronto a ser explorado por equipes de arqueólogos que buscam compreender o delírio americano. Convém não esquecer de sublinhar que por divertido que seja este não é o melhor de Ballard. Depois recomenda-se o livro que apaixona Will Self, High Rise para os que detestam reuniões de condomínio e Running Wild para os crentes na ingenuidade infantil. Os estômagos mais fortes podem tentar degustar The Atrocity Exhibition e os contos recomendam-se todos a todos. Podem arriscar o enciclopédico The Complete Short Stories ou, livro a livro, maravilhar-se com o Aparelho Voador a Baixa Altitude, se tiverem a sorte de encontrar a edição de capa azul da Caminho. O hipermodernismo ballardiano, com a sua estética de solidão surreal urbana, é um bom ponto de partida para aproximações à visão sobre a contemporaneidade de William Gibson.


Peguemos pelo factor prestigio para cativar leitores. Refiram ligeramente o nome de Kubrick, e observem que este livro inspirou o filme homónimo. A Clockwork Orange é uma belíssima distopia urbano-futurista de decadências citadinas em que a própria linguagem é recriada. A viagem pela sociopatia social de Alex pelo futuro desolado da herança arquitectónica de Le Corbusier ainda nos ensina uma coisita ou duas sobre o nosso tempo. Ballard elevou o nó de auto-estrada à categoria de escultura modernista. Burgess fez o mesmo com o ubíquo bairro de arquitectura internacional, tão igual nos arredores de Lisboa como nos de Vladivostok.


Note-se que até agora sugeri livros que rondam a ficção cientifica escritos por autores que apesar de ligados ao género ascenderam ou partiram do estatuto de escritores dos cânones literários. A ideia é mostrar o poder e influência do imaginário de FC, que transcende facilmente as fronteiras de géneros num mundo contemporâneo dependente da tecnologia cujas tentativas de compreensão obrigam a olhar para o papel da ciência. É aqui que entra o carácter preditivo da FC, tão badalado nos media como a grande virtude do género. Na verdade, por muito que a FC imagine o futuro, são raras as predições que realmente se concretizam. O género extrapola as características e anseios dos tempos que lhe são contemporâneos em experiências de pensamento que imaginam possibilidades futuras. Raramente acerta nos detalhes, nem é isso que pretende, mas tem uma tendência arrepiante para definir tendências que caracterizam o presente. Se duvidam disso, abram o jornal e deliciem-se com o futurismo catastrófico das fugas radioactivas, flutuações infinitesimais nos mercados financeiros controlados por algoritmos ou a hipervigilância dos drones automatizados. Partindo de uma premissa científica hoje ultrapassada, Babel 17 é um bom exemplo de FC no sentido clássico de literatura onde a ciência desempenha um papel fundamental. E é também uma excelente maneira de cativar com a iconografia da space opera, com as suas vastidões galácticas, cidades futuristas, espécies alienígenas, naves espaciais e batalhas épicas, que é outra das formas com que a cultura mainstream entende a FC. A hipótese de Whorf-Sapir sobre a influência linguística nas ligações neuronais já passou de moda, mas o poder imaginativo da Space Opera clássica nas mãos de Delany continua válido. Num género associado ao épico espacial, sublinhado pela sua enorme popularidade cinematográfica, Babel 17 mostra como se pode ir muito mais longe do que as galáxias distantes num tempo longínquo da Guerra nas Estrelas. Para além disso estes épicos no espaço exterior contrabalançam o mergulho ballardiano no espaço interior. Depois de Delany, o caminho de descoberta do melhor da aventura pelas galáxias segue por Iain M. Banks e Alastair Reynolds.


O quinto livro é um enorme dilema. São tantas as obras excepcionais, os livros marcantes de autores incontornáveis. Mas só resta um. Não posso estender a lista, e sou obrigado a deixar de fora a obra influente de Philip K. Dick, que elevou a psicose ao sublime artístico. Mostrar que a tão criticada sensibilidade anglo-americana não restringe a prosa do francês Laurent Génefort, enquanto LeGuin sublinha o quanto há a fazer para tornar o género menos coisa de rapazes. Também gostaria de observar como Snowcrash de Neal Stephenson é ao mesmo tempo um romance divertido e informal que nos dá uma lição cada vez mais precisa sobre o mundo digital. E já agora refilar com o infeliz título deste livro em português. Nome de Código: Samurai. Não é dos mais felizes. Asimov fica intencionalmente de fora. Deixemos a descoberta da sua obra para uma altura de conhecimento mais profundo do género, para que não nos pareça tão irremediavelmente datada. O mesmo argumento se aplica a Arthur C. Clarke. De fora ficam Sterling, Pohl, Wyndham, Bear, Lem... tantos, tantos outros.

Termino com Bradbury. Por duas grandes razões. A primeira é sentimental. Foi com este autor que me apaixonei pela ficção científica. A sensação de encanto e as vistas alargadas que me cativaram na adolescência ainda hoje não me abandonaram. E sei que não as perderei. A partir das Crónicas Marcianas descobri o vasto universo da FC. Ray Bradbury foi essencialmente um contista, capaz de em poucas páginas mergulhar o leitor em pequenos mundos de maravilha. Poderia sugerir dezenas de colecções dos seus contos, mas deixo aqui uma colectânea que me cativou particularmente, por causa da capa. Todos os estereótipos, o futurismo utópico, o sense of wonder, as vastidões galácticas, o fascínio pelos foguetões e naves espaciais estão traçadas nesta imagem de um astronauta abandonado num asteróide. Mas os contos transcendem largamente a iconografia estereotipada. As questões de género, a fidelidade ao espírito científico ou o aventureirismo com pistolas de raios ficam à parte na obra de um autor cujo estilo narrativo se aproxima do realismo mágico, essa forma da literatura com l maiúsculo cortejar o fantástico. É esta a outra grande razão para a sugestão, mostrando que apesar de género específico a ficção científica facilmente transvasa limites e influencia outras vertentes.

De certa forma, encerro este post em círculo. Da prosa concisa e erudita de Calvino vou à escrita simples e mágica de Bradbury. Sinto-as similares na sua paixão pelo ir além do real, imaginando possibilidades. Pelo caminho ficam algumas selecções, certamente discutíveis como todas as escolhas são. Resta enfrentar dois riscos de evangelizar possíveis leitores: a rejeição liminar ou as equimoses provocadas pela devolução dos livros por via aérea acelerada. Termino com um conselho: não tenham medo, não se limitem a preconceitos de hipotéticas qualidades literárias ou pertinências culturais. O vasto e hibridizante campo da FC contém muitas pérolas do pensamento.

garrafeira_bent


Bang! Brasil


A editora Saída de Emergência surpreendeu recentemente com o anúncio da sua expansão para o mercado brasileiro, possibilitada pela entrada de uma editora brasileira no capital da SdE. Nisto corrijam-me se estiver enganado, porque percebo de pedagogias e tecnologias e não de negócios. Um dos primeiros frutos desta nova vertente da editora está à vista na primeira edição brasileira da revista Bang!. A única publicação regular portuguesa sobre literatura fantástica chega agora ao Brasil, contando com contribuições de autores portugueses e brasileiros. Pessoalmente achei muito intrigante este salto além atlântico, que esperemos que seja bem sucedido. Talvez se torne possível que por cá possamos ler autores brasileiros de literatura fantástica editados pela SdE e por lá os nossos. Seria uma interessante possibilidade, particularmente para quem anda em busca de outras ficções que não as da sensibilidade anglo-americana. Claro que podemos sempre pesquisar e encomendar na Amazon, mas sejamos honestos. Se nos queixamos tanto da falta de edição em português de FC (já a fantasia é coisa mais sólida) não podemos manter o hábito de ir comprar os livros lá fora enquanto reclamamos que por cá não se publica.

Para já ficamos com uma interessante primeira edição da Bang! no Brasil. Adoraria ter uma em papel na colecção, que ficaria muito bem acompanhada pelas portuguesas. Na impossibilidade de ir a uma livraria brasileira buscar uma, fica a versão digital disponibilizada pela editora. Vale a pena ler. Destaco particularmente o conto de Gerson Lodi-Ribeiro, Se Os Portugueses Tivessem Descoberto As Américas, uma história alternativa com um ritmo implacável; o artigo O Fantástico no Brasil onde Bruno Matangrano me deixou intrigadíssimo com os exemplos que trouxe para mostrar a génese do género no Brasil. Tenho uma vaga ideia que as obras de Machado de Assis estão disponíveis em domínio público. Esta e outras são pesquisas a partir deste artigo que estão agendadas para um futuro dia mais calmo.

Também incontornável é o artigo de fôlego onde Luís Filipe Silva analisa em detalhe a história da mítica colecção Argonauta, a porta de entrada de tantos de nós para o admirável mundo paralelo da ficção científica. Mítica pela abrangência, pelas infames traduções e pelas capas de grafismo escandaloso que pessoalmente adoro. Mas não se fiem na minha opinião. Vão ao site da Saída de Emergência e leiam a primeira edição da Bang! além-atlântico. Esperemos que a este número zero se sigam mais, mantendo o espírito de intercâmbio entre vozes críticas brasileiras e portuguesas. Se bem que... estará o Brasil preparado para o João Barreiros?

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Calafrios!


Uma boa surpresa logo pela manhã, trazida pela mão de Filipe Azeredo que desvendou a sua revista digital dedicada à tradução dos comics de horror pré-comics code em domínio público. Nesta primeira edição da Calafrios somos brindados com histórias macabras, daquelas que puseram os cabelos em pé às pessoas de bem que forçaram as editoras a criar o famoso (e ainda vigente) código. Ainda melhor: Azeredo escolheu histórias ilustradas por Alex Toth, Reed Crandall e Basil Wolverton, garantindo que os incautos leitores vão ter o privilégio de contemplar o trabalho de grandes nomes da ilustração da era dourada dos comics. Dêem um saltinho à Filactera e leiam gratuitamente este mimo, disponível em CBR, PDF ou online no Issuu. Da minha parte registe-se os parabéns a esta iniciativa. Resta aguardar que surpresas nos reservará a próxima edição.

Even keel


Começo a ficar desconfiado sobre os indicadores Ballardianos. Scotch, disse?

el corte_bent


segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Programação EuroSteamCon 2013


Vinte e oito de Setembro é dia de rumar ao Porto para degustar a convenção portuguesa de Steampunk. A iniciativa da Clockwork Portugal já conta com programa e confesso que estou particularmente intrigado com as conversas sobre crowdfunding (porque, enfim, relevâncias investigativas) e a sessão sobre cinematografia inspirada no género complementada com projecção de curtas. Consultem a programação na página da Clokwork Portugal. Promete.

(Rumar ao Porto sim, mas não para mim. Há qualquer coisa de agastante com o mês de Setembro, que explode de actividades interessantes inversamente proporcionais aos rendimentos disponíveis. Ele é concertos, ele é festivais de cinema, ele é cursos de formação... Pronto, não é desta que vou mas prometo que nesse sábado vou estar enfiado numa sala austera da Parque Escolar a repensar olhares na educação artística vou estar com a cabeça nos engenhosos vapores mecânicos. Mais um ano. Entretanto os meus goggles enchem-se de poeira e o relógio de corda pede encarecidamente para que eu o ponha a fazer tic toc.)

Interzone #247



Será que os grandes nomes são essenciais para ancorar os escritores desconhecidos? Deslumbrados pelo privilégio de ler as palavras de autores famosos, ficaremos mais abertos às tentativas de autores desconhecidos e incipientes? Ou isso, ou então as escolhas para esta edição da Interzone foram feitas tendo como principal critério a mediocridade dos contos. Nisto a edição é muito homogénea. Confesso que ao pegar na revista notei logo a ausência de nomes de pesos-pluma ou pesados da ficção científica, mas isso não apoquentou. Uma das grandes virtudes deste género de publicações é possibilitar às novas vozes fazerem-se ouvir e chegar aos públicos. Ter a garantia de ler algo por algum autor reconhecido é um mimo, mas as boas surpresas residem nos restantes. Só que desta vez o coro estava desafinado e as vozes dissonantes.

Boas ideias não faltam (excepção feita para o patético conto que encerra a revista). Infelizmente a capacidade narrativa parece ter saído de trabalhos para oficinas de escrita. Centradas em sentimentos e emoções difusas, com imensa construção de personagens que depois não dá em nada, acção que se arrasta até ser obrigada a decorrer, exploram com muita fraqueza as premissas interessantes dos contos. Desapontador, muito desapontador.

The Pursuit Of The Whole Is Called Love: arranque pouco auspicioso para esta edição. Conto difuso e confuso sobre um casal de criaturas que talvez sejam alienígenas que se parecem alimentar de forma vampírica mas que acabam por ser mal veladas metáforas eróticas. Lê-se a custo e fica-se com a sensação que é uma versão light de um conto escrito para aquelas antologias de fantasia romântico-erótica que se distinguem pela mal velada pornografia literária e fraca qualidade narrativa.

Automatic Diamanté: conto promissor mas pouco claro de Philip Sugars. Uma consciência artificial aprende a interagir com os humanos e tenta criar uma relação de empatia com um dos investigadores. Curiosamente, sofre alucinações com deuses da sangrenta mitologia azteca (uma inteligência artificial com alucinações, eis uma ideia curiosa) e encontra forma de se descarregar para o corpo da mulher do investigador, paralisada e em coma após um acidente automóvel. O conto tem momentos interessantes, particularmente no ponto de vista narrativo em que a voz da inteligência artifical, sempre em modo introspectivo, procura compreender o mundo através de conceitos e metáforas catalogadas.

Just As Good: partindo de uma premissa interessante, este conto depressa derrapa no tédio. Estamos num presente onde criaturas estranhas, denominadas "trocadores", podem entrar pelas casas dentro e teleportar pessoas e objectos para qualquer ponto no planeta. Famílias esboroam-se, memórias tornam-se difusas, mas estranhamente a sociedade não colapsa, o mundo vai continuando a viver, e todos se adaptam às trocas forçadas. Alguns com resignação, outros pensando que há algum sentido profundo nas trocas aleatórias. O desenvolvimento narrativo é feito pelo ponto de vista lamecha de uma jovem que tenta tudo para não perder as memórias da sua família.

The Cloud Cartographer: outra boa premissa desperdiçada. Neste conto de V.H. Leslie somos levados a um mundo possivelmente paralelo, futuro ou fantástico onde o planeta está sobrepovoado e só nas nuvens acessíveis a partir dos píncaros montanhosos mais elevados resta espaço livre de arquitecturas claustrofóbicas e pessoas em frenesi. Esta zona difusa é um paraíso para um homem solitário que se dedica a cartografar as lentas mutações da superfície das nuvens. Crendo-se só, registando os territórios encobertos nos desertos sobre as montanhas, é surpreendido pela descoberta de uma comunidade de colonos que fugiu à clausura urbana e refez a vida nos céus. A ideia é intrigante, a indefinição entre futurismo e fantasia assenta bem numa narrativa em que não nos parece implausível que as nuvens sejam ao mesmo tempo difusas e com a solidez necessária para se tornarem uma nova terra. O problema é que passamos demasiado tempo a conhecer as ânsias interiores do cartógrafo e o confronto com os outros é despachado em poucos parágrafos.

Futile The Winds: haja alguma luzinha nesta edição desastrada da Interzone. Novamente uma boa premissa e uma escrita sólida, se bem que desinspirada. No conto de Rebecca Schwarz um casal de colonos em Marte está nas últimas. A vaga de colonização assenta no envio de casais que vão tentando construir os alicerces de suporte de vida. Se o conseguem sobrevivem, se não fenecem no duro ambiente alienígena. Estes, encarregues de testar combinações genéticas de plantas capazes de sobreviver na atmosfera marciana, estão pelas últimas até que uma das plantas começa a germinar com fugazes sementes que depressa se esboroam. A mulher prova-as e acaba por se metamorfosear numa árvore consciente que o homem, nos seus últimos gestos, liberta do espartilho da estufa para poder espalhar os seus frutos pelos desertos marcianos.

The Frog King's Daughter: passei o tempo que desperdicei a ler este conto a pensar no que raio se passou pela cabeça dos editores da Interzone para terem publicado uma coisa tão patética. Imaginem um sapo. Habitado por uma mente humana, um executivo de topo de uma grande empresa que aposta com um dos seus programadores que seria tão bem sucedido como sapo do que como executivo. O programador arranja forma de lhe deixar o corpo em coma e a mente dentro de um sapo, garantida por um software que só permitirá o regresso ao corpo caso as condições da aposta sejam conseguidas. O programador morre atropelado e o executivo fica preso no corpo do sapo. A mente do batráquio não é grande coisa mas há umas pedrinhas no charco que ocultam nano-máquinas e potentes computadores. O nosso sapo-CEO ajuda a filha a sobreviver a uma conspiração para domínio corporativo e corporativo e descobre que prefere a vida contemplativa a apanhar moscas à beira lago do que as pressões da alta finança. Isto não é ridículo, é patético. Acaba por ser o final adequado à pior edição da Interzone que me chegou às mãos desde que a comecei a ler regularmente.

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